27.4.10

fiscalismo desenvolvimentista?

Em entrevista à Agência Reuters, uma fonte anônima, citada como sendo um assessor muito próximo do candidato Serra, dá as primeiras pistas de como seria a política econômica caso o tucano vença as eleições de outubro.

Confira a matéria aqui.


Pontos preocupantes:

1) Obsessão com o ajuste fiscal - sempre sob o argumento questionável de que as despesas com custeio do governo federal estão excessivamente altas.

A esse respeito, vale a leitura da Coluna do Nassif de hoje, comentando um estudo do IBRE/FGV que aponta para a falácia da disjuntiva Custeio-Investimento. Apenas para citar um ponto relevante, o chamado "custeio restrito" (aquele que corresponde a despesas efetivamente da máquina pública) caiu de 2,1% para 1,8% do PIB entre os anos de 1999 e 2009;

2) Crítica ao BNDES por financiar processos de consolidação patrimonial. A proposta alternativa seria a de concentrar os recursos do banco nas operações de financiamento de novos empreendimentos.

Ou seja, a estratégia de fomentar a criação de grandes grupos nacionais, capazes de atuar como players globais, é tida como indesejável ou desnecessária;

3) Crítica ao papel dos demais bancos públicos que, supostamente, estariam aquecendo a demanda para além do necessário, induzindo à manutenção da taxa básica de juros em patamares muito altos;

4) Defesa dos superávits primários elevados, associada à crítica da política fiscal "excessivamente frouxa" executada no período de crise.

No conjunto, o receituário não me parece lá muito alvissareiro, quanto mais para um candidato que carrega a flâmula do desenvolvimentismo.

PS: se tivesse que apostar na identidade secreta da fonte, jogaria todas as fixas no nome de José Roberto Affonso.

24.4.10

do destempero lúcido

Tal como vaticinado, Ciro Gomes puxou o gatilho, disparando aos quatro ventos sua irrequieta metralhadora. Por seu pavio curto, a cada ano que passa, vai se tornando um candidato menos viável. Contudo, se a quilometragem não lhe deu temperança necessária para maiores vôos, parece ter-lhe servido para apurar sua qualidade de interprete da política do país. Na sua explosão verbal da última sexta-feira, não foi diferente.
De fato, o que disse da Dilma e do Serra sintetiza bem o que provavelmente passa pela cabeça de muitos que se dedicam a decifrar a atual conjuntura política: por um lado, a Dilma, gerente competente, com uma boa visão de país, experimentada no ofício de articular e dimensionar o setor estatal brasileiro tal qual necessário a um desenvolvimento de maior fôlego, é, contudo, frágil e inexperiente na arte da política. Serra, por outro lado, mais tarimbado, jogador impetuoso da política, de alma desenvolvimentista - ainda a se revelar - peca por ter se aninhado no colo de uma elite cosmopolita e conservadora que muito pouco compromisso tem com a nação.

O que esperar então da peleja que definirá os rumos do país nos próximos anos?

Se estiver correto o instinto do analista Ciro Gomes, de um certo ponto de vista - digamos, progressista - pode-se dizer que a parada já está ganha. Não há, na prática, um candidato da direita, sequer um representante dos rincões patrimonialista, sequer um das franjas neoliberais. Mesmo numa eventual vitória de Serra, é bastante plausível a hipótese de um chapéu na trupe conservadora que lhe sustenta.

Nesses termos, portanto, a eleição que se aproxima tem a dita "polarização" apenas como fachada. Os dois candidatos em muito se assemelham. Noves fora, deveremos apostar apenas e tão somente naquele que carrega a dúvida que menos nos angustia: Serra chutará os seus para governar como o diabo gosta? E Dilma, saberá domar a tigrada a partir no dia em que o tio Lula sair de cena? Suspeito que nada mais do que isso estará em jogo na campanha que seguirá até outubro.      

20.4.10

o timoneiro enrustido

É verdade que o candidato José Serra, dentro do PSDB, foi sempre um dissidente, mais desenvolvimentista e menos liberal que seus pares de partido. Isso, contudo, não me parece um argumento forte o suficiente para qualificá-lo como um estadista em condições de colocar o país numa trajetória de desenvolvimento mais robusta e duradoura. Sua trajetória como executivo nos diferentes cargos que ocupou em sucessivos governos tucanos não sugere que seja ele um desenvolvimentista enrustido esperando a sua hora para agir.

Quando esteve no Ministério do Planejamento, fez declarações enfáticas ante as insanidades macroeconômicas promovidas pelo malanismo, escreveu para os seus alertando sobre as bobagens que se dizia sobre os "déficitis gêmeos", mas continuou firme no cargo de Ministro de Planejamento num governo que, por essas e outras, fez grande estrago à nossa estrutura produtiva, privatizou, aprofundou o sucateamento do Estado e ainda fez explodir nossa dívida pública.

É verdade que, astuto que é, Serra saltou a tempo para o Ministério da Saúde, onde desempenhou talvez o papel que mais frutos lhe deu. Contudo, basta conversar com os sanitaristas mais experientes, membros do "Partido do SUS", para saber que boa parte dos louros colhidos por Serra resultaram de políticas gestadas por seus antecessores. A Saúde da Família, os Genéricos, a quebra das patentes foram projetos oriundos das competentes equipes montadas por Jamil Hadad (Governo Itamar) e de Henrrique Santana (Governo FHC) que antecederam Serra no MS. É claro que ele foi competente o suficiente para dar continuidade a esses programas, manteve o bom time que ocupava as áreas técnicas do MS e soube cacarejar como bem deve fazer um político que se preze.

Mais tarde, como prefeito de São Paulo, diria que Serra fez uma administração mediocre, que não deixou marcas e que se notabilizou por desmontar o que havia sido iniciado na gestão Marta. O tratamento dado aos CEUs é um exemplo notório, mas não o único.

Por fim, no governo do Estado de São Paulo, botou um xerife fiscalista na fazenda, fez pose de desenvolvimentista, mas na prática, manteve os investimentos nos mesmos níveis medíocres que os do governo federal, a despeito de ter ampliado a arrecadação e ter constrangido as despesas correntes às custas dos salários do funcionalismo estadual (veja aqui post anterior comparando as taxas de investimento)

Alguns dirão, e o Rodoanel? E a terceira pista da Marginal? Ora, o Rodoanel é um projeto que está em execução a 16 anos, desde que Mario Covas assumiu o governo em 1994, assim como o metrô ou as vias marginais na Anhanguera  são obras que se arrastam pelos governos tucanos, todos fiscalistas de carteirinha.

Mas, aos que ainda assim enxergam em Serra o timoneiro do desenvolvimentismo, sugiro a leitura de matéria do jornal Valor de hoje, onde são pinçadas algumas considerações econômicas feitas por Serra em seu discurso em Minas. Pretende rever o papel do BNDES e dá sinais de que seu homem para o Ministério da Fazenda seria o pitbull fiscalista e Secretário de Estado, Mauro Ricado.

14.4.10

sobre a natureza das crises

Ainda na toada do Prof. Belluzzo, avançamos hoje pelo tema das crises financeiras em Marx.

Como o assunto é parrudo, vamos por pontos:

1) não há em "O Capital" nada explicito sobre a "crise final" do capitalismo. Há sim, a identificação de que, pelas contradições da própria dinâmica capitalista, o sistema tende recorrentemente a crises de superacumulação.

2) o conceito de crise de superacumulação não deve ser confundido com o de crise de subconsumo. Nos termos do próprio Marx, o subconsumo é uma constante estrutural do regime capitalista. Já a superacumulação decorre da tendência do capital de, por um lado, promover a constante ampliação de mais-valia e, por outro, produzir uma ampliação sistemática da composição orgânica do capital (i.é: amplia-se crescentemente a participação do capital fixo em relação ao capital variável) que, no limite, torna o capital abundante - note-se, abundante em relação às taxas de retorno vigentes na economia, não em relação ao capital variável. Com isso, ocorre uma desvalorização relativa do estoque de capital que termina interrompendo a dinâmica de reprodução capitalista.

3) Instaurada a crise de superacumulção, emerge o conflito entre diferentes parcelas do capital, em um processo que só se encerra quando parte do capital abundante é destruído para dar novo fôlego ao sistema.

4) À medida em que se desenvolvem o sistema de crédito e órgãos de "inteligência coletiva" com a missão de gerenciar o sistema financeiro (como são hoje os Bancos Centrais) cria-se uma instância de socialização das decisões de investimento que, no entanto, só age como tal, quando a crise já está em curso e faz-se necessário uma intervenção que permita que o processo de redução do estoque de capital se dê da forma menos deletéria possível.

5) É precisamente essa arquitetura produzida pelas próprias contradições do capital que instaura a possibilidade de socialização das decisões de investimento e que, no limite, abre a possibilidade para um novo regime. Porém, históricamente, o capital não ousa avançar sobre esse limite.

6) A chave do problema não está, portanto, na órbita da distribuição ou na questão da propriedade privada. O ponto crucial  é retirar da esfera privada as decisões de investimento. À medida em que o capitalismo avança, os instrumentos de socialização daquelas decisões também se desenvolvem, abrindo a possibilidade -ao menos teórica - de se pensar em um regime em que se possa manejar o estoque de capital de acordo com as demandas do conjunto da sociedade, eliminando o componente caótico e disruptivo que decorre das decisões privadas de investimento.

Pra encerrar, um comentário interessante do Belluzzo sobre a dinâmica contraditória do capital:

A idéia de "contradição em processo" refere-se ao fato de que o capital, ao rumar para o absoluto (que entendo ser, por um lado, a plena eliminação da concorrência intercapitalista e, por outro, a total independência em relação ao trabalho vivo), conduz o regime invariavelmente a crises de superacumulação que lhe revelam o seu caráter relativo e histórico.

8.4.10

em suma, o capital

Sereno, conduzindo a bola a passos largos e trocando passes precisos - sim, leitor, como fazia o maestro Ademir da Guia - o professor Belluzzo protagonizou na noite de ontem mais um excelente seminário sobre "O Capital" de Marx.

Partiu do debate sobre a relação entre capital produtivo e capital financeiro (ou taxa de lucro e taxa de juros), que compõe o Livro III, e que tanta confusão provoca.

De cara, uma observação fundamental: a forma de reprodução do capital a juros (D-D'), antes de representar uma anomalia ou uma hipertrofia do processo de acumulação capitalista, é a expressão suprema de seu aperfeiçoamento. Diz o Belluzzo: "é como capital a juros que o capital se aproxima de seu conceito"

Portanto, ao contrário do que advogam muitos interpretes do capitalismo atual, entre o capital produtivo e o capital financeiro há uma evidente relação funcional, em que o primeiro se subordina ao segundo. Assim, não cabe reduzir a acumulação financeira a uma função de mediação entre fundos de crédito a alimentar a acumulação produtiva. Ao contrário, é a expectativa de rendimentos da esfera financeira (por isso capital fictício) que viabiliza as inversões produtivas e, em última instância, a taxa de lucro.Nesse sentido, o conceito de "financeirização", empregado para caracterizar o capitalismo das últimas três décadas, deve ser entendido apenas como atinente ao fato de que se verifica uma crescente amplificação da diferença funcional entre o capital a juros e o capital produtivo.

Ora, isto posto, cabe refletir sobre quais as bases materiais de tal processo de acumulação. Se a taxa de juros é determinada pela expectativa de renda descontada do futuro ao valor presente e se é essa, em última instância, que determina o volume de inversões produtivas, e portanto, a taxa de lucro presente, pode-se dizer que, quanto mais avança o capitalismo em seus aspectos financeiros, mais o capital se despreende de suas bases materiais. Dito de outra forma, se é o capital fictício que conduz a economia e se esse se orienta por uma relação especular (especulativa) quanto ao futuro (por isso fictício para Marx e radicalmente incerto para Keynes), podemos dizer que à medida que se desenvolve, o capital de desmaterializa.  Ou seja, tendencialmente o capital se desvincula do presente, de significados ex-ante, vira um espectro de sí mesmo e -como bem complementou o colega Renato -se aproxima do puro movimento/processo. Um símbolo abstrato da qualidade de não ter sentido, o fetiche em torno de substâncias em eterna e radical mutação, a cristalização abstrata do efêmero.

É mole?

- Interrompidos a tempo de fazer uma última refeição, deixamos o que resta (...) do debate para uma próxima.