30.1.09

uma boa análise da ousada macroeconomia argentina



Desde quando bateu o fundo do poço em 2003 e elegeu para a presidência um desconhecido governador patagônico, a Argentina tem trilhado uma ousada e exitosa política econômica, cujas premissas "demodê" são o interesse nacional e a retomada da autonomia sobre as políticas macroeconômica (fiscal, cambial e monetária)
Por aqui, lamentavelmente, o que nos traz a imprensa são os cacuetes peronistas do casal Kirshner, que supostamente caminham por um populismo desenvolvimentista retrograda e cucaracha - sabemos bem que nossa imprensa prefere o frescor cosmopolita da Casa das Garças e de seus economistas planilheiros, arautos do fim do Estado-nação e da bem-aventurada liberdade de movimentação dos capitais.

Pois bem, como são raras as vozes divergentes e esclarecidas sobre o assunto, reproduzo abaixo o artigo do economista Paulo Gala (FGV) com uma acurada análise da trajetória da economia argentina nas últimas duas décadas. Lamento apenas não ter conseguido reproduzir a tabela (mencionada no texto).

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O Modelo Argentino

Paulo Gala
Valor Econômico, 30/01/2009.

A Argentina é hoje na América Latina o país que pratica o modelo macroeconômico mais próximo do chinês. A estratégia de câmbio competitivo, juro real baixo e superávits fiscais tem gerado resultados muito positivos do ponto de vista de crescimento e dinâmica de dívida interna e externa, apesar dos conhecidos problemas com a inflação. A tabela abaixo mostra um resumo dos resultados macro do país desde os anos 90. O primeiro período foi marcado pelo plano de conversibilidade e busca da estabilização de preços e teve como consequência uma grande sobrevalorização do peso que acabou resultando na crise argentina de 2002. O segundo caracteriza-se pela tentativa de recuperação do crescimento e níveis de emprego no país, através da manutenção da taxa de câmbio real num nível competitivo e fomento de poupança interna e investimento.

No primeiro período, que vai de 1993 a 2001, observa-se que a estratégia de crescimento com poupança externa, câmbio sobrevalorizado e taxas de juros elevadas acabou por produzir um baixíssimo nível de poupança interna (14,7) e uma forte dependência de poupança externa para financiar gastos públicos e consumo interno. A taxa de investimento permaneceu baixa na casa dos 18%. O segundo período foi marcado por um enorme aumento da poupança interna de 14,7% do PIB para 24%. O investimento aumentou em dois pontos percentuais e a poupança pública passou a 3,6% do PIB. A poupança externa se tornou negativa, ou seja, a Argentina passou a trabalhar com superávits em conta corrente para reduzir sua dívida externa. Como explicar tal mudança?

A meu ver uma das principais explicações encontra-se na alteração do regime macroeconômico. A mudança para um padrão de câmbio competitivo que estimula exportações e produção doméstica teve como conseqüência o aumento da renda e lucros que são a principal fonte de poupança interna. A utilização da capacidade instalada ociosa e o aumento do emprego e da produtividade decorrentes do aumento da demanda por exportações e investimento geraram produção e renda capazes de estimular a poupança doméstica. Com uma taxa média de crescimento próxima a 8% entre 2003 e 2008, o regime macro da Argentina do segundo período privilegiou o crescimento da renda interna em detrimento do endividamento externo, que foi a base do modelo nos anos 1993-2001. É certo também que logo na entrada do plano de conversibilidade houve crescimento forte, mas depois de 1994 as taxas passaram a ser baixas e instáveis, devido ao modelo de inserção financeira escolhido pelo país.

Muitos países passaram pelo mesmo tipo de dinâmica na Ásia e América Latina nos anos 90, com destaque para o Brasil. China e Índia foram provavelmente os que menos sofreram já que tiveram uma inserção diferenciada como agora faz a Argentina. Alguns economistas tem argumentado que o modelo chinês não poderia ser implementado no Brasil ou América Latina devido aos baixos níveis de poupança doméstica. Assumem que os altos níveis de poupança interna e superávits em conta corrente são decorrência da baixa propensão individual a consumir dos chineses e não de um resultado do arranjo macroeconômico do país com câmbio competitivo e juros baixos. O caso argentino é interessante pois mostra que é possível sim aumentar a poupança doméstica na América Latina. Basta que o regime macroeconômico seja adequado.

No caso latino-americano, e especialmente no argentino, as sucessivas crises cambiais dos últimos anos podem ser explicadas pelas tentativas de crescimento puxado pelo consumo e excessiva utilização de poupança externa. Sobrevalorizações do câmbio real e salários artificialmente elevados resultam numa "insuficiência" de poupança interna e déficit em conta corrente, sendo a Argentina dos anos 90 um exemplo paradigmático. Como mostram os dados da tabela, o problema da "insuficiência de poupança" da Argentina estava na sobrevalorização cambial e não em supostos hábitos de consumo.
O Modelo Argentino

É certo que o aumento no preço de commodities e a aceleração da economia mundial contribuíram muito para o desempenho recente argentino. Mas não podemos nos esquecer que muitos outros países passaram pelo mesmo período apresentando resultados piores em termos de crescimento, contas públicas e externas, como foi o caso brasileiro. Ou seja, a política macro doméstica faz a diferença como bem aponta o caso argentino. Quanto ao problema da inflação, que de fato é muito relevante, o erro argentino repousa principalmente no manejo da política fiscal. Ao praticar um câmbio real muito competitivo e uma taxa de juros real baixa, toda a responsabilidade sobre o controle da inflação recai sobre a política fiscal. Para manter os preços sob controle o governo argentino deveria ter praticado um superávit fiscal muito maior e não tentar "controlar" a inflação pela via da maquiagem de índices.

Para concluir, vale mencionar uma possível lição positiva do caso argentino para o Brasil. Ao contrário do que pensam muitos economistas brasileiros, a poupança interna não é uma variável exógena, que independe da política econômica. Uma política macroeconômica adequada é capaz de estimular a formação de poupança interna, evitando dinâmicas de endividamento e crise no setor público e externo. A Argentina sofrerá certamente com a crise, especialmente por conta de sua dependência de preços elevados de commodities e de exportações de manufaturados para o Brasil. Mas sua opção de integração financeira mais autônoma na economia mundial ajudará a atenuar os efeitos financeiros da crise. Os superávits em conta corrente e a melhora das contas públicas ajudarão a amortecer o que vem pela frente. Ao contrário do Brasil e leste europeu que já vinham operando com déficits em conta corrente, o comportamento argentino se aproximará mais dos asiáticos que preservaram seus superávits externos nos últimos anos.

Paulo Gala é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

27.1.09

festa no chiqueiro


Os que acompanham este blog sabem que, por dever de ofício e de ex-aluno, minha torcida era para que o Prof. Belluzzo assumisse o Banco Central do Brasil. Mas, como Seu Lula não é dado a ousadias, a nós palmeirenses resta o consolo de ter o economista ilustre como presidente do Palestra pelos próximos dois anos. Que luxo, né não?
Creio que viveremos belas giornatas.

No gramado, o time que recém estreou no Paulistão surpreendeu a todos e dá pinta de se firmar como um esquadrão azogue, formado por uma molecada rápida e habilidosa e comandada pelo vaidoso Luxemburgo em fase de recuperação da aura perdida.
Tá com cheiro de 1996, o melhor time que vi jogar.
Oxalá!

Se nada podemos contra os juros, que venham os gols, as goleadas verdes, pão e circo com galhardia.

20.1.09

trilha sonora de minha geração

Depois de longo recesso, volto ao blog animado pela música. Sempre a música...
Cada vez mais me convenço que, noves fora, só a música vale a pena.
O caso é que assisti o filme-documentário "Titãs - a vida até parece uma festa". Para quem viveu a juventude paulistana da década de oitenta, é uma ótima oportunidade para botar em dia as emoções rockeiras empoeiradas.
Mais do que qualquer outra banda, a batida dos Titãs marcou a cadência de minha adolescência à vida adulta.
Sonífera Ilha no rádio do carro, dirigindo clandestino, dava carona às amigas de minha irmã, cevando os primeiros capítulos de meu futuro casório.
Mais tarde, nas noites de Radar Tantã, rabo de galo amplificando a batida tribal de Cabeça Dinossauro, os brados de 'Polícia para quem precisa de polícia', de "Lugar Nenhum" (nenhuma pátria me pariu) - era quase tudo que um adolescente precisava para passar os dias.
Aos vinte, já torpedeado pelos anos Collor, as frustrações universitárias, a vida desregrada, as primeiras gastrites, nada como "saia de mim, pelo suor, tudo que sei de cor" ou "O pulso ainda pulsa,... o corpo ainda é pouco".
FHC, pau no Estado, neoliberalismo, era hora de chutar o balde, grunhir em vez de falar. "Titanomachina" foi o som possível.
Mas o mundo não caiu. Veio o primeiro filho, o primeiro emprego de gente, o IPTU, o cartório,...era hora de "Domingo", de "Saber Viver", de "Epitáfio", "Isso", arremedo burguês de uma geração que não foi, que chamaram de "geração X", mas que poderia ser Titã.