16.11.10

a hora e a vez da classe média

Ao que tudo indica, com a eleição de Dilma se encerrará um ciclo de nossa história. Provavelmente, se o mundo não atrapalhar demais, chegaremos em 2014 com uma situação social e econômica muito superior à que tínhamos em  1989, quando retomamos nossa periclitante democracia. 

Mantidas as taxas de crescimento do PIB em torno de 5% a.a., a política de reajustes reais do salário mínimo, os programas de transferência de renda, as iniciativas de estímulo à escolarização, alçaremos a um novo patamar de desenvolvimento, no qual mais da metade da população estará solidamente localizada entre os estratos médios da sociedade.

Há, portanto, fortes razões para supor que em 2014 os valores característicos da classe média deverão pautar os rumos da sociedade brasileira, direcionando a agenda política para demandas que até hoje tinham pouco eco na sociedade - é bom lembrar que, durante os oito anos de governo Lula, a classe média foi o segmento que menos se beneficiou das políticas sociais e econômicas praticadas. Enquanto ricos faturaram com juros generosos, empresários viram seu faturamento crescer e os muito pobres puderam galgar importantes degraus com o auxílio das políticas de renda, os estratos do meio quando muito se beneficiaram apenas indiretamente desses anos de prosperidade.

Transitar para essa nova agenda será um desafio político nada trivial, quanto mais para a coalizão de partidos de centro-esquerda que desde 2002 governa o país. Será preciso reconstruir o discurso, sob pena de assistirmos um recrudescimento da agenda conservadora e dos agrupamentos políticos de centro-direita.

Nessa perspectiva, alguns temas ganharão especial importância nos próximos anos. Segurança e educação, por exemplo, são assuntos para os quais a classe média reivindica crescentemente soluções da esfera pública, assim como deverão ser maiores as gritas contra a carga tributária. Como se sabe, dada a atual configuração do nosso "sistema tributário", há de fato uma maior incidência dos impostos diretos (que são aqueles para os quais se é mais sensível) sobre os assalariados de classe média. Responder, portanto, a esses clamores é requisito quase obrigatório para qualquer força política que pretenda participar da arena eleitoral nos próximos anos.

É nesse contexto que considero extremamente relevante e estratégica a idéia de alterar o modelo vigente de financiamento da nossa seguridade social (previdência, assistência social, saúde e políticas de emprego). Ou seja, é preciso encontrar uma alternativa aos encargos sociais que hoje incidem sobre a folha de pagamento das empresas e que, portanto, desestimulam a intensificação do uso de mão-de-obra.  

Circulam na praça algumas propostas para reduzir ou mesmo eliminar alguns desses encargos (contribuição para o INSS, Salário-Educação, Sistema S, etc) e, em troca, instituir um tributo sobre o faturamento das empresa que seja suficiente para manter o financiamento da seguridade nos mesmos níveis atuais. Com isso, a um só tempo, seria possível reduzir os custos trabalhistas - em especial nas pequenas e médias empresas, que respondem por 90% dos empregos no país - estimular a formalização de trabalhadores e deslocar parte do ônus da seguridade para os setores da economia que mais faturam, quais sejam: bancos e grandes empresas exportadoras de commodities que, pela sistemática atual, contribuem pouquíssimo para a seguridade social, visto que, relativamente, empregam muito pouco.

Em suma, se estaria concedendo um importante estímulo econômico às micro e pequenas empresas, bem como a diferentes categorias de profissionais liberais, que em conjunto constituem os principais pólos de condensação da ideologia de classe média no país. Numa só tacada, a desoneração da folha promoveria, pois, importantes transformações na dinâmica das empresas e do mercado de trabalho e daria à coalizão de centro-esquerda dividendos políticos sobre um segmento da sociedade que, tradicionalmente, tende a se afastar da agenda dita progressista à medida em que a economia se desenvolve e as desigualdades sociais se reduzem.  

ET: nunca é demais lembrar das experiências dos partidos sociais-democratas europeus que, com a consolidação de suas bandeiras de centro-esquerda, viram suas bases políticas bandear para o campo conservador.

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