21.11.10

hora de mexer os pauzinhos

Sabe-se que Lula tem gosto especial pela negociação e que é exímio na arte da conciliação. Escolado na vida sindical e partidária - numa época de especial eferverscência - tornou-se um craque, um Pelé do gênero, de dimensão internacional. O sucesso de seu governo, por certo, em muito se deve a essa veia do peão de São Bernardo. É preciso reconhecer, contudo, que um tanto de episódios fortuitos contribuíram decisivamente no acerto de rumo e na culminante explosão de sua popularidade.

Como um super-homem nietzschiano, para quem o veneno só o faz mais forte, o mensalão deu a Lula a oportunidade de livrar-se de armadilhas políticas e se engajar mais ativamente na construção de sua obra política. As diferenças entre seus primeiro e segundo mandatos são evidentes; só não as enxergam aqueles que desejam lourear a herança de FHC. Também a crise de 2008, ao estreitar as margens para ações conciliatórias, estimulou Lula a sair do corner e ele, mais uma vez, deu a volta por cima e descobriu-se capaz de liderar uma retomada econômica que ecoou mundo afora. Por tudo isso, tem hoje uma dimensão política admirável e terá marcado como poucos a história desse país.

Mas, seu gosto pela conciliação deixará também umas tantas feridas mal curadas. À futura Presidenta caberá desarmar consensos que perderam relevância política e que hoje representam impasses que necessariamente deverão ser enfrentados. E essa tarefa é especialmente premente no campo da macroeconomia, onde os empates, além de raros, em geral são falaciosos.

A primeira grande ferida a ser enfrentada é o câmbio. Há hoje no país um grande alvoroço sobre a valorização do real, fato que torna nossos produtos caros perante o mundo e que, por outro lado, barateia os bens importados, roubando produção, emprego e renda de nosso país. O problema, é que, segundo o consenso mercadista cristalizado como verdade científica no Brasil, não se deve ceder à tentação de desvalorizar administrativamente a nossa moeda. Defende-se que é preciso garantir o pleno funcionamento das leis de oferta e procura.

Seria lindo, não fosse o fato de que dois gigantes - EUA e China - preferem ajustar suas moedas segundo suas conveniências internas. Como são grandes o suficiente para controlar as marés, nos deixam expostos à concorrência externa e provavelmente se divertem com o falotório mercadista que reverbera em nossas paragens.

Por tudo isso, seria já suficientemente ridículo o bom-mocismo cambial brazuca. É, contudo, ainda mais enrubrecedor pelo agravante de mantermos a taxa de juros oficial do país a níveis extraordinariamente elevados. Pagamos 5% a mais do que o resto da turma e isso significa que, enquanto o mundo se encontra em tenebroso marasmo, onde faltam oportunidades para aplicação de capital, nós tocamos as trombetas remunerando os dinheiros com taxas gordas a baixíssimo risco. É claro que o resultado é uma enxurrada de dólares do mundo todo invadindo o país. E, no maravilhoso mundo das impessoais leis de mercado, dólar entrando significa valorização do real. Ou seja, menos produção, menos emprego, menos renda.

Alguém bem aventuroso haverá de lembrar, claro, que essa situação desconfortável para o país - mas não para os investidores do mercado financeiro - não decorre da omissão das autoridades econômicas, mas da necessidade de manter a estabilidade dos preços. Sustentam que para evitar a volta da inflação é importante frear a excessiva atividade econômica e que, portanto, é preciso elevar as taxas de juros, desestimulando o aquecimento da economia real.

Com esse argumento, encerra-se então o debate e todos somos obrigados a aceitar a fatalidade do câmbio valorizado. Qualquer proposta alternativa é logo refutada com a tese de que é preciso manter o tripé (cambio flutuante, superávit fiscal e autonomia do BC), que a estabilidade é uma conquista importante demais para ser ameaçada com aventuras heterodoxas e que com o tempo (gradualismo) tudo se ajustará.

Há uma carrada de argumentos contrários a essa mistificação. A começar que nas demais duzentas e tantas economias do mundo, nenhuma mantém os juros tão altos - e isso já dura 25 anos. Mas, não pretendo escrever um livro sobre o assunto. Quero apenas tratar de um único aspecto, nada heterodoxo, mas que a meu ver poderia fazer importante diferença nesse imbróglio.

Se a vaca sagrada é a inflação e por ela temos tomado rumos que são desfavoráveis para a economia do país, não caberia refletir se não há algo funcionando mal em nosso sistema de controle de inflação?

Vejamos. Vigora hoje no país o sistema de metas. O governo define um índice de inflação oficial (IPCA), estabelece uma meta de inflação a ser alcançada em 12 meses (4,5%) e uma margem de variação aceitável de 2% a mais ou a menos. Ou seja, os diretores do Banco Central devem hoje manejar os juros e outras ferramentas de tal sorte que, em novembro de 2011, a inflação medida pelo IPCA esteja entre 2,5% e 6,5%. Se a inflação está com tendência de elevação, sobe-se a taxa de juros; se a tendência é de queda, reduzem-na. Trata-se de um modelo bonitinho que, no entanto, tem se mostrado muito arisco, obrigando o BC a puxar os juros pra cima com mais frequência e intensidade do que seria desejável.

Então, o que fazer?

Ora, com alguns ajustes pontuais seria possível aperfeiçoar o nosso sistema de metas e torná-lo menos suscetível às bruscas oscilações. Nada que outros países do mundo desenvolvido já não façam e que tenha portanto sido testado e aprovado.

Uma primeira medida importante seria utilizar outro indicador, que não o IPCA, para servir de parâmetro para a meta de inflação. Ocorre que no cálculo do IPCA lava-se em conta o preço dos serviços sob concessão pública (luz, telefone, pedágio, etc) cuja variação pouco tem a ver com as oscilações da demanda e que, portanto, não deveriam ser combatidos com elevações das taxas de juros. Além disso, caberia também às autoridades do BC expurgar da medição da inflação aquelas variações de preços que decorrem de fenômenos exógenos, i. é., que não resultam de variações do nível de atividade interno. Uma guerra num país exportador de petróleo, por exemplo, costuma provocar aumento no preço da gasolina, mas esse aumento não é fruto de um sobreaquecimento da economia nacional e de nada adiantará combatê-lo com elevação dos juros.

Um outro aspecto que deveria ser aperfeiçoado na atual sistemática é diz respeito ao prazo a ser considerado para o cumprimento da meta. Os atuais 12 meses exigem uma ação muito aguda do BC, visto que o mercado leva alguns meses para reagir às alterações na taxa de juros. Como a margem de tempo é estreita, o BC tende a exagerar na dose. Tivesse um prazo de 24 meses, poderia atuar com mais vagar, numa sintonia fina, evitando os chamados overshootings que, na vida real, provocam queda no ritmo de produção, de crescimento da renda e do emprego.

Por fim, vale lembrar que agindo apenas nesses poucos e singelos parâmetros, dentro, portanto, da estrita institucionalidade ortodoxa, seria provavelmente possível navegar com juros em patamares mais civilizados. Com eles, o Brasil seria menos atrativo ao apetite dos capitais externos e, consequentemente, conseguiríamos manter a taxa de câmbio um pouco menos valorizada, ampliando exportações, reduzindo importações e, no limite, melhorando a condição econômica de cada um de nós.

E.T: a boa notícia é que 1) a banca já não está em condições de exigir muita coisa; 2) a Presidenta Dilma conhece bem esse assunto e 3) ela não parece tão afeita ao estilo conciliador que tão útil nos foi no passado.

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