Na medida em
que vai decantando o processo de catarse social que ganhou as ruas do país em
junho passado, restam alguns espasmos de indignação expressos na síntese
radical da tática Black Bloc.
Afinal, quem
são esses caras?
Analistas de variadas
cepas se esforçam para encaixar “os caras” em seus esquemas de interpretação do
mundo, frequentemente reservando a eles o recanto das ovelhas negras.
Não parece
mesmo fácil decifrar essa moçada que, desde logo, não se considera sequer como
um grupo homogêneo ou um ‘movimento’, mas tão somente uma tática efêmera, uma
combustão espontânea do tal ‘sentimento difuso de indignação’.
Pois bem,
apesar de muito já ter sido dito a respeito, arrisco um tanto mais.
Tomemos
emprestado o veio aberto pelo Prof. Belluzzo em artigo recente na Carta Capital(24/06). O dito sentimento de indignação resultaria em última instância de
nossa condição de “condenados à liberdade”. Desde que em algum momento da
história remota fomos fisgados pelo ideal da transcendência libertária, lutamos
e nos acotovelamos obcecados pela miragem da autodeterminação do indivíduo, a
mãe das utopias.
Se assim for –
e acredito que seja – estamos também condenados a rechaçar toda e qualquer interpretação
de nossa realidade que carregue algum traço normativo. Tal como um adolescente
frente à autoridade, vivemos uma cruzada secular de rejeição a enredos que de
alguma forma resultem na pré-determinação de nossos atos. E é esse precisamente
o ethos que caracteriza a esquerda: a
crítica radical e a negação das certezas.
Pois é nesse
tênue e fugidio veio que navega a intuição dos Black Blocs. Filhos de uma época em que as grandes narrativas já
não afloram, de uma cultura que não tem mais tempo, de uma experiência
hedonista e utilitária, essa galera prima pelo uso de atalhos e tem pressa de
chegar ao cerne: os bancos, os símbolos do alto consumo, a polícia, a mídia, as
instituições obstruídas pela norma e pela demagogia.
Claro que não
lhes faltam acusações. Dizem alguns que são anarquistas, outros que são fascistas,
filhos de uma classe média sem norte, narcisos em busca de sentido, ou apenas
consumidores frustrados.
Não creio. Se
bem observarmos, nas manifestações desses hereges de nossa época as bandeiras
são todas “brisas certas”, como usam dizer. Apontam suas câmeras e marretas aos
nódulos desse sistema que tudo devora. E surpreendentemente, ao contrário dos
tais coxinhas ou de udenistas de esquerda que, de verde e amarelo, se misturam
aos chamamentos da rede Globo, a turba de encapuzados do Black Bloc, caótica ou acéfala, não se voltou contra as
instituições que efetivamente representam conquistas sociais, nem tampouco se
opuseram aos partidos e governos que enxergam como aliados no processo de
transcendência libertária.
Sem
postulados, destituídos de normas e cartilhas, não incorrem no erro fratricida
que desde sempre fez das facções de esquerda os maiores inimigos das facções de
esquerda.
Crítica em
estado puro, livre de pretensões iluministas ou teleológicas, a tática
Black Bloc é apenas e tão somente esquerda.Outros artigos interessantes sobre o assunto:
- Vandalismos (Pedro Serrano)
- Black Bloc é a resposta à violência policial (André Takahashi)