29.12.09

o escândalo que não escandaliza

Nas festas de fim de ano, com a barriga estufada de perus, leitões, castanhas e muito mais, são recorrentes as seções de comentários lamentosos sobre a "putaria" que é esse país. O Sarney, o congresso, o Lula, o dedo do Lula,... tudo vale nesse exercício anual de cultivo a nosso espírirto de vira-latas, regado com boas doses de ressentimento.

Para as crianças que assistem do sofá, deve parecer que habitam a terra da sacanagem suprema: onde os homens de bem labutam e as ratazanas da política devoram os frutos do esforço alheio.

E talvez tenham razão, exceto pela natureza das ratazanas.

Conforme revela um estudo elaborado pela FIESP - e noticiado apenas pelo Jornal de Brasília em nota de nove linhas - somos o país em que se paga o maior spread bancário do mundo! É aqui, nesta terra de vira-latas, que se gasta com galhardia e altivez R$ 261 bilhões anuais para remunerar os bancos pelas suas operações de intermediação financeira (captar aplicações e conceder empréstimos).

Que me perdoem os udenistas, mas esta é a mais abjeta expressão da bonomia nacional. Cerca de 10% do nosso PIB é capturado pelos bancos em operação que aos olhos da grande maioria da nação é legítima e moralmente aceitável.

O mesmo estudo informa ainda que, caso fosse aplicado no país um nível de spread correspondente ao da média mundial, essa despesa deveria cair para R$ 71 bilhões (cerca de 1/4 da atual).

Se lembrarmos que o SUS custa ao governo cerca de 100 bilhões anuais ou que os investimentos públicos em infraestrutura (estradas, portos, saneamento, etc...) não chegam a 2% do PIB, como explicar o aperreio midiático com as despesas milionárias e inaceitáveis da mesa diretora do Senado e o silêncio sobre o manjar dos bancos?

Que falem os vira-latas!

8.12.09

a liberdade em marx

Depois de mais de um mês de recesso, volto à carga com as reflexões colhidas nos seminários do IPECH/Facamp.
Como anunciado anteriormente, estamos caminhando com os pensamentos do "jovem Marx", fazendo a leitura de "A Ideologia Alemã" e do "Manifesto".

Está claro que Marx buscava a transcendência libertária do indivíduo. Mas, de que liberdade falava e como alcançá-la são questões de trato bastante difícil:

Primeiro, porque não se trata de buscar uma liberdade idealizada. Como diz logo no início do capítulo II da Ideologia Alemã

"...não é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais; ... não se pode abolir a escravatura sem a máquina a vapor. (...) a libertação é um ato histórico, não um ato de pensamento".

Segundo, porque se a libertação só é concebível através da atividade concreta (o Trabalho) e esta se processa num contexto de crescente divisão social do trabalho - esta, uma usina de desigualdades - então têm-se um processo contraditório em que os interesses particulares haverão de se subordinar aos interesses gerais (contradição que se expressa nas lutas travadas no seio do Estado). Noutros termos: a cooperação, que recorrentemente nos abre a possibilidade de superação das necessidades materiais, por sua potência, ganha autonomia (se naturaliza) e nos sacrifica a liberdade (nos aliena).

Essa dependência integral (do indivíduo em relação à sociedade), que caminha na direção de uma cooperação histórico-mundial dos indivíduos (divisão do trabalho em escala planetária), ao mesmo tempo em que leva ao limite os poderes de domínio de uns contra os outros, lança a oportunidade de controle consciente desse poder, libertando os indivíduos da "fixação a uma atividade social"e dando-lhes capacidade de fruição consciente e voluntária das atividades produtivas/criativas. É isso que chamará comunismo, uma sociedade que elimina a divisão social do trabalho e com ela a propriedade privada.

É impressionante o vigor do pensamento de Marx ante a realidade histórica atual. O caminhar dos modos de produção rumo a uma História Mundial parece evidente, assim como o poder resultante da intensificação do processo de divisão do trabalho o torna cada vez mais alheio aos indivíduos que lhe dão substância.

Contudo, do debate suscitado pela leitura de Marx, emerge como problema crucial a questão do controle consciente daquele poder emanado da divisão do trabalho. Como esperar que nos tempos atuais haja uma convergência de interesses entre os não-proprietários a ponto de reivindicarem o controle do Estado e, a partir dele, o interesse comunitário? É possível fazê-lo ante um mundo em que a "consciência" foi apropriada por interesses particulares, onde os meios de comunicação dissolvem os interesses de classe (derivados da divisão do trabalho) e reorganiza a sociedade de acordo com padrões de consumo?

Acredito que seguiremos por essas questões no caminhar dos Seminários. Por ora, é só.


4.11.09

l'Etat n'est pas moi

Com seu artigo "Para onde Vamos?", publicado originalmente no Estadão do último domingo, FHC conseguiu atritar as moléculas da desesperançosa oposição. A repercussão foi grande, muitos comentaram suas teses (clique aqui e aqui) e, de um modo geral, há concordância quanto ao movimento do ex-presidente: dotar a oposição de um último mote eleitoral - ou, quiçá, de um candidato.

Mas gostaria de explorar um aspecto que não encontrei nas análises que li. FHC acusa Lula de insidiosamente estar minando nossa democracia com o "DNA do autoritarismo popular". Seu argumento é simples: com dinheiro público, Lula soldou uma hegemonia política que põe em risco os valores democráticos de nossa república: "Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam."

Para atiçar ainda mais as índoles lacerdistas, FHC nomeou a hegemonia lulista de "subperonismo" e não deixou de compará-la à experiência do mexicano PRI.

Provocações e udenismo à parte, diria que FHC, o analista político, tem boa dose de razão ao enxergar de forma acurada as forças que dão sustância ao robusto arranjo político construído por Lula - sua análise é manca apenas quando se esquece de mencionar a banda financista, bem servida tanto por Lula quanto por ele.

Não é no diagnóstico, portanto, que o ex-presidente se equivoca. Seu problema está nas conclusões que tira ao identificar uma forte hegemonia política no país, como se o fato de existirem vencedores e beneficiários do arranjo político em pauta denotasse carência de legitimidade ou déficit democrático. A mencionada aliança entre Estado, sindicatos, fundos de pensão e empresas nacionais não só parece bastante promissora quando se busca a retomada do desenvolvimento sustentado e socialmente justo, como foi consagrada em diversos outros países mundo afora (Alemanha, Suécia, Inglaterra, França, entre outros), e até mesmo no México do PRI e na Argentina peronista, por que não?

O problema que aflige FHC é que nesse arranjo 'subperonista' não cabe o iluminismo cosmopolita, modernoso e rentista com o qual sonha e faz sonhar. No mundo de Lula , que parece suscitar-lhe asco ("Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”), resta pouco espaço para gente de sua estirpe, que faz política no Fasano e se assusta com o varejão da fartura onde Lula faz e acontece.

Não vejo, nisso tudo, algo que de fato possa vir a ser um mote à oposição. FHC, a seu modo, dá seu grito de agonia, incapaz de assistir da calçada o peão Lula arquitetar uma hegemonia de tal envergadura e potência. Ressentido, resta-lhe abominar a obra e desconstruir o artista. Diz ele:

"(...) nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal."

Lamentável, Professor!





28.10.09

nos tempos de Marx

Iniciaram-se hoje (28/10) as sessões dos Seminários do IPECH/FACAMP dedicadas ao estudo de Marx. A partir de uma esclarecedora exposição do Prof. Mariucci, foram debatidas questões interessantes sobre o ambiente político e intelectual que cercava o jovem Marx.

De forma muito sintética, percorremos o seguinte itinerário:

(1) Naquela primeira metade do Século 19, a tensão que inflamava alguns movimentos políticos em Paris e em outros poucos centros urbanos da Europa, refletia a coexistência de diferentes modos de produção, sem que houvesse a clara predominância social de nenhum deles. Na periferia do sistema, em países como o nosso, o excedente produtivo era capturado através de mão-de-obra escrava. Em algumas nações européias (principalmente da Europa Central) persistiam regimes de servidão, associados à acumulação mercantil comandada pelos soberanos. Na França, predominavam os produtores individuais e, na Inglaterra, ganhava corpo a mão-de-obra assalariada.

(2) Evidentemente, nesse ambiente heterogêneo vicejavam tensões e conflitos entre os diferentes grupos de interesse (corporações de artesãos, camponeses autônomos, membros das cadeias produtivas dos sistemas de "putting-out", industriais manufatureiros, comerciantes urbanos, entre outros), o que permitiu o florescimento de variados movimentos contestatórios.

(3) É no bojo desse processo de efervescência política que Marx e Engels lançaram então seus escritos de 1845/46 (A Ideologia Alemã, Teses sobre Feuerbach) e 1848 (Manifesto do Partido Comunista) propondo a revolução comunista e acreditando na aliança tática com outros movimentos que se opunham à dominação aristocrática que ocupava os Estados europeus. Entre as forças aliadas, enxergavam desde a burguesia liberal, os coletivistas inspirados em Proudhon, até os socialistas cristãos.

(4) Contudo, o fracasso dos processos revolucionários de 1848 irá dissipar da utopia marxista as idéias de alianças com outros movimentos de contestação à ordem, fortalecendo o seu entendimento de que a revolução comunista deveria ser uma decorrência histórica das tendências contraditórias da acumulação capitalista e que, portanto, deveria se dar no centro do sistema, onde - por força do capital - o processo de trabalho já tivesse sido coletivizado e a classe proletária já constituísse a força produtiva predominante.

Sobre estes pontos, cabe resgatar algumas idéias-chave colocadas pelos professores Fernando Novais, Belluzzo e João Manuel, com as quais fica mais fácil navegar pelo difícil século XIX:

Para o Prof. Fernando Novais, é importante ter sempre em mente que Marx não era um historiador, nem escreveu sobre a história. Analisou a história para construir uma teoria do Regime do Capital, buscando a gênese da acumulação primitiva nos tempos remotos da industrialização inglesa. Isso não significa que o capitalismo estivesse presente desde então. Pelo contrário, entre os séculos 15 e meados do Século 19, há o predomínio do capital comercial autônomo e a produção preponderante é a do produtor individual. Até o advento da IIª Revolução Industrial não cabe falar em generalização da produção através de mão-de-obra assalariada.

Conforme JMCM, Marx é fundamentalmente um teórico do capital e talvez, brinca o Professor, um "historiador do futuro". Seus textos foram escritos em uma sociedade profundamente marcada pelo passado e sua genialidade está justamente no fato de conseguir antever, através da análise dos processos históricos ainda em gestação, os movimentos futuros do capitalismo.

E, mais uma vez segundo F. Novais, os escritos políticos de Marx são, antes de mais nada, uma aposta na classe proletária - derrotada em 1848 - e que, por isso, constituem a última utopia iluminista do pensamento ocidental - utopia, contudo, imanente. Ou seja, a ser realizada não através da transcendência, mas como decorrência das forças dinâmicas que são subjacentes à lógica de acumulação capitalista.

Finalmente, JMCM falou da importante biografia escrita por Jacques Atalli: Karl Marx ou o Espírito do Mundo. Os detalhes da vida de Marx são peças importantes para compreender seu pensamento. Sua vivência como estudante de filosofia na Alemanha, sua militância política na França e sua reflexão econômica na Inglaterra parecem pistas bastante evidentes da influência da tradição de pensamento de cada um desses países sobre a obra de Marx.

É interessante notar também como Marx se interessou pelas idéias de Darwin e via homologias entre a dinâmica da competição no mundo das espécies e no processo de acumulação de capita

23.10.09

sobre o que não disse Keynes

Na sessão desta semana encerrou-se o capítulo Keynes. Com uma síntese brilhante do Prof. João Manuel - e a despeito da chapuletada que tomei - creio que encerramos estas dez sessões com uma perspectiva sensivelmente mais rica sobre o que pensava e o que motivava esse grande homem público do século XX.

Caminhando sobre um fio de navalha que, a um lado tinha o socialismo, e a outro o utilitarismo econômico, Keynes foi capaz - a um só tempo - de demolir os fundamentos da economia clássica e pregar sobre as possibilidades de transcendência no capitalismo. Com o princípio da demanda efetiva no centro da análise da dinâmica capitalista, Keynes não só destituiu de razão qualquer um que se aventure a acreditar em "forças que conduzem ao equilíbrio" como também eliminou de cena o "problema da escassez", que tanto anima bastardos de lado a lado.

Aos ortodoxos e variantes crentes da racionalidade econômica, Keynes estampou a anarquia que governa as decisões de investir como fator determinante não só das crises e da trajetória errante do capital, mas também da tibieza que, no mais das vezes, leva os capitalistas a se protegerem da incerteza refugando as inversões produtivas.

Aos que apontam o dedo na direção da guerra distributiva (por um produto supostamente escasso) Keynes lembra que, com o crédito, o capital não encontra limites e que, portanto, as possibilidades de abundância são de fato exeqüíveis e portadoras de uma possível sociedade livre do fardo do trabalho.

Evidentemente, por essas, a leitura de Keynes deixa muita gente nervosa e não são raras as vezes em que se questiona a sua obra por supostas omissões. Ele não fala de luta de classes, não avança sobre o formato ou o conteúdo do Estado capitalista, não se dedica ao problema da divisão internacional do trabalho, nem dá bola para a teoria do valor.

Mas, como bem disse o Prof. João Manuel, não cabe cobrar de Keynes ou de qualquer outro grande autor, as explicações para aquilo que ele não tratou. Os avanços teóricos e políticos derivados do pensamento de Keynes são monumentais e não tem cabimento buscar no não dito possíveis óbices ou lacunas de seu pensamento. Além disso, não devemos esquecer que Keynes não foi exatamente um acadêmico. Foi um homem público que circulava ativamente entre várias instâncias da vida: funcionário do tesouro, professor em Cambridge, fazendeiro, especulador financeiro, biógrafo, membro do blummsbury, colecionador de cartas de Newton, amante de balé, patrocinador das traduções de Freud na Inglaterra, amigo e hospedeiro de Wittgenstein.

E é certamente por conta dessa multifacetada dimensão do pensamento de Keynes que sua leitura é especialmente complexa e rica. Treinados que somos, não é fácil evitar os esquemas teóricos ou os recortes ideológicos a tentar enquadrar o fulano.

Pois que venha agora o Karl Marx. É a partir da leitura dele que seguirão as próximas sessões.
E não custa ressaltar que esse percurso, invertendo a cronologia entre os autores, é muito interessante. É como se estivéssemos buscando saber se Marx, afinal, era leitor de Keynes.


19.10.09

ainda sobre...

... o tema explorado no texto abaixo, arrisco uma frase de efeito:

Enquanto para Marx a superação da gramática capitalista passava necessariamente pela destruição dos substantivos que lhe dão sentido, para Keynes a tarefa primordial seria a substituição dos verbos que lhe dão movimento.

15.10.09

a socialização keynesiana


Entre pensadores ditos marxistas não é incomum a tese de que o 'Estado keynesiano' constitui o instrumento último de dominação política da classe capitalista sobre a classe trabalhadora. A administração da demanda através do Estado, na medida em que reduz a ciclotimia do capital e as possibilidades de crise, seria a pá de cal sobre qualquer esperança revolucionária. Nessa perspectiva, com Keynes não haveria transcendência possível no capitalismo.

Mas, a leitura cuidadosa e difícil dos textos de Keynes - e não dos autores keynesianos - não habilita, a meu ver, tais conclusões.

Tanto quanto Marx, Keynes enxergou virtudes e vícios no capitalismo. Suas análises, embora metodologicamente distintas, são muitas vezes convergentes, em especial no que tange aos aspectos cruciais da dinâmica de acumulação capitalista. Por exemplo: em ambos o 'dinheiro' é muito mais do que mero meio de troca, como quer toda a economia ortodoxa. O capitalismo não se resume a um sistema de produção de mercadorias, mas antes de mais nada se trata de um modo de organização social orientado para a acumulação de riqueza monetária (D-D'). Dessa centralidade do dinheiro decorre uma série de disfuncionalidades que, em última instância, promovem as crises e produzem desigualdades sociais inaceitáveis.

Não vou nem tenho competência para destrinchar aqui todo o encadeamento lógico que constitui o argumento de cada um desses excepcionais pensadores da economia política. O que me interessa é apenas refletir um pouco sobre o desfecho imaginado por cada um daqueles autores, à luz das leituras que temos feitos nos Seminários do IPECH.

Marx, como bem sabemos, imaginava que após cumprirmos uma etapa de avanço das forças capitalistas - cuja tarefa histórica seria liberar gradativamente a classe proletária do fardo do trabalho - deveríamos nos deparar com uma grande crise que, por meio de um processo revolucionário, deveria eliminar a propriedade privada, socializando a posse dos meios de produção. A partir de Marx, poderíamos dizer, portanto, que o fim da exploração do trabalhador pelo capital se daria quando fosse suprimida a propriedade privada. E, por isso, para parte dos marxistas, a mediação estatal só faria retardar o processo de esgarçamento capitalista.

Keynes, por seu turno, que esgrimia com a ortodoxia clássica e não com Marx, via na suposta harmonia dos mercados uma falácia teórica insustentável ante a mera observação da realidade. Crítico do fascínio que o dinheiro produz em nossa sociedade, seja por seus aspectos economicamente disruptivos, seja por sua dimensão moral, mas descrente de uma alternativa que suprimisse o individualismo, Keynes não se anima com a utópica transposição para outro sistema, a ser habitado por espíritos talvez de outra natureza que não a humana.

Sua utopia é significativamente mais modesta, mas nem por isso de fácil execução. Ao invés da supressão do capitalismo ou da destruição de seus fundamentos, Keynes mira o feixe de nervos que lhe movimenta o corpo e propõe intervenções cirúrgicas profundas que imobilizem os espasmos epilépticos do bicho. Dito de outro modo: ele retira o foco da questão da propriedade dos meio de produção, concentrando-se sobre a natureza das decisões de uso do capital. Decidir onde, quando e quanto investir é uma decisão importante demais para ficar à mercê de escolhas privadas. Sob a anarquia do mercado, os donos do capital tendem a se refugiar da incerteza represando (tornando escasso) o capital, promovendo desemprego, sempre, e crise, às vezes.

Portanto, a utopia keynesiana persegue a socialização das decisões de investir. Não é contra a posse da riqueza que ele direcionará seus canhões, mas antes contra o poder de determinação da renda que, na ausência de uma coordenação soberana, fica a cargo dos erráticos e conservadores detentores da riqueza velha.

PS: para uma melhor reflexão sobre as motivações de Keynes, reproduzo abaixo um trecho do Capitulo 24 da "Teoria Geral" [p.345,346]:

"... parece improvável que a influência da política bancária sobre a taxa de juros seja suficiente por si mesma para determinar um volume de investimento ótimo. Eu entendo, portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade.

(...) Os controles centrais necessários para assegurar o pleno emprego exigirão, naturalmente, uma considerável extensão das funções tradicionais de governo. A par disso, a própria teoria clássica moderna chamou a atenção sobre as várias condições em que pode ser necessário refrear ou guiar o livre jogo das forças econômicas. Todavia, subsistirá ainda uma grande amplitude, que permita o exercício da iniciativa e responsabilidade privadas. Nesse domínio, as vantagens tradicionais do individualismo continuarão ainda sendo válidas.

Paremos um momento para recordar essas vantagens. Em parte são vantagens de eficiência — as vantagens da descentralização e do jogo do interesse pessoal. Do ponto de vista da eficiência, as vantagens da descentralização das decisões e da responsabilidade individual são talvez maiores do que julgou o século XIX, e a reação contra o atrativo do interesse pessoal talvez tenha ido demasiado longe. Porém, acima de tudo, o individualismo, se puder ser purgado de seus defeitos e abusos, é a melhor salvaguarda da liberdade pessoal, no sentido de que amplia mais do que qualquer outro sistema o campo para o exercício das escolhas pessoais. É também a melhor salvaguarda da variedade da vida, que desabrocha justamente desse extenso campo das escolhas
pessoais, e cuja perda é a mais sensível de todas as que acarreta o Estado homogêneo ou totalitário."

12.10.09

eis que: o empirismo inglês


Continuamos dedicando tempo e tutano à leitura de A Teoria Geral de Keynes. Trate-se de um privilégio poder pensar com vagar e com a ajuda de boas cabeças sobre a difícil "TG" de Keynes.

Digo difícil não só porque o livro é realmente pesado e exige um razoável domínio da teoria econômica "clássica", mas também porque ao longo de sua argumentação Keynes não explicita suas motivações, reservando apenas o capítulo final para sugerir que o mundo que resulta de sua crítica em nada parece com a tradição 'clássica'. Esta estratégia dá margem não só a ambiguidades, como essas autorizam uma leitura 'conservadora' do livro, que, em última instância, considera suas críticas apenas como uma "chamada à realidade" - incorporados alguns mecanismos de correção das disfunções pontuais no funcionamento dos mercados, o equilíbrio e a racionalidade econômica seriam restaurados, o mundo se salvaria das crises ou do equilíbrio com sub emprego e a Keynes restaria a condição de um "crítico construtivo".

Alternativamente, a tarefa que nos cabe é ler a "TG" levando em conta a visão de mundo de Keynes, não só a partir do famoso capítulo 24, mas, principalmente, seus outros escritos - alguns já mencionados em posts anteriores - e o ambiente filosófico da Inglaterra de sua época.

Neste percurso, com o auxílio do livro 'Keynes and His Batlles", do sociólogo canadense Gilles Dostaler, fica cada vez mais claro que uma das chaves fundamentais para compreender os textos de Keynes é a sua formação junto ao empirismo inglês.

E aí, meus caros, tenho descoberto o quanto passei ao largo do assunto durante minha errática vida acadêmica. Creio que por conta da forte influência francesa na constituição das universidades brasileiras, o pensamento filosófico inglês é tratado, em geral, de modo superficial e preconceituoso. No estudo das ciências humanas, tenho a impressão de que navegamos pelo materialismo ou pelo estruturalismo - e suas derivações pós-modernas - mas não me lembro de ter topado consistentemente com a matriz de pensamento inglês, seja em sala de aula, seja como objeto de estudo de algum colega.

Em economia, claro, lemos muito os economistas ingleses, mas o fazemos atentos apenas a título de conhecer a genealogia formal do mainstream econômico.

É uma pena. Me parece que as possibilidades abertas pelo empirismo inglês permitem trabalhar em ciências humanas, e talvez em especial no pensamento econômico, de maneira mais arejada, desvencilhada do peso formal dos axiomas ou das premissas que engessam a tradição 'clássica'. Como disse o Prof. Belluzzo, sob a perspectiva de Keynes o capitalismo (ou a economia) deve ser investigado em seus processos e não em seus fundamentos.

É isso! Bingo.
Espero que nas próximas sessões e com novas leituras possamos avançar nessa toada.

Obs: na imagem acima, a estátua do Almirante Nelson, herói inglês na Batalha de Waterloo.

2.10.09

keynes e o chega-pra-lá nos "clássicos"


Ná última sessão dos Seminários do IPECH, coube ao Prof. Belluzzo tratar do tema: "Os clássicos e Keynes" - "clássicos", no caso, são os predecessores de Keynes, economistas que no fim do século XIX e início do XX constituíram as bases da ortodoxia econômica.

O mote de Belluzzo para tratar do assunto foi encontrar os pontos de ruptura de Keynes em relação àquela linhagem clássica. Numa primeira aproximação do problema, podemos dizer que Keynes bateu de frente com três dos pilares cruciais da arquitetura ortodoxa. são eles:

1) A Supremacia do Indivíduo: ao longo de sua obra, Keynes rechaça a idéia de "escolha racional" ou de "indivíduo maximizador", conceito herdado do utilitarismo e que está no cerne do suposto automatismo dos mercados e da consequente 'harmonia de interesses' (equilíbrio geral) que, em última instância, faria jus à proposição de que os mercados são capazes de fazer coincidir os benefícios privados com o bem comum. Para Keynes, este indivíduo maximizador simplismente não existe, seja porque a racionalidade instrumental/calculadora é ineficaz e insuficiente para lidar com a incerteza radical sobre a qual se apóiam as decisões econômicas - "o passado é irrevogável e o futuro incognoscível", embora a enorme maioria dos economistas insista no inverso: prescrevem sobre o futuro e se esquecem das lições da história - seja porque, ante aquela insuperável incerteza, os agentes econômicos tendem a decidir através do mimetismo, o que amplifica de maneira dramática a instabilidade do sistema e introduz na dinâmica capitalista um fator de inescapável ruptura: a negação da crise será sempre a ante-sala da crise, i.e., é porque todos acreditam estar diante de um cenários seguro que todos tomam posições sistemicamente insustentáveis e produzem a crise.
Em suma, Keynes retira o indivíduo do centro do debate econômico, indicando que a racionalidade relevante para se compreender a dinâmica econômica deve ser buscada no "comportamento social da maioria" (que se comporta como manada) e que, portanto, o bem comum deverá resultar da construção de conveções - ou de consensos - nas chamadas instituições intermediárias da sociedade (acima dos indivíduos e do mercado).

2) A Lei de Say: fundamento da economia clássica, dizia que a poupança prévia é condição para o gasto (investimento e consumo). Keynes "detona" esta relação causal, invertendo a determinação. Ou seja, é o nível de gasto (especialmente em investimentos) que criará as condições concretas para a realização da renda e, consequentemente da poupança. Esta inversão, que pode soar estranha ou contra-intuitiva para o indivíduo que gasta o que ganha, decorre dos seguintes fatores: do sistema de crédito (que autoriza o gasto antes da renda) e do fato de que será a expectativa de lucro em um futuro incerto que determinará o montante de investimento e que, portanto, sancionará (ou não, depende da aposta dos outros) a renda esperada. Esta "inversão", que para o leigo pode parecer uma tecnicalidade, é crucial para a perspectiva Keynesiana. É por conta desse recorrente risco de inadequação entre a oferta (determinada pelo volume de investimentos) e a demanda agregada que o capitalismo tende, não só a tropeçar em sucessivas crises, como a rodar com o freio de mão puxado, isto é, abaixo do pleno emprego.

3) A moeda neutra: esse é outro pilar mítico da ortodoxia, que considera o dinheiro apenas como um facilitador das trocas mercantis. Dessa perspectiva, o sistema capitalista teria como mola-mestra a produção de bens, impregnados de utilidades que satisfazem as nossas necessidades. Lembrando da supremacia do indivíduo, a idéia aqui é a de que partindo do cálculo individual e maximizador, se erigiria um mercado que seria abastecido pela produção de bens. Ora, mas como bem sabemos desde Marx, ou quando olhamos pela janela, o que move o capitalista é a possibilidade de acumulação, a imperiosa necessidade de fazer seu dinheiro gerar mais dinheiro (D-D'). Portanto, não é nada razoável construir uma teoria econômica que suponha o dinheiro apenas como um acessório mediador da dinâmica capitalista. O dinheiro é a mais importante das mercadorias, o fim último do capitalismo. Sua posse não é transitória ou instrumental, mas constitutiva e determinante dos fluxos de renda que fazem a dor e a delícia do capitalismo.

A respeito dessa centralidade do dinheiro, e lembrando da presente crise internacional, o professor Belluzzo construiu uma frase brilhante:

"Quando tudo vai bem, todas as mercadorias são dinheiro; quando tudo vai mal, o dinheiro é a única mercadoria"

Tomadas em conjunto, as fraturas promovidas pelas idéias de Keynes aos fundamentos da economia clássica são definitivas e não deveriam deixar qualquer dúvida quanto à insustentável fé nas leis de mercado ou às proposições ortodoxas. Qualquer um, minimamente aparatado e intelectualmente honesto deveria reconhecer a força dos argumentos de Keynes e a ruptura que produz no debate econômico.

Curiosamente, contudo, não só Keynes foi esterilizado pelos seus sucessores, como, o que é mais grave e impressionante, é que a teoria neoclássica, com aqueles mesmos e velhos pés-de-barro, continua fazendo a cabeça da grande maioria dos governantes e economistas ao redor do mundo.

Nota: durante a exposição, Belluzzo chamou a atenção para o fenômeno da crescente autonomia da variável consumo na determinação da renda. Com o avanço do Estado de Bem Estar Social e as inovações financeiras que permitiram transformar a riqueza das famílias em lastro para um endividamento inédito das mesmas, o consumo ganha ritmo próprio, tornando ainda mais incerto o horizonte econômico e, consequentemente, mais vulnerável a crises a dinâmica capitalista. Noutros termos, embora Keynes não tivesse considerado o consumo como uma variável autônoma - nem poderia, àquela época - seus argumentos quanto à instabilidade crônica do capitalismo são agora tão ou mais pertinentes.

28.9.09

uma pequena cereja

Numa semana de breve interregno nas leituras para os Seminários do IPECH, aproveito para postar uma carta (na verdade um cartão postal) escrita por Nietzche a um amigo, comentando sobre o seu espanto ao perceber em Espinosa um precursor de suas idéias.





Nietzsche
A Franz Overbeck na Basiléia (cartão-postal).
[Sils-Maria, 30 de julho de 1881]

Estou inteiramente espantado, inteiramente encantado! Tenho um
precursor e que precursor! Eu não conhecia quase nada de Espinosa;
que eu agora ansiasse por ele foi uma “ação do instinto”. Não só, que
sua tendência geral seja idêntica à minha—fazer do conhecimento o
afeto mais potente—em cinco pontos capitais de sua doutrina eu me
reencontro, este pensador, o mais fora da norma e o mais solitário, me
é o mais próximo justamente nestas coisas: ele nega o livre-arbítrio
—; os fins —; a ordem moral do mundo —; o não-egoísmo —; o mal
—; se certamente também as diferenças são enormes, isso se deve
mais à diversidade de época, de cultura, de ciência. In summa: minha
solidão, que, como sobre montes muito altos, com freqüência
provocou-me falta de ar e fez-me o sangue refluir, é ao menos agora
uma dualidão.—Maravilhoso! Aliás, meu estado de saúde de forma
alguma corresponde às minhas esperanças.Tempo excepcional também
aqui! Eterna variação das condições atmosféricas! — isso me leva
ainda a deixar a Europa! Preciso ter céu limpo durante meses, senão
eu não consigo avançar. Já 6 acessos graves, com duração de dois a
três dias!!

20.9.09

bentham, o precificador


Não sou capaz de dizer com exatidão quando foi que me defrontei com o neologismo "precificar". Não deve fazer mais do que dez anos, provavelmente menos. Mas me lembro bem do espanto que tive ao perceber a boçalidade do conceito. Inspirados pela euforia ideológica que emanava dos mercados financeiros, economistas passaram a empregar o termo para designar a ação de estabelecer um preço hipotético para coisas, fenômenos ou processos que não estão no mercado, mas que segundo esse "exercício" podem ser hierarquizados numa escala de valores monetários, de fácil interpretação e comparação.

Por exemplo, através de pesquisas de opinião e de aproximações estatísticas, a 'precificação' permite estabelecer o "preço" hipotético da Mata Atlântica ou do Pelourinho. Uma vez decifrados, pode-se compará-los com os custos para preservá-los e verificar sé é economicamente aceitável despender recursos para salvá-los. Se o "preço" for inferior ao custo de preservação, conclui-se que a sociedade não considera razoável gastar o montante de dinheiro com estes patrimônios e que, portanto, devem permanecer ao deus dará. Outro exemplo clássico da aberração do método é a tentativa de comparar os custos das políticas de saúde para crianças ou para idosos, vis-a-vis o preço (o benefício) de mantê-los vivos. Como obviamente, a vida de uma criança "vale mais" que a de um velho, conclui-se que os recursos públicos devem custear primeiro a saúde das crianças. Por assustador que pareça, Banco Mundial, órgãos da ONU, assim como órgãos governamentais brazucas, aplicaram com afinco tais sistemáticas nos anos recentes, seduzidos pela suposta objetividade do método.

Esqueceram-se que os preços mal servem para medir as coisas simples, seja porque existem Preços com "P" maiúsculos (como a taxa de câmbio, a taxa de juros ou os salários) que contaminam e "desvirtuam" os demais preços, seja porque os ditos 'preços de mercado' dizem mais das condições da oferta e da demanda do que do valor intrínseco do bem. Ou seja, pode-se dizer que um bem vale pouco (paga-se pouco por ele), não porque seja um bem desinteressante, mas porque as restrições financeiras do momento são de tal ordem que inviabilizam a "compra" do bem. Além disso, e muito mais importante, é o fato de que muitos dos bens para o qual se volta o apetite dos precificadores estão 'fora do mercado' justamente porque têm um valor absoluto (e não relativo, como ocorre no sistema de preços), cuja existência ou execução não deve depender das circunstâncias orçamentárias, determinadas em última instância no plano político e não econômico.

Enfim, a "precificação", tão em voga ultimamente, se algo mede, me parece ser a vulgaridade e a pequenez de nossos dias. Quem diria? Depois de tantas e boas reflexões acadêmicas, alguns séculos de riquíssimos debates econômicos, sociológicos e filosóficos, nossa sociedade adota como mântra-síntese os argumentos rastaqueras de Jeremy Bentham, obscuro filósofo inglês que viveu entre 1748 e 1832, cujas idéias serviram à construção do 'utilitarismo', reduzindo a dimensão econômica ao cálculo utilitário.

Para ilustrar a paternidade e a crueza a que me refiro, segue um pequeno trecho de J. Bentham, extraído de um manuscrito seu, datado de 1782, sete anos antes da Revolução Francesa. Notem como a "precificação" já estava lá, prontinha para ser "vendida" à sociedade que cumprisse a tarefa de retirar da cena outros princípios para a valoração das coisas da vida:

"Tendo em meu bolso uma coroa (moeda) e não tendo sede, se eu hesitar entre a compra de uma garrafa de vinho tinto para refrescar a mim mesmo e despender a coroa para prover sustento de uma família que, na falta de toda assistência, está prestes a perecer, tanto pior para mim: mas está claro que, por mais que eu continue a hesitar, os dois prazeres, por um lado a sensualidade, por outro, o da simpatia, teriam para mim exatamente o mesmo valor de cinco shillings (frações da moeda), seriam exatamente iguais. Peço aqui uma trégua a nosso homem de sentimento e afeto, durante o tempo em que, por necessidade e somente por necessidade, eu falo e exorto a humanidade a falar uma linguagem mercenária. O termômetro é o instrumento para medir a temperatura; o barômetro é o instrumento para medir a pressão do ar. Quem estiver insatisfeito com a exatidão desses instrumentos deverá encontrar outros mais exatos, ou então, dizer adeus à filosofia natural. Dinheiro é o instrumento para medir a quantidade de prazer ou de dor. Quem estiver insatisfeito com a exatidão desse instrumento deverá encontrar outro mais exato, ou então dizer adeus à política e a moral. Portanto, que ninguém se surpreenda ou se escandalize ao me ver, ao longo desta obra, avaliar todas as coisas mediante o dinheiro. Somente desta maneira é que podemos obter partes alíquotas para nossas medidas. Se não pudermos dizer que uma dor ou um prazer vale tanto em dinheiro, do ponto de vista da quantidade, será vão dizer qualquer coisa sobre isso, não haverá nem proporção nem desproporção entre os castigos e os crimes."

12.9.09

leviathan no banco central


Nesta semana, seguimos investigando o ambiente intelectual que cercava a Cambridge de Keynes, no início do século XX.

Sob a batuta do Prof. Sílvio Rosa e a varinha de condão do grande Prof João Manuel puxou-se uma linha que, partindo de Hobbes, conduz ao desenvolvimento do conceito de "cálculo racional", indevidamente usurpado pelos utilitaristas, como J. Bentham e S. Mill (pai e filho), do campo da teoria política para o da teoria econômica.

Não ousarei reproduzir aqui a trajetória percorrida pelos professores, mas motivado pelo assunto, arrisco abaixo algumas considerações sobre o pensamento de Hobbes que me parecem especialmente profícuas para o debate econômico que deverá nos acompanhar ao longo dos Seminários - vale dizer que muito me ajudou a leitura de "A Física da Política: Hobbes contra Aristóteles", livro de Yara Frateschi, filósofa e professora da Unicamp.

Jejuno nos temas da filosofia, sigo pé ante pé, sob grande risco de ainda assim errar:

(1) Hobbes procurava refutar a idéia clássica (Aristotélica) de natureza política do homem (homem = animal político). Para Hobbes, o homem age apenas e tão somente pelo "princípio do benefício próprio", pelo qual busca evitar a dor e realizar seus desejos (reduzidos a necessidades);

(2) Não há substância, nem sequer uma "razão reta" ou uma vocação à sociabilidade a priori a habitar o indivíduo; sua conduta segue apenas as regras de sobrevivência e portanto não há limites para a sua ação, desde que esta lhe proporcione benefícios tangíveis e imediatos;

(3) Portanto, aqui a racionalidade é reduzida à "razão calculadora", que se orienta a partir de referências externas (sensações, medos, memórias, necessidades), imaginadas (especuladas) como fontes de prazer e dor;

(4) Consequentemente, não se pode conceber conceitos como "escolha" ou "livre-arbítrio". O homem aqui apenas "delibera" para agir, sempre em benefício próprio, sem qualquer freio moral, social ou divino.

(5) Nesses termos, não tem cabimento supor que haja uma tendência de convergência entre a busca pelo benefício próprio e o bem comum.

(6) Pelo contrário, o "estado de guerra" deverá se impor como tendência, a luta de todos contra todos, sem qualquer possibilidade intrínseca (natural) de superação desta condição.

Qual a saída? Como escapar da guerra de todos contra todos?

(1) Não há saída individual;

(2) Não cabe - pois não há a priori e porque a razão calculadora é ineficaz - buscar "educar" os indivíduos para que aprendam a fazer coincidir seu interesse pessoal com o coletivo;

(3) É preciso lançar mão de um "artifício" capaz de atribuir valor aos objetos (referências/acontecimentos) externos.

(4) Este artifício é a instituição do Estado (de uma autoridade soberana), habitada por alguém falível e egoista como todos nós, mas dotada do poder delegado para fazer cumprir os "pactos sociais" que conseguimos imaginar como necessários para evitar a dor, mas para os quais não temos como garantir o cumprimento a partir da ação individual.

Até aqui, tudo bem. A "mecânica" filosófica de Hobbes, além de genial simplicidade, é intelectualmente confortável: reduz a política à sua dimensão pacificadora (sem maiores divagações sobre a substância dos indivíduos, quanto mais das classes) e larga no colo da humanidade a tarefa gigantesca de constituir o artifício político (Estado) capaz de dar sentido à sociedade, tal qual uma "comunidade de valores".

Bingo!

O problema é que, da robusta argumentação de Hobbes, retiraram a matéria-prima para calçar linhas de pensamento das mais diversas, muitas das quais, embora falaciosas, lograram enorme sucesso perante o público.

É esse o caso do chamado utilitarismo, que foi buscar na 'razão calculadora' as bases da 'racionalidade utilitária', segundo a qual os homens, empenhados em obter a máxima utilidade individual de suas ações, levam a uma transformação material que, no limite, beneficia a todos.

Ora! Jogaram a criança com a água do banho. Dizer que existe uma "razão calculadora" não implica de modo algum supor algum automatismo que levará ao progresso de nossa sociedade. Aceitar a razão calculadora, pelo contrário, nos alerta para a inescapável necessidade de construção consciente de uma instância soberana e artificial, cuja tarefa é coagir o indivíduo, subordinando sua busca pelo benefício próprio ao interesse comum.

Palpite meu: Keynes, embora não provenha de uma tradição hobbesiana, chega por outras vias (que certamente ainda estudaremos ao longo do tempo) a propor uma solução semelhante, porém talvez mais sofisticada, para justificar a necessidade da ação soberana do Estado ante as forças cegas do mercado. A idéia de uma "utopia monetária", apontada frequentemente pelo Prof. Belluzzo como o modelo de organização econômica da sociedade imaginada por Keynes, é, muito provavelmente, um exemplar - mediado pelos nexos financeiros - do artifício soberano de que falava Hobbes.

Dito de outro modo, me parece que Keynes, ante a constatação de que vivemos em uma "economia monetária de produção", onde o dinheiro deixa de ser meio e se transforma em fim (como já apontava a fórmula D-D' de Marx), enxerga no controle soberano da moeda e das decisões de investimento a única possibilidade de transcêndência sob a égide do capital.

PS: encontrei um artigo bastante interessante da Profª Yara Frateschi, elucidando algumas passagens controvertidas do pensamento de Hobbes relativas aos conceitos de racionalidade e de moralidade. Para acessar o texto, clique aqui.

6.9.09

mais escaninho que pífano


Meus caros, por conta de uma nova jornada em que acabo de embarcar, pretendo mudar um pouco o espírito deste blog. Acontece que há quatro semanas estou participando de um seminário de estudos sobre Keynes e Marx (nesta precisa ordem) que deverá se estender por dois anos. Como o tema é dos mais interessantes e a pauta extensa, sei que não terei fogo suficiente para as divagações que até agora moviam esse blog.
Ante o impasse, a saída que encontrei foi trazer pra dentro do blog - ou pra fora das quatro linhas - algumas das reflexões que estiverem rolando nas sessões (sempre às quartas feiras) do Seminário. Mato com isto dois coelhos: continuo soprando a chama do blog e ainda me arrisco a fazer uma experiência que há tempos me tentava, mas para a qual faltava o mote. Me refiro à possibilidade - aberta com a internet - de contribuir, ainda que muito modestamente, para que mais gente tenha acesso às boas e raras reflexões que acontecem em alguns rincões das universidades brasileiras.

É verdade que os temas econômicos não têm o mesmo apelo que os temas de literatura, que fervilham pelos Clubes de Leituras espalhados na blogsfera. Porém, não custa tentar. Na pior das hipóteses, me ajudará a botar as idéias no lugar e quem sabe divulgar um roteiro de estudos para alguém que se interesse pelo assunto, mas que pelas circunstâncias da vida não pode estar em um seminário como esse.

Dito isso, algumas questões de ordem:

1º) Os posts relacionados ao seminário serão arquivados sob o tema "Seminários do IPECH".

2º) IPECH significa "Instituto de Pesquisas e Estudos em Ciências Humanas", instituição vinculada à Fundação FACAMP, que tem na sua direção os Professores João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.

3º) O que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade. Não tenho procuração de ninguém, nem represento ou falo pelos professores que coordenam ou participam do Seminário.

4º) Tentarei publicar um post semanal tratando da sessão da quarta-feira anterior. Poderá ser na quinta, na sexta, mas certamente deverá estar no ar durante o fim de semana. É claro que a sisudez poderá ser intercalada por posts sobre outros assuntos, afinal, o Palestra estará sempre nas cabeças, os mídia-ligeira permanecerão babando contra o Lula (dá-lhe Pré-Sal), e sempre haverá um filme bom ou um boteco inesperado a ser compartilhado.

5º e último) Do que trata o seminário: os professores Belluzzo e João Manuel (idealizadores do seminário) propõem a leitura de Keynes e Marx fugindo à tentação de enquadrá-los a modelos formais ou de retirar deles leis gerais que aplaquem nossa ansiedade de compreensão e quiçá "solução" do capitalismo. Não se pretende, portanto, buscar qualquer trajetória mecânica, endógena, que nos conduzirá a uma sociabilidade melhor. No limite, trata-se apenas de encontrar a partir de Keynes e de um tanto de Marx uma perspectiva que coloque a ação política - provavelmente o Estado - como possibilidade de transcendência desta sociedade alienada pelo trabalho, pelo consumo ou pelo amor ao dinheiro.

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As primeiras sessões:

Durante esse mês de agosto, partimos da leitura de alguns textos de Keynes (As consequências econômicas da paz - 1919; O fim do Laissez Faire - 1926; As possibilidades econômicas de nossos netos - 1930; Minhas primeiras crenças - 1938), buscando entender melhor quais as influências filosóficas, culturais e institucionais que contribuíram na formação de Keynes - não apenas o economista, mas também o pensador "inconformista" e o pragmático funcionário do alto escalão do governo inglês.

Da leitura destes artigos, destaco os seguintes pontos:

1) Keynes tinha uma impressionante capacidade de entender o seu próprio tempo. No texto de 1919, em que ele explica os motivos que o levaram a abandonar a equipe inglesa nas negociações de paz, ao termino da primeira guerra, ele expressa com clarividência as preocupações com o futuro da Europa, antevendo fenômenos disruptivos a partir da Alemanha. Impressiona também a segurança que tinha para enxergar as determinações das variáveis econômicas num mundo que havia destruído as pontes com o passado (o padrão ouro, a hegemonia inglesa) e que ainda nada tinha colocado no lugar.

2) Em " O fim do Laissez Faire", Keynes já àquela época manifesta a fragilidade e a impotência da abordagem econômica tradicional - dita neoclássica - que via na economia de mercado e no individualismo utilitário a rationale capaz de equacionar o problema econômico ou de harmonizar interesses privados a objetivos sociais. Nesse texto, primoroso na desconstrução do castelo neoclássico, cuja arquitetura ele revela ser mais dos filósofos e divulgadores do que dos economistas, Keynes parece ter sido pego pela história. Ao considerar o laissez-faire como letra morta, Keynes talvez não tenha sido visionário o suficiente para imaginar a ressurreição do liberalismo no último quarto do século 20. Mrs Thatcher, Reagan, FHC e companhia não eram personagens críveis no futuro concebido pelo economista inglês.

3) Já a leitura, em paralelo, dos textos de 1930 e de 1938 traz à luz os pilares fundamentais do pensamento de Keynes. Por um lado, quando trata das "posibilidades econômicas de nossos netos" (escrito em 30), tentando imaginar o que seria deste mundo no início do século 21 (hoje!), Keynes demonstra seu otimismo com a dinâmica do capital, cuja força criadora seria capaz de reduzir dramaticamente o tempo dedicado ao trabalho, o fardo do labor, abrindo a porta para assuntos que deveriam ser os objetos primeiros da vida humana: a estética, o amor, a fruição do presente, "os fins acima dos meios". Olhando para os duzentos anos pretéritos do capitalismo e sua impressionante capacidade de acumulação (isto é, o crescente aumento da produtividade), Keynes conclui com sensatez que o "problema econômico", com o qual nos ocupamos desde que saímos do pântano, "não constitui o problema permanente da raça humana..." "pela primeira vez o homem enfrentará o seu problema real e permanente - como empregar a liberdade..., como ocupar o lazer que a ciência e o juro composto lhe terão conquistado, para viver bem, sabia e agradavelmente."

E, de fato, pelo menos no que se refere a atual capacidade de produção, as previsões de Keynes sem dúvida se fizeram cumprir. O dito "problema econômico", a secular luta pela produção escassa, que tanto aflige os economistas (de ortodoxos a marxistas), não é mais um problema real, mas apenas um mote da política e da moral de nossos dias. Superamos a escassez! Se vivemos ainda uma luta pela apropriação do produto, é porque ainda não aprendemos a viver e pensar este novo mundo.

E com boa dose de ironia, Keynes reserva o último parágrafo do texto para enquadrar os economistas nessa nova era que vislumbrava:

"...não nos permitamos superestimar a importância do problema econômico... Esse problema deve ser atribuído a especialistas - da mesma forma que a odontologia. Se os economistas pudessem dar um jeito de serem considerados como pessoas humildes e competentes, num mesmo nível que os dentistas, seria excelente!"

Por outro lado, como contraponto a esse texto de tom mais otimista, em que sugere a gradativa liberação do homem em relação aos problemas materiais, da sobrevivência, a leitura de "Minhas primeiras crenças", de 1938 é bastante interessante, pois nele Keynes busca refletir sobre outros desafios, certamente ainda maiores, de nossa contemporaneidade.

Recuperando a experiência e as leituras que fazia junto com o grupo de "Blummsbury", ele resgata a importância da Filosofia Moral, em especial a partir de G.E. Moore, na construção de uma vertente de indiviualismo radical que permitiu a ele e seu grupo passarem quase ilesos por dois poderosos campos magnéticos do pensamento ocidental do século 20: o socialismo marxista e o utilitarismo de Bentham e dos economistas neoclássicos. Descartando a moral vigente à época - seja a burguesa, seja a solidária, de matriz religiosa e socialista - o que inspirava aquele grupo era a radical defesa da moral "interna", que deveria fazer o sujeito agir, não de acordo com a utilidade/resultado (individual ou social) das suas ações, mas sim de acordo com as suas demandas ou aspirações imediatas, levando em conta apenas e tão somente o absoluto compromisso daquele ato com suas crenças e desejos mais profundos (uma "religião pagã").

É importante notar que esta filosofia um tanto radical que emanava de Moore e fazia a cabeça da rapaziada em Cambridge, era matizada em Keynes, no sentido de servir de pano de fundo para a concepção de uma sociedade melhor (ideal?) e não um código de conduta individual. Aliás, ao final do texto, Keynes lamenta que a experiência de Blummsbury, apesar do êxito de resistir a outras influências apaixonadas daquele tempo, não tenha sido capaz de encaminhar uma discussão mais vigorosa sobre a sociedade, ficando restrita à dimensão do indivíduo - o que afinal, certamente ele sabia, seria uma contradição com as próprias motivações daquele grupo.

Paro por aqui, pois neste dia 10 teremos mais uma sessão dedicada a esse texto de Keynes. Portanto, volto a ele no próximo post.

2.9.09

outro blogcídio


Agora foi a vez de José Saramago saltar das teclas, deixando seu blog à deriva, tal qual uma ilha de deliciosos posts esquecida em meio ao oceano. Tá certo que a causa é nobre - quase sempre o é, são os projetos de mais fôlego - mas é perda que não merecíamos. Nem bem nos recuperávamos do vácuo deixado pelo degredo auto-imposto de Idelber de "O Biscoito", agora mais esta. Espero que não estejamos diante de qualquer Lei Geral da blogosfera.

Saravá!

25.8.09

feminismo às avessas


Um tema interessante a ser assuntado por aqueles que estão na lida das políticas sociais é a prerrogativa dada às mulheres no acesso aos benefícios sociais. Disseminada por organismos multilaterais como o Banco Mundial, o PNUD ou a FAO, esta prática presume que quando vinculados à mulher, os programas sociais resultam em maior percentual de êxito.

Justifica-se o fato com os seguintes argumentos: 1) as mulheres, principalmente as pobres, já desempenham "naturalmente" o papel de chefe da família; 2) a mulher tende a empregar de maneira mais responsável e altruísta os benefícios que lhe foram destinados; 3) Com o apoio dos programas sociais a mulher pode sair de uma suposta condição de submissão dentro da família, melhorando sua auto-estima e seus graus de liberdade.

Será?

Ouvindo recentemente a Prof. Ana Foseca, grande autoridade em programas de transferência de renda, fiquei conhecendo críticas bastante pertinentes sobre a tal questão da "centralidade na mulher".

Será que não se está reforçando a desigualdade intrafamiliar, conferindo maiores responsabilidades às mulheres e desobrigando os homens, inclusive do papel de provedor? E a suposta maior responsabilidade da mulher não é resultado - ao invés de uma "condição natural" - desta já desigual repartição de tarefas, agora acentuada e legitimada pelas políticas públicas? E será que é justo e desejável que qualquer anseio de participação do pai seja vetado a priori, estigmatizando-o e institucionalizando uma condição históricamente superada?

É, sem dúvida, não é nada fácil encontrar o modelo mais apropriado às políticas sociais. Eu mesmo, já fui um dia presidente do Banco Popular da Mulher aqui em Campinas, convicto de que nosso foco aperfeiçoava as ações da política de microcrédito, produzindo impactos sociais mais efetivos.

Vejo que provavelmente me enganei.

23.8.09

observando o observatório verde


O futebol, como raríssimas coisas da vida, promove uma deliciosa fusão da objetividade à subjetividade - somadas a apimentadas gotas do acaso. Iluministas que somos, gostamos de arquitetar teses e hipóteses solidamente fincadas nos fatos para justificar a paixão irracional que dedicamos a uma camisa, a uma história gloriosa de uma matilha que nos agrega desde a infância.

Quando os prognósticos falham, os gols não pintam ou o juiz mostra a que veio, cabe a cada um provar para si e para nossos parceiros de esgrima o quanto o acaso ou a rasa moral da arbitragem desfigurou o que parecia inevitável.

Mas, em compensação... quando a bola cutuca as redes do gol adversário, confirmando as teses rabiscadas no guardanapo, aí triscamos o Olimpo. Como semi-deuses mesclamos a paixão humana à oniciência de quem vê o mundo do alto - "falei, filha da puta!".

E por que este intróito?
Primeiro porque com mais de quarenta anos nas costas, continuo tão palmeirense quanto nos tempos em que José Silvério narrava os infinitos empates do meu sofrível palmeiras dos anos 80; segundo porque neste espaço da blogosfera, vai se cristalizando uma rede de blogs dedicados à Sociedade Esportiva Palmeiras que compõem um conjunto muito rico de análises futebolíticas. É o que o blog Observatório Verde denominou de mídia palestrina.

Pois é, a coisa tá tão avançada, que temos até um Observatório, colocando-se como uma espécie de blog-ombudsman do que andam pensando e escrevendo os seguidores da Cruz de Savóia.

Dito isso, convido os que até aqui chegaram para visitar o Observatório Verde, incluso a partir de hoje na Redondeza. Como poderão observar, os caras que o produzem são muito competentes, devidamente habilitados para analisar criticamente a quantas anda o nosso mundo verde.

PS: estive ontem no Jardim Suspenso de Parque Antártica assistindo o jogo Palmeiras 2 x 1 Inter-RS e participando de uma belíssima festa, abrilhantada pelo lançamento da camisa comemorativa do Palestra, inspirada na original, com a qual jogava em 1914. Foi um jogo ao estilo platino, de muita garra, muita vontade de ambos os lados e um tanto de lances brilhantes, como as arrancadas endiabradas de Diego Souza ou o belo gol de honra gaúcho, de Juliano. E atenção: ficou claro que brota um craque no Jardim Suspenso: Souza, volante de marcação, raçudo como deve ser por ofício, porém habilidoso e inteligente como poucos dessa posição.

18.8.09

avaliação das políticas sociais


Meus caros, convido aos que estiverem no entorno para participar do Seminário "Novos Instrumentos de Avaliação das Políticas Sociais" (veja programação aqui), que acontecerá na próxima sexta (21/9), no auditório do Colégio São José aqui de Campinas.

Para aqueles que atuam na área, acho que será bastante interessante. O que nos motivou a realizar esse debate foi a possibilidade de aproveitar o bom momento da racionalização da gestão promovida pelo amadurecimento do Programa Bolsa Família - que hoje disponibiliza uma ótima ferramenta de aferição do IDF (Indicador de Desenvolvimento da Família), além de um farto material estatístico - para debater, junto a grandes especialista no tema, sobre como potencializar o uso dos indicadores, seja para avaliação dos impactos produzidos pelas políticas, seja como apoio à gestão e ao planejamento. Parece árido? Nem tanto.

Começando com uma mesa com a presença do Prof. Marcio Pochmann (IPEA) e do Prof. Waldir Quadros (CESIT/UNICAMP) pretende-se abrir o leque sobre o estado das artes das metodologias de construção de indicadores disponíveis no país. O Marcio, na direção do IPEA, é referência obrigatória sobre o tema, até porque no pouco tempo que está no cargo já lançou diversos instrumentos de avaliação de políticas públicas e de diagnóstico social. Já o Prof. Waldir é outro craque no assunto. Ao longo dos últimos 20 anos, tem trabalhado na construção de uma metodologia de estratificação social que se pauta não pelos critérios de renda declarada, mas pela inserção social (costumes, padrão de consumo, relação de trabalho, etc) do trabalhador. Esta mudança de foco abre o campo de pesquisa para análises sociais mais ricas, menos sujeitas à precariedade das estatísticas de renda.

Encerrada esta primeira discussão, que tomará o período da manhã, teremos durante a tarde três conferências focadas nas especifidades das metodologias disponíveis(em especial o IDF). A Prof. Carola Arregui, da PUC-SP, irá explorar a questão do uso das estatísticas produzidas pelo IDF na gestão dos programa sociais, em especial o Bolsa Família. Já o Prof. Leonardo Mendes, (LarCom/Unicamp) irá demonstrar o que chamamos de Régua Social, uma ferramenta derivada do IDF, desenvolvida para a prefeitura de Campinas, que pretende hierarquizar as famílias dos usuários da rede pública municipal de acordo com diferentes dimensões de sua vulnerabilidade social. Com ela, não só poderemos avaliar os diferentes impactos no tempo de uma determinada política, como também estaremos equipados para elaborar melhores diagnóstico e ações de planejamento.Por fim, encerrando o evento, o Prof. André Pires (PUCCAMP)irá apresentar as linhas metodológicas de uma pesquisa que coordenou na cidade de Campinas, que buscava avaliar qualitativamente, junto às famílias dos beneficiários do Bolsa Família, qual as transformações (objetivas e subjetivas) que se pode associar ao programa.

A pauta é essa. Espero que gostem.

17.8.09

gracias por el fuego


Na última mensagem que enviei ao biscoito, sugeri ao Idelber Avelar que fizesse uma seção do Clube de Leituras comparando o livro "O Estrangeiro", de Albert Camus, com o livro "Gracias por el fuego", de Mario Benedetti.

Porém, algumas horas depois, eu e uma pá de gente caiu das teclas ao saber que o Idelber cometia seu blogcidio (vide post abaixo).

E agora? Agora tento eu aqui um arremedo de clube de leitura.

O que me fez pensar na comparação entre os dois livros foi o fato de que ambas as narrativas conduzem os seus protagonistas a uma inescapável sina homicida. Atordoados pela existência, pela escassez de sentido da vida, pelo absurdo do cotidiano, caminham para um crime que parece inevitável e que em cada qual se resolve a seu modo.

Até aí, nada de novo, são muitos os enredos que percorrem toadas semelhantes, com punsões de morte surgindo a partir de um protagonista crescentemente atormentado.
Mas, no caso dos dois a que me refiro, a comparação me parece especialmente interessante (e certamente poderia ser feita entre outros personagens parecidos) justamente porque, enquanto para Ramon Bundiño (de Benedetti) o caminho para o assassinato é pavimentado pelo excesso de nexos, por uma vida encharcada de sentidos, de determinações familiares, históricas e sociais (muito se trata da história da nação uruguaia), e só a morte resta como saída, para Mersault (protagonista de O Estrangeiro), a angústia existencial que lhe autoriza o crime decorre da fragilidade dos nexos que amarram o seu cotidiano, da forma fortuita com que é empurrados para o dia de amanhã, da porosidade das circunstâncias que, a depender do sol ou do barulho, são razões para a morte tanto quanto as de Ramon.

Justamente porque não compartilham das mesmas razões (ou melhor, porque suas razões têm naturezas quase opostas) mas vivem um descolamento da existência semelhante e se encontram motivados para um mesmo fim é que o paralelo entre os dois livros me pareceu rico.

Haveria ainda outra dimensão a contrapor os dois livros - a relação do indivíduo com o seu país - mas não me atrevo a tanto, até porque lembro menos de como isso permeava a narrativa de O Estrangiro, que li já faz um bom tempo.

Mas fica aí a sugestão. A quem interessar, fazer a leitura desses dois livros e se aprofundar na análise dos dois personagens.

11.8.09

biscoito à deriva



Uma nota triste:

Idelber Avelar anunciou ontem o seu blogcídio - temporário - alegando razões profissionais para hibernar o blog “biscoito fino e a massa”.
Obviamente, tem ele todo o direito e é perfeitamente compreensível que após cinco anos de intensa atividade resolva parar para respirar.

Entretanto, para quem navega na blogosfera a notícia não deixa de ser triste. Idelber inspirou muitos blogs e o "biscoito", assim como o blog do Nassif, era uma espécie de ponto de encontro virtual dos blogueiros. Era lá que 'tomávamos nossa cachaça'.

Além disso, impossível não mencionar o primoroso talento com que escrevia os posts, quase diários. Sempre inteligente, antenado, à esquerda e de rara sensatez, o “biscoito” teve papel importante em alguns episódios recentes: orientando os que perderam o rumo em New Orleans, durante o furacão Catrina; informando, como nenhum órgão da imprensa nacional foi capaz, sobre a incrível eleição de Obama ou fazendo campanhas como a de rejeição ao AI-5 digital.

Imprescindível destacar também o “clube de leituras”, com deliciosos exercícios literários, compartihando com o mundão sofisticadas análises de textos de autores latino-americanos, como se estivéssemos em um debate numa sala de aula sem paredes.

É verdade, tenho que reconhecer, que lamentavelmente o blog tinha um viés atleticano, mas nada que comprometesse o principal. Como o galo não ajudava, não houve grandes prejuízos.

É uma pena, seja pela ausência, seja por revelar as dificuldades que persistem.

Vá ser gouche nesta vida, Idelber. Mas volte, nem que seja no dia em que o Atlético vier a ser campeão!

P.S.: de qualquer modo, o link para o "Biscoito" permanecerá na "Redondeza", ali à direita. Além de seu significado histórico, mesmo inativo, contém um rico acervo de temas, suas análises e muitos palpites.

5.8.09

avante belluzzo!

Não posso deixar de saudar o Presidente Belluzzo pelo tapa na mesa: ninguém sai até o fim do campeonato brasileiro, sob pena de ele abdicar da presidência.
Louvável e de absoluta sensatez. Se o objetivo de um time é ganhar campeonatos, como explicar as trampolinagens mercantis que viram do avesso os nossos times de coração?
Que futebol é esse, que serve aos bolsos dos mercadores e não dá a mínima para a molecada que torce pelo seu ídolo?

Muito bem, Belluzzo!

Confesso que eu esperava que a presença do Belluzzo na presidência do Palmeiras extrapolasse os muros do Jardim Suspenso de Parque Antártica e fizesse se mover os pistoleiros que assaltaram o futebol brasileiro. Eis que a tigrada começa a se mexer.

Gol: no site do Estadão, Ricardo Teixeira já anuncia que deverá rever o calendário do futebol brasileiro em 2010, para evitar a revoada de craques no meio dos campeonatos.

4.8.09

minhas férias


Muita calma. Obviamente não vou contar aqui o que fiz nas últimas quatro semanas.
Mas aviso que minha passagem por Salvador (Bahia), bem como as revolvidas lembranças de Montevideo (propiciadas pela leitura Gracias por el fuego, de Mario Benedetti), me servirão de pauta para um tanto de posts futuros, que vou acumulando sob o rótulo "cinza is beautifull". Nada como uma cidade grande.

Por ora, tenho ainda pouco a dizer. Talvez, apenas, que acarajé bom mesmo é com caruru - coisa que a maioria das barracas não oferecem - e que melhor ainda é o da bahiana sem rótulo (nem Dinha, nem Cira) que monta sua barraca na frente do Farol da Barra, à esquerda de quem olha para o farol.

9.7.09

sombra no radar

Meus caros, serão dez dias de recesso. Chego amanhã à Ponta Negra, braço de serra que entra pelo mar e guarda um mundo que já se foi. Sem telefone, sem CEP, sem carro, luz, internet, celular, tv.
Se, só se a maré permitir, um ou outro barqueiro conseguem chegar.

Não deve ser por acaso que se chama Ponta Negra. É o que restou à margem dos satélites da google.

Se preciso, ligamos da pedra alta que, cravada no meio da areia, serve de pouso aos urubus, de puleiro pra criançada e de cabine telefônica aos que ainda tiverem bateria no celular.

De resto, tem cerveja gelada, PF de peixe frito e,.... uma vaguidão só.

1.7.09

na banguela e lambiscando

Criançada no sofá... férias aparecendo do lado de lá da semana... uma preguiça absoluta pra falar das coisas sisudas.
O jeito é levar com música, cinema - uma comidinha - quando muito, literatura.

Comecemos então pelas letras.

Não sei se por conta da frenética vida que levamos, não sei se pela glicemia elevada ou pela wikipidia, mas tenho cada vez menos gosto pelos grandes romances, pelos enredos sofisticados dos papas ou até mesmo as tramas mirabolantes dos livros policiais.

Com a cabeça empapuçada, são nas ditas histórias mínimas que tenho escorado a alma, nos textos-lambiscadas, que não pretendem dizer muito, mas que, por menos que digam, o fazem despertando saliva. Gosto especialmente dos autores que, como um gato brincando com o papel amassado - empurra daqui, belisca dali - juntam um par ou um tanto de idéias e deixam sangrar as palavras, atritando uma à outra, omitindo, insistindo.

E essa coisa que chamam cyberespeço ou blogosfera é um mar infinito para todo tipo de esperimentação literária. A cada dia, são carradas de novas páginas, navegantes, poetas, descarregos. Textos velhos restaurados, textos clássicos falados, tudo espalhado, disponível como o ar. É achar, pegar, largar, achar, pegar, ...

Pois, para colaborar com a labuta da busca, mando abaixo algumas sugestões de blogs que, de um modo ou outro, produzem aquela salivação de que falei. É verdade que muitos deles já foram recomendados em posts anteriores, mas por motivos outros que nesse. Agora, os reúno pela verve.

Em primeiro lugar, é inevitável mencionar o Luis F. Veríssmo. Na verdade, não é exatamente um blog, mas sim um portal onde se pode degustar as suas melhores crônicas, suas reflexões sobre o mundo, seus quadrinhos (animados) e até músicas - se te gusta, clique aqui ouça essa versão instrumental de "se eu quiser falar com deus".

Uma outra visita obrigatório é o blog do muito consagrado José Saramago. Escrevendo pequenos posts regularmente, o portuga é capaz de escrever de forma concisa, elegante e com invejável domínio plástico de nosso idioma. Na minha opinião, inclusive, acho ele melhor no blog do que nos romances. Seus livros - pelo menos os que tentei ler - me pareceram demasiado ambiciosos no que tange aos temas, à construção do argumento, o que acaba tirando o brilho da sua primorosa prosa.
Mais desprendido na internet, é uma delícia e cai como um trago de conhaque às onze, quando a zueira já foi vencida.

Seguindo pelos velhos, vamos logo a um morto. Julio Cortazar, excelente nos livros, aparece na blogosfera acompanhado da própria voz. É muito bom. Gosto especialmente de ouvir o conto "mas sobre escaleras", que talvez sirva para resumir o que a internet nos proporciona hoje. Não estamos inventando nada muito diferente do que sempre fizemos - contar, escrever, ouvir, palpitar - só que talvez, agora o façamos como alguém que 'sobe de costas para os degraus', e isto torna tudo diferente.

Já no campo dos que tratam de literatura, inevitável mencionar o quase popstar Idelber Avelar, do Biscoito. Para quem não sabe, o Idelber, além de timoneiro desse blog campeão de audiência, é Professor de literatura latinoamericana na Universidade Tulane, em New Orleans (EUA).
Entre os muitos assuntos de que trata com maestria, criou o que chama de Clube de Leitura, onde apresenta previamente um texto de algum autor de destaque, marca uma data para o retorno, e a partir de uma primeira interpretação que ele apresenta, abre o blog para comentaristas, que surgem aos montes, reunindo uma multipliciade de pontos de vista e de janelas sobre o texto. É mais ou menos como faziam nossas professoras de ginásio, só que em escala amplificada, com gente que se encontra justamente porque gosta da brincadeira.

Outros que merecem destaque: o blog "Ao Mirante, Nelson", onde Nelson Moraes abusa como ninguém destes novos meios de linguagem; o blog "consenso, só no paredão", mantido por Alexandre Nodari, que mescla debates teóricos e políticos com experiências literárias interessantes; o blog do Antonio Prata, que publica as suas crônicas semanais e, por fim, para os que já sangraram de amor, valem as visitas semanais ao blog "o carapuceiro", do infernal Xico Sá.

26.6.09

um + trezentos

Talvez alguns dos que por aqui vagueiam tenham notado que, aos bocados, venho reciclando a lista de blogs que compartilho na chamada Redondeza, ali ao lado ==>.

Acontece que, enquanto blogueiros cansados abandonam a brincadeira, muita gente boa tem surgido nestes rincões virtuais; muito mais do que somos capazes de acompanhar.

Pois hoje trago a baila mais dois.

Comecemos pelo "Trezentos".
Trata-se de um blog coletivo, que reúne trezentos..., trocentos sujeitos "inclassificáveis", de sangue nervoso, que militam pelo software livre, pelos copylefts, pelo uso e reuso da internet como forma de compartilhar projetos e conteúdos, de fomentar experiências colaborativas e de arreganhar recantos e recatos.

Proprietários do mundo intelectual, temei-os!

Um outro blog que recomendo é o "Pensamento Divergente". Caso distinto do anterior: é assinado por apenas um único e particular sujeito, o jornalista Ruy Fernando Barboza.
Mas, como o anterior, é também espaço onde se compartilha da boa verve, onde se cuida de espantar o senso comum e a inteligência graça.

Devo dizer que nesse caso, não são apenas as qualidades do blog que me faz divulgá-lo. Também tenho uma dívida antiga com o Ruy Barboza - velho amigo de meu pai.

Explico-me.

O Ruy é um desses sujeitos que encarnam a simpatia na terra. Tem um sorriso farto, bonachão, um tipo desses meio Chico Buarque, que, como ele mesmo diz, não cabe botar defeito.

Até aí, nada de novo. Estes tipos existem mesmo, nos ajudam até a exercitar nossa modéstia, a decifrar nossa pequenez, a enfiar a viola no saco e, se bom senso houver, manter nossas mulheres a uma distância segura.

O que de fato me chamou atenção na história do Ruy Barboza foi a sua decisão de, a uma certa altura da vida, deixar de ser simpático. Cortou a barba, trocou de profissão e pendurou o sorriso.

Ele não faz a menor idéia, mas aquilo constituiu um marco na construção da minha passagem para a vida adulta. Em plena adolescência, eu, que me degladiava com uma timidez inata, um sorriso - quando muito - amarelo, uma barba esquálida, me senti aliviado pela sabedoria do ex-simpático Ruy.

Era isso! Quem disse que devo ser simpático? Por que pautar a vida por este jogo narcísico? Por que entregar aos outros a chave da minha existência?

Enfim, embora sequer tivesse ido com o milho, me regozijei logo com a pamonha. Tomando emprestado o álibi do Ruy - que naquele tempo me soava revolucionário e libertário - abdiquei do sorriso, das fanfarronices sociais, das concessões desnecessárias e resolvi ser seco, direto e sem sal.

Obviamente, quebrei a cara - quanto mais por que soube que o Ruy Barbosa voltou à sua natureza simpática, deixou os devaneios de lado e hoje sorri bonachão, inclusive pela internet.

PS: como aperitivo, um microconto excepcional do sujeito:

INTERESSES
Acorrentado prometeu, implorou por ajuda.
Abutre:
- Corrente dura, fígado macio.

zé do Caroço

Êta samba bom. Criação da grande Leci Brandão, entoado pelo Seu Jorge, que junto ao falecido João Nogueira, considero das melhores vozes para o ofício de sambista.

23.6.09

imiscuir-se pela brasiliana



Há uma semana, roda na internet a "Brasiliana-USP", uma extraordinária coleção de livros, folhetos, periódicos, manuscritos, mapas e imagens sobre a história e a cultura do Brasil - em breve (provavelmente 2010), o acervo físico estará disponível em um belo prédio (veja desenho acima), localizado ao lado da FFLCH na USP.

O ponto de partida é o acervo doado em 2006 pelo industrial e bibliógrafo José Mindlin. Entre as preciosidades reunidas por ele, ao longo de uma vida de obstinado rato de biblioteca, estão: uma das mais completas coleções de obras dos séculos 16 ao 19 escritas por viajantes do interior do Brasil; o mais completo acervo sobre o período de domínio holandês no Brasil; coleções raríssimas de revistas científicas dos séculos 19 e 20; primeiras edições de diversas obras dos principais autores da literatura brasileira; coleções completas de diversos jornais do começo do século 20; mapas; gravuras e outras cositas saborosas - na versão digital e sem mofo.

Mas a Brasiliana é mais do que um acervo digital de obras raras. Constitui uma importante iniciativa de democratização da cultura, comprometida com acesso gratuito e software livre.

Embora a versão disponível (1.0) seja a de testes e a maior parte do acervo ainda não esteja digitalizada, a Brasiliana já é um marco na digitalização de bibliotecas no Brasil. Com as tecnologias que serão incorporadas ao projeto, será possível realizar análises das estruturas (gramaticais, lexicais, semânticas) dos textos, permitindo que se viaje através da história dos textos e das palavras.

E.T.: a "Brasiliana" é uma iniciativa que teve como mentor, de alma bandeirante, o Prof. István Jancsó, profundo conhecedor da História do Estado no Brasil e que reúne uma equipe multidisciplinar, com profissionais de diferentes institutos e faculdades da USP, dentre os quais minha companheira Maria Clara.

17.6.09

efeito ameriquinha


Diz-se por aí que, na disputa pelo governo paulista, Lula prefere um candidato da base aliada a um petista. E, na minha modesta opinião, nosso presidente, puta velha em assuntos políticos, está corretíssimo.

O eleitorado paulista, dos mais conservadores do país, vive uma história de Fla-Flu (tucanos x petistas) que a cada nova eleição só faz cristalizar. Não é exagero dizer que, desde a eleição de Franco Montoro, em 1982, quando uma ampla frente de centro-esquerda se impôs aos malfeitores da ditadura, as eleições para governador do estado de São Paulo se reduzem a esforços para cavar ainda mais fundas as trincheiras de cada banda. Além de tedioso, esse remi-remi político se manifesta como uma longa jornada de desmantelamento dos serviços públicos ofertados pelo estado paulista - veja-se, por exemplo, os péssimos indicadores da educação, da saúde ou da segurança pública, quando comparados com outros estados da federação, cujas potencialidades econômicas e níveis de renda são sensivelmente menores.

Portanto, parece bastante lúcida a estratégia de tentar lançar uma candidatura que se apresente como alternativa a tucanos e petistas, confundindo a guerra de trincheiras que nos empata a vida. Aos poucos, a idéia que a princípio indignou caciques do PT, vai soando como viável e astuta. O próprio ex-deputado Zé Dirceu, escreveu ontem em seu blog: O momento é de buscar alianças e alternativas, seja uma candidatura única em coalizão com o PSB-PDT-PC do B, seja duas ou três candidaturas do nosso campo (oposicionista no Estado). Não devemos descartar nada. Nem a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), nem a do Dr. Helio, prefeito de Campinas.

É o momento de jogar as fichas em um candidato outsider, que não esteja identificado com os dois campos políticos tradicionais do estado. É hora de lançar mão do efeito Ameriquinha, time do Rio que, assim como a Lusa em SP, conta com a simpatia de flamenguistas e tricolores, ou, respectivamente, de corinthianos e palmeireses. Se o objetivo maior é a eleição da Ministra Dilma, nada como um aliado, no principal colégio eleitoral do país, capaz de sensibilizar também a encruada e conservadora massa de eleitores anti-petistas que há décadas faz a alegria do principado tucano.

E, cá entre nós, considerando alguns dos "nomes fortes" na disputa pela candidatura petista ao governo do estado - como o do neoliberal Palocci, que luta de cara lavada na trincheira errada - não tem cabimento apelar para argumentos ideológicos ou falar de chapa puro-sangue.


PS: este blogueiro, embora eleitor do corinthiano Lula e afeito às metáforas futebolísticas, lamenta profundamente os episódios ludopédicos desta fatídica noite de quarta-feira, 17 de junho de 2009.