23.10.09

sobre o que não disse Keynes

Na sessão desta semana encerrou-se o capítulo Keynes. Com uma síntese brilhante do Prof. João Manuel - e a despeito da chapuletada que tomei - creio que encerramos estas dez sessões com uma perspectiva sensivelmente mais rica sobre o que pensava e o que motivava esse grande homem público do século XX.

Caminhando sobre um fio de navalha que, a um lado tinha o socialismo, e a outro o utilitarismo econômico, Keynes foi capaz - a um só tempo - de demolir os fundamentos da economia clássica e pregar sobre as possibilidades de transcendência no capitalismo. Com o princípio da demanda efetiva no centro da análise da dinâmica capitalista, Keynes não só destituiu de razão qualquer um que se aventure a acreditar em "forças que conduzem ao equilíbrio" como também eliminou de cena o "problema da escassez", que tanto anima bastardos de lado a lado.

Aos ortodoxos e variantes crentes da racionalidade econômica, Keynes estampou a anarquia que governa as decisões de investir como fator determinante não só das crises e da trajetória errante do capital, mas também da tibieza que, no mais das vezes, leva os capitalistas a se protegerem da incerteza refugando as inversões produtivas.

Aos que apontam o dedo na direção da guerra distributiva (por um produto supostamente escasso) Keynes lembra que, com o crédito, o capital não encontra limites e que, portanto, as possibilidades de abundância são de fato exeqüíveis e portadoras de uma possível sociedade livre do fardo do trabalho.

Evidentemente, por essas, a leitura de Keynes deixa muita gente nervosa e não são raras as vezes em que se questiona a sua obra por supostas omissões. Ele não fala de luta de classes, não avança sobre o formato ou o conteúdo do Estado capitalista, não se dedica ao problema da divisão internacional do trabalho, nem dá bola para a teoria do valor.

Mas, como bem disse o Prof. João Manuel, não cabe cobrar de Keynes ou de qualquer outro grande autor, as explicações para aquilo que ele não tratou. Os avanços teóricos e políticos derivados do pensamento de Keynes são monumentais e não tem cabimento buscar no não dito possíveis óbices ou lacunas de seu pensamento. Além disso, não devemos esquecer que Keynes não foi exatamente um acadêmico. Foi um homem público que circulava ativamente entre várias instâncias da vida: funcionário do tesouro, professor em Cambridge, fazendeiro, especulador financeiro, biógrafo, membro do blummsbury, colecionador de cartas de Newton, amante de balé, patrocinador das traduções de Freud na Inglaterra, amigo e hospedeiro de Wittgenstein.

E é certamente por conta dessa multifacetada dimensão do pensamento de Keynes que sua leitura é especialmente complexa e rica. Treinados que somos, não é fácil evitar os esquemas teóricos ou os recortes ideológicos a tentar enquadrar o fulano.

Pois que venha agora o Karl Marx. É a partir da leitura dele que seguirão as próximas sessões.
E não custa ressaltar que esse percurso, invertendo a cronologia entre os autores, é muito interessante. É como se estivéssemos buscando saber se Marx, afinal, era leitor de Keynes.


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