6.9.09

mais escaninho que pífano


Meus caros, por conta de uma nova jornada em que acabo de embarcar, pretendo mudar um pouco o espírito deste blog. Acontece que há quatro semanas estou participando de um seminário de estudos sobre Keynes e Marx (nesta precisa ordem) que deverá se estender por dois anos. Como o tema é dos mais interessantes e a pauta extensa, sei que não terei fogo suficiente para as divagações que até agora moviam esse blog.
Ante o impasse, a saída que encontrei foi trazer pra dentro do blog - ou pra fora das quatro linhas - algumas das reflexões que estiverem rolando nas sessões (sempre às quartas feiras) do Seminário. Mato com isto dois coelhos: continuo soprando a chama do blog e ainda me arrisco a fazer uma experiência que há tempos me tentava, mas para a qual faltava o mote. Me refiro à possibilidade - aberta com a internet - de contribuir, ainda que muito modestamente, para que mais gente tenha acesso às boas e raras reflexões que acontecem em alguns rincões das universidades brasileiras.

É verdade que os temas econômicos não têm o mesmo apelo que os temas de literatura, que fervilham pelos Clubes de Leituras espalhados na blogsfera. Porém, não custa tentar. Na pior das hipóteses, me ajudará a botar as idéias no lugar e quem sabe divulgar um roteiro de estudos para alguém que se interesse pelo assunto, mas que pelas circunstâncias da vida não pode estar em um seminário como esse.

Dito isso, algumas questões de ordem:

1º) Os posts relacionados ao seminário serão arquivados sob o tema "Seminários do IPECH".

2º) IPECH significa "Instituto de Pesquisas e Estudos em Ciências Humanas", instituição vinculada à Fundação FACAMP, que tem na sua direção os Professores João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.

3º) O que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade. Não tenho procuração de ninguém, nem represento ou falo pelos professores que coordenam ou participam do Seminário.

4º) Tentarei publicar um post semanal tratando da sessão da quarta-feira anterior. Poderá ser na quinta, na sexta, mas certamente deverá estar no ar durante o fim de semana. É claro que a sisudez poderá ser intercalada por posts sobre outros assuntos, afinal, o Palestra estará sempre nas cabeças, os mídia-ligeira permanecerão babando contra o Lula (dá-lhe Pré-Sal), e sempre haverá um filme bom ou um boteco inesperado a ser compartilhado.

5º e último) Do que trata o seminário: os professores Belluzzo e João Manuel (idealizadores do seminário) propõem a leitura de Keynes e Marx fugindo à tentação de enquadrá-los a modelos formais ou de retirar deles leis gerais que aplaquem nossa ansiedade de compreensão e quiçá "solução" do capitalismo. Não se pretende, portanto, buscar qualquer trajetória mecânica, endógena, que nos conduzirá a uma sociabilidade melhor. No limite, trata-se apenas de encontrar a partir de Keynes e de um tanto de Marx uma perspectiva que coloque a ação política - provavelmente o Estado - como possibilidade de transcendência desta sociedade alienada pelo trabalho, pelo consumo ou pelo amor ao dinheiro.

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As primeiras sessões:

Durante esse mês de agosto, partimos da leitura de alguns textos de Keynes (As consequências econômicas da paz - 1919; O fim do Laissez Faire - 1926; As possibilidades econômicas de nossos netos - 1930; Minhas primeiras crenças - 1938), buscando entender melhor quais as influências filosóficas, culturais e institucionais que contribuíram na formação de Keynes - não apenas o economista, mas também o pensador "inconformista" e o pragmático funcionário do alto escalão do governo inglês.

Da leitura destes artigos, destaco os seguintes pontos:

1) Keynes tinha uma impressionante capacidade de entender o seu próprio tempo. No texto de 1919, em que ele explica os motivos que o levaram a abandonar a equipe inglesa nas negociações de paz, ao termino da primeira guerra, ele expressa com clarividência as preocupações com o futuro da Europa, antevendo fenômenos disruptivos a partir da Alemanha. Impressiona também a segurança que tinha para enxergar as determinações das variáveis econômicas num mundo que havia destruído as pontes com o passado (o padrão ouro, a hegemonia inglesa) e que ainda nada tinha colocado no lugar.

2) Em " O fim do Laissez Faire", Keynes já àquela época manifesta a fragilidade e a impotência da abordagem econômica tradicional - dita neoclássica - que via na economia de mercado e no individualismo utilitário a rationale capaz de equacionar o problema econômico ou de harmonizar interesses privados a objetivos sociais. Nesse texto, primoroso na desconstrução do castelo neoclássico, cuja arquitetura ele revela ser mais dos filósofos e divulgadores do que dos economistas, Keynes parece ter sido pego pela história. Ao considerar o laissez-faire como letra morta, Keynes talvez não tenha sido visionário o suficiente para imaginar a ressurreição do liberalismo no último quarto do século 20. Mrs Thatcher, Reagan, FHC e companhia não eram personagens críveis no futuro concebido pelo economista inglês.

3) Já a leitura, em paralelo, dos textos de 1930 e de 1938 traz à luz os pilares fundamentais do pensamento de Keynes. Por um lado, quando trata das "posibilidades econômicas de nossos netos" (escrito em 30), tentando imaginar o que seria deste mundo no início do século 21 (hoje!), Keynes demonstra seu otimismo com a dinâmica do capital, cuja força criadora seria capaz de reduzir dramaticamente o tempo dedicado ao trabalho, o fardo do labor, abrindo a porta para assuntos que deveriam ser os objetos primeiros da vida humana: a estética, o amor, a fruição do presente, "os fins acima dos meios". Olhando para os duzentos anos pretéritos do capitalismo e sua impressionante capacidade de acumulação (isto é, o crescente aumento da produtividade), Keynes conclui com sensatez que o "problema econômico", com o qual nos ocupamos desde que saímos do pântano, "não constitui o problema permanente da raça humana..." "pela primeira vez o homem enfrentará o seu problema real e permanente - como empregar a liberdade..., como ocupar o lazer que a ciência e o juro composto lhe terão conquistado, para viver bem, sabia e agradavelmente."

E, de fato, pelo menos no que se refere a atual capacidade de produção, as previsões de Keynes sem dúvida se fizeram cumprir. O dito "problema econômico", a secular luta pela produção escassa, que tanto aflige os economistas (de ortodoxos a marxistas), não é mais um problema real, mas apenas um mote da política e da moral de nossos dias. Superamos a escassez! Se vivemos ainda uma luta pela apropriação do produto, é porque ainda não aprendemos a viver e pensar este novo mundo.

E com boa dose de ironia, Keynes reserva o último parágrafo do texto para enquadrar os economistas nessa nova era que vislumbrava:

"...não nos permitamos superestimar a importância do problema econômico... Esse problema deve ser atribuído a especialistas - da mesma forma que a odontologia. Se os economistas pudessem dar um jeito de serem considerados como pessoas humildes e competentes, num mesmo nível que os dentistas, seria excelente!"

Por outro lado, como contraponto a esse texto de tom mais otimista, em que sugere a gradativa liberação do homem em relação aos problemas materiais, da sobrevivência, a leitura de "Minhas primeiras crenças", de 1938 é bastante interessante, pois nele Keynes busca refletir sobre outros desafios, certamente ainda maiores, de nossa contemporaneidade.

Recuperando a experiência e as leituras que fazia junto com o grupo de "Blummsbury", ele resgata a importância da Filosofia Moral, em especial a partir de G.E. Moore, na construção de uma vertente de indiviualismo radical que permitiu a ele e seu grupo passarem quase ilesos por dois poderosos campos magnéticos do pensamento ocidental do século 20: o socialismo marxista e o utilitarismo de Bentham e dos economistas neoclássicos. Descartando a moral vigente à época - seja a burguesa, seja a solidária, de matriz religiosa e socialista - o que inspirava aquele grupo era a radical defesa da moral "interna", que deveria fazer o sujeito agir, não de acordo com a utilidade/resultado (individual ou social) das suas ações, mas sim de acordo com as suas demandas ou aspirações imediatas, levando em conta apenas e tão somente o absoluto compromisso daquele ato com suas crenças e desejos mais profundos (uma "religião pagã").

É importante notar que esta filosofia um tanto radical que emanava de Moore e fazia a cabeça da rapaziada em Cambridge, era matizada em Keynes, no sentido de servir de pano de fundo para a concepção de uma sociedade melhor (ideal?) e não um código de conduta individual. Aliás, ao final do texto, Keynes lamenta que a experiência de Blummsbury, apesar do êxito de resistir a outras influências apaixonadas daquele tempo, não tenha sido capaz de encaminhar uma discussão mais vigorosa sobre a sociedade, ficando restrita à dimensão do indivíduo - o que afinal, certamente ele sabia, seria uma contradição com as próprias motivações daquele grupo.

Paro por aqui, pois neste dia 10 teremos mais uma sessão dedicada a esse texto de Keynes. Portanto, volto a ele no próximo post.

3 comentários:

  1. Fala Manzano!
    Olha só a ironia, fui procurar por "minhas primeiras crenças" e "keynes" no google e caí no seu blog!
    Um abraço,
    Chico

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  2. Olá Marcelo!
    Que maravilhosa iniciativa! Estarei por aqui compartilhando, por tabela, desse manacial de conhecimento que deve surgir desses seminários.
    Fôlego nas leituras!!
    Abraços,
    Ana Cristina

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  3. Desde mis BLOGS:

    --- HORAS ROTAS ---

    y

    --- AULA DE PAZ ----

    quiero presentarme

    en esta nueva apertura

    del eminente otoño.

    TE SIGO----O PIFANO E O ESCANINHO----

    Tiempo que aprovecho

    ahora para desear

    un feliz reingreso en

    la actividad diaria.

    Así como INVITAROS

    a mis BLOGS:

    --- HORAS ROTAS ---

    y

    --- AULA DE PAZ ----

    con el deseo de que

    estos sean del agrado

    personal.

    Momentos para compartir

    con un fuerte abrazo de

    emociones, imaginación y

    paz. Abiertos a la comunicación

    siempre.


    afectuosamente :
    MARCELO MANZANO





    jose

    ramon…

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