12.10.09
eis que: o empirismo inglês
Continuamos dedicando tempo e tutano à leitura de A Teoria Geral de Keynes. Trate-se de um privilégio poder pensar com vagar e com a ajuda de boas cabeças sobre a difícil "TG" de Keynes.
Digo difícil não só porque o livro é realmente pesado e exige um razoável domínio da teoria econômica "clássica", mas também porque ao longo de sua argumentação Keynes não explicita suas motivações, reservando apenas o capítulo final para sugerir que o mundo que resulta de sua crítica em nada parece com a tradição 'clássica'. Esta estratégia dá margem não só a ambiguidades, como essas autorizam uma leitura 'conservadora' do livro, que, em última instância, considera suas críticas apenas como uma "chamada à realidade" - incorporados alguns mecanismos de correção das disfunções pontuais no funcionamento dos mercados, o equilíbrio e a racionalidade econômica seriam restaurados, o mundo se salvaria das crises ou do equilíbrio com sub emprego e a Keynes restaria a condição de um "crítico construtivo".
Alternativamente, a tarefa que nos cabe é ler a "TG" levando em conta a visão de mundo de Keynes, não só a partir do famoso capítulo 24, mas, principalmente, seus outros escritos - alguns já mencionados em posts anteriores - e o ambiente filosófico da Inglaterra de sua época.
Neste percurso, com o auxílio do livro 'Keynes and His Batlles", do sociólogo canadense Gilles Dostaler, fica cada vez mais claro que uma das chaves fundamentais para compreender os textos de Keynes é a sua formação junto ao empirismo inglês.
E aí, meus caros, tenho descoberto o quanto passei ao largo do assunto durante minha errática vida acadêmica. Creio que por conta da forte influência francesa na constituição das universidades brasileiras, o pensamento filosófico inglês é tratado, em geral, de modo superficial e preconceituoso. No estudo das ciências humanas, tenho a impressão de que navegamos pelo materialismo ou pelo estruturalismo - e suas derivações pós-modernas - mas não me lembro de ter topado consistentemente com a matriz de pensamento inglês, seja em sala de aula, seja como objeto de estudo de algum colega.
Em economia, claro, lemos muito os economistas ingleses, mas o fazemos atentos apenas a título de conhecer a genealogia formal do mainstream econômico.
É uma pena. Me parece que as possibilidades abertas pelo empirismo inglês permitem trabalhar em ciências humanas, e talvez em especial no pensamento econômico, de maneira mais arejada, desvencilhada do peso formal dos axiomas ou das premissas que engessam a tradição 'clássica'. Como disse o Prof. Belluzzo, sob a perspectiva de Keynes o capitalismo (ou a economia) deve ser investigado em seus processos e não em seus fundamentos.
É isso! Bingo.
Espero que nas próximas sessões e com novas leituras possamos avançar nessa toada.
Obs: na imagem acima, a estátua do Almirante Nelson, herói inglês na Batalha de Waterloo.
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Eu ja andava pensando nessa associacao entre keynesianismo e o empirismo ingles. Foi coincidencia ter li este texto.
ResponderExcluirA distincao entre ortodoxia e heterodoxia gera um grande paradoxo.
Se pedir para um bixo de faculdade de economia associar ortodoxia e heterodoxia com Franca e Inglaterra, provavelmente ele vai associar ortodoxia com Inglaterra, por causa do "Estado pequeno", e heterodoxia com Franca, por causa do "Estado grande".
Mas isto eh para quem tem visao superficial da distincao entre ortodoxia e heterodoxia. Porque o que as distingue nao sao as sugestoes de politica economia, e sim o metodo cientifico. De acordo com Tony Lawson e Bresser Pereira, os ortodoxos sao matematico-dedutivos e os heterodoxos sao historico-institucionalistas. Ou seja, estes ultimos chegam as suas conclusoes atraves da observaca da historia e das instituicoes. Sao portanto empiricos.
Por serem dedutivos, os ortodoxos se aproximam mais do metodo frances de pensar. Por serem empiricos, os heterodoxos se aproximam mais do metodo ingles de pensar. Ou seja, a associacao por metodo leva a um resultado oposto se comparado a associacao por conclusao.