10.11.10

G (1 + 19)

No jornal Valor Econômico de hoje, Martin Wolf e Barry Eichengreen, dois renomados especialistas em finanças internacionais, defendem a operação do Banco Central dos EUA (o FED) que pretende injetar U$ 600 bilhões na economia americana, através de diversas operações de recompra de títulos públicos em poder do mercado.

Os dois são bastante francos em suas argumentações. Entendem que os EUA se encontram à beira de uma deflação e que o desemprego  - que já é superior a 10% - poderá se ampliar nos próximos anos, na medida em que o mercado doméstico não dá sinais de recuperação. Ante tais circunstâncias, acreditam que, ao ampliar a disponibilidade de moeda em poder do público, deverá ocorrer um estímulo da demanda interna, despertando o gigante adormecido de sua letargia financeira - deveriam voltar ao Keynes e estudar o conceito de preferência pela liquidez.

Além disso, um efeito que consideram secundário, mas não desprezível, seria a consequente desvalorização do dólar frente às demais moedas, tornando as exportações dos EUA mais competitivas.

E, curiosamente, ambos concordam que a estratégia americana não é lá uma maravilha, mas sugerem que é o que melhor se pode fazer na atual conjuntura.

Será mesmo? Eichengreen diz com toda a franqueza que o melhor seria uma política fiscal expancionista (i.e., o governo ampliar seus gastos), mas lembra que, com a fragilidade política de Obahma, que depende de um congresso na mão da oposição, essa alternativa simplesmente não existe.

E até certo ponto, é verdade. A conjuntura política dos EUA é essa mesmo e sabe-se lá onde essa sanha conservadora vai desaguar. A questão, porém, é que nós - resto do mundo - não votamos nessa malta fundamentalista e, portanto, parece ainda menos legítimo impor às demais economias o custo do ajuste norte-americano. Com a torneira do FED despejando dólares, a nosotros restará duas alternativas: ou deixamos as nossas moedas se valorizar, prejudicando nossa balança comercial e, portanto, exportando empregos para os EUA, ou fazemos desvalorizações unilaterais, jogando gasolina numa guerra cambial que sabe-se lá que consequências produzirá - nos anos 30 do século passado inflamou ditaduras e uma guerra mundial.

Ou seja, estamos numa sinuca de bico - ou num catch 22, como dizem os gringos - que, se não é indicação de bons ventos, pelo menos nos serve para revelar a irracionalidade da atual arquitetura do sistema monetário internacional. O fato do dólar americano assumir a um só tempo a dupla função de  moeda nacional e internacional é a raiz do problema, transmitindo para as outras duzentas e tantas economias do planeta disfunções econômicoa que, ironicamente, brotam da singular democracia do Tio Sam. E nós, que vivemos fora do território norte-americano, seremos obrigados a abdicar de uma fatia de nossa soberania, seguindo a reboque daquela gente ensandecida.

Ciente da irracionalidade do jogo, Eichengreen que é conservador, mas não é besta, chega a dizer que, se fossem 20 ditadores na reunião do G20, ficava tudo mais fácil. He, he, he....

Devemos então nos perguntar: se a culpa é da democracia, e a democracia é um regime que se orienta a partir da vontade da maioria, como entender que caminhamos todos por uma trilha que a quase todos prejudicará?

A resposta provavelmente está no fato de que democracia e capitalismo são instituições incompatíveis. A                                          harmonia existe só nos manuais de economia, abençoados pelo ceteris paribus, e na cabeça dos crédulos. São abstrações liberais que não se resistem à concretude do violento processo de acumulação do capital.

Mas, não pretendo avançar nessa espinhosa conversa. Paro por aqui, apenas ressaltando que, por trás do falatório do G20 e da muito provável ausência de uma solução concertada, está a latente tensão entre autonomia política e liberdade de capital. É, aliás, um problema antigo, dissecado por Marx e também por Keynes, mas que a turma prefere fazer que não viu.


E.T.: considerando-se, portanto, que o buraco é muitíssimo mais embaixo, o melhor a fazer é seguir o que recomenda a a Profª Conceição Tavares em entrevista ao jornal Estado de SP. Leia aqui

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