17.8.09

gracias por el fuego


Na última mensagem que enviei ao biscoito, sugeri ao Idelber Avelar que fizesse uma seção do Clube de Leituras comparando o livro "O Estrangeiro", de Albert Camus, com o livro "Gracias por el fuego", de Mario Benedetti.

Porém, algumas horas depois, eu e uma pá de gente caiu das teclas ao saber que o Idelber cometia seu blogcidio (vide post abaixo).

E agora? Agora tento eu aqui um arremedo de clube de leitura.

O que me fez pensar na comparação entre os dois livros foi o fato de que ambas as narrativas conduzem os seus protagonistas a uma inescapável sina homicida. Atordoados pela existência, pela escassez de sentido da vida, pelo absurdo do cotidiano, caminham para um crime que parece inevitável e que em cada qual se resolve a seu modo.

Até aí, nada de novo, são muitos os enredos que percorrem toadas semelhantes, com punsões de morte surgindo a partir de um protagonista crescentemente atormentado.
Mas, no caso dos dois a que me refiro, a comparação me parece especialmente interessante (e certamente poderia ser feita entre outros personagens parecidos) justamente porque, enquanto para Ramon Bundiño (de Benedetti) o caminho para o assassinato é pavimentado pelo excesso de nexos, por uma vida encharcada de sentidos, de determinações familiares, históricas e sociais (muito se trata da história da nação uruguaia), e só a morte resta como saída, para Mersault (protagonista de O Estrangeiro), a angústia existencial que lhe autoriza o crime decorre da fragilidade dos nexos que amarram o seu cotidiano, da forma fortuita com que é empurrados para o dia de amanhã, da porosidade das circunstâncias que, a depender do sol ou do barulho, são razões para a morte tanto quanto as de Ramon.

Justamente porque não compartilham das mesmas razões (ou melhor, porque suas razões têm naturezas quase opostas) mas vivem um descolamento da existência semelhante e se encontram motivados para um mesmo fim é que o paralelo entre os dois livros me pareceu rico.

Haveria ainda outra dimensão a contrapor os dois livros - a relação do indivíduo com o seu país - mas não me atrevo a tanto, até porque lembro menos de como isso permeava a narrativa de O Estrangiro, que li já faz um bom tempo.

Mas fica aí a sugestão. A quem interessar, fazer a leitura desses dois livros e se aprofundar na análise dos dois personagens.

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