2.10.09

keynes e o chega-pra-lá nos "clássicos"


Ná última sessão dos Seminários do IPECH, coube ao Prof. Belluzzo tratar do tema: "Os clássicos e Keynes" - "clássicos", no caso, são os predecessores de Keynes, economistas que no fim do século XIX e início do XX constituíram as bases da ortodoxia econômica.

O mote de Belluzzo para tratar do assunto foi encontrar os pontos de ruptura de Keynes em relação àquela linhagem clássica. Numa primeira aproximação do problema, podemos dizer que Keynes bateu de frente com três dos pilares cruciais da arquitetura ortodoxa. são eles:

1) A Supremacia do Indivíduo: ao longo de sua obra, Keynes rechaça a idéia de "escolha racional" ou de "indivíduo maximizador", conceito herdado do utilitarismo e que está no cerne do suposto automatismo dos mercados e da consequente 'harmonia de interesses' (equilíbrio geral) que, em última instância, faria jus à proposição de que os mercados são capazes de fazer coincidir os benefícios privados com o bem comum. Para Keynes, este indivíduo maximizador simplismente não existe, seja porque a racionalidade instrumental/calculadora é ineficaz e insuficiente para lidar com a incerteza radical sobre a qual se apóiam as decisões econômicas - "o passado é irrevogável e o futuro incognoscível", embora a enorme maioria dos economistas insista no inverso: prescrevem sobre o futuro e se esquecem das lições da história - seja porque, ante aquela insuperável incerteza, os agentes econômicos tendem a decidir através do mimetismo, o que amplifica de maneira dramática a instabilidade do sistema e introduz na dinâmica capitalista um fator de inescapável ruptura: a negação da crise será sempre a ante-sala da crise, i.e., é porque todos acreditam estar diante de um cenários seguro que todos tomam posições sistemicamente insustentáveis e produzem a crise.
Em suma, Keynes retira o indivíduo do centro do debate econômico, indicando que a racionalidade relevante para se compreender a dinâmica econômica deve ser buscada no "comportamento social da maioria" (que se comporta como manada) e que, portanto, o bem comum deverá resultar da construção de conveções - ou de consensos - nas chamadas instituições intermediárias da sociedade (acima dos indivíduos e do mercado).

2) A Lei de Say: fundamento da economia clássica, dizia que a poupança prévia é condição para o gasto (investimento e consumo). Keynes "detona" esta relação causal, invertendo a determinação. Ou seja, é o nível de gasto (especialmente em investimentos) que criará as condições concretas para a realização da renda e, consequentemente da poupança. Esta inversão, que pode soar estranha ou contra-intuitiva para o indivíduo que gasta o que ganha, decorre dos seguintes fatores: do sistema de crédito (que autoriza o gasto antes da renda) e do fato de que será a expectativa de lucro em um futuro incerto que determinará o montante de investimento e que, portanto, sancionará (ou não, depende da aposta dos outros) a renda esperada. Esta "inversão", que para o leigo pode parecer uma tecnicalidade, é crucial para a perspectiva Keynesiana. É por conta desse recorrente risco de inadequação entre a oferta (determinada pelo volume de investimentos) e a demanda agregada que o capitalismo tende, não só a tropeçar em sucessivas crises, como a rodar com o freio de mão puxado, isto é, abaixo do pleno emprego.

3) A moeda neutra: esse é outro pilar mítico da ortodoxia, que considera o dinheiro apenas como um facilitador das trocas mercantis. Dessa perspectiva, o sistema capitalista teria como mola-mestra a produção de bens, impregnados de utilidades que satisfazem as nossas necessidades. Lembrando da supremacia do indivíduo, a idéia aqui é a de que partindo do cálculo individual e maximizador, se erigiria um mercado que seria abastecido pela produção de bens. Ora, mas como bem sabemos desde Marx, ou quando olhamos pela janela, o que move o capitalista é a possibilidade de acumulação, a imperiosa necessidade de fazer seu dinheiro gerar mais dinheiro (D-D'). Portanto, não é nada razoável construir uma teoria econômica que suponha o dinheiro apenas como um acessório mediador da dinâmica capitalista. O dinheiro é a mais importante das mercadorias, o fim último do capitalismo. Sua posse não é transitória ou instrumental, mas constitutiva e determinante dos fluxos de renda que fazem a dor e a delícia do capitalismo.

A respeito dessa centralidade do dinheiro, e lembrando da presente crise internacional, o professor Belluzzo construiu uma frase brilhante:

"Quando tudo vai bem, todas as mercadorias são dinheiro; quando tudo vai mal, o dinheiro é a única mercadoria"

Tomadas em conjunto, as fraturas promovidas pelas idéias de Keynes aos fundamentos da economia clássica são definitivas e não deveriam deixar qualquer dúvida quanto à insustentável fé nas leis de mercado ou às proposições ortodoxas. Qualquer um, minimamente aparatado e intelectualmente honesto deveria reconhecer a força dos argumentos de Keynes e a ruptura que produz no debate econômico.

Curiosamente, contudo, não só Keynes foi esterilizado pelos seus sucessores, como, o que é mais grave e impressionante, é que a teoria neoclássica, com aqueles mesmos e velhos pés-de-barro, continua fazendo a cabeça da grande maioria dos governantes e economistas ao redor do mundo.

Nota: durante a exposição, Belluzzo chamou a atenção para o fenômeno da crescente autonomia da variável consumo na determinação da renda. Com o avanço do Estado de Bem Estar Social e as inovações financeiras que permitiram transformar a riqueza das famílias em lastro para um endividamento inédito das mesmas, o consumo ganha ritmo próprio, tornando ainda mais incerto o horizonte econômico e, consequentemente, mais vulnerável a crises a dinâmica capitalista. Noutros termos, embora Keynes não tivesse considerado o consumo como uma variável autônoma - nem poderia, àquela época - seus argumentos quanto à instabilidade crônica do capitalismo são agora tão ou mais pertinentes.

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