27.9.10

mercado para quem precisa de mercado

Transcrevo a seguir alguns comentários que postei no blog do Nassif, sobre a entrevista concedida pelo Economista Marcelo Neri, da FGV, ao jornal Estado de São Paulo (leia aqui), adornada com o lamentável título que segue: "demos os pobres ao mercado. É hora de dar o mercado aos pobres".
Pois bem, Dr. Neri, vamos por pontos:
1º) Como bem sabe o ilustre, embora omita em sua entrevista, a renda dos ricos cresce muito mais do que 1,5% ao ano. O problema é que não há no país - com exceção das bases de dados da RF vendidas na 25 de Março - fonte oficial que permita estimar o crescimento da renda dos ditos rentiers. A PNAD, de onde o Neri tira suas conclusões, é uma amostra autodeclaratória que, obviamente, não registra os ganhos patrimoniais e financeiros que faz a alegria dos triple A. Porém, basta olhar para a conta de juros da dívida pública, para concluir que os R$ 180 bilhões anuais pagos pelo governo devem dormir em algum recanto tranquilo, engrossando o curau de uns a taxas certamente mais altas do que as tais 1,5% mencionadas no romance do Dr. Neri;

2º) Não pega bem e não faz o menor sentido conferir o atributo da "complacência" à política de aumento real de salário mínimo. Ocorre que, não só é preciso recuperar as perdas reais acumuladas por décadas, como se trata apenas de permitir que os ganhos de produtividade do país sejam compartilhados entre as diversas camadas da sociedade, em especial entre aqueles que por suas condições sociais, não têm como se defender da perversa concorrência que afeta os trabalhadores situados nas franjas do mercado de trabalho.
3º) E falar de "desincentivo ao trabalho", causado pelo Bolsa Família, é piada de má fé. Não me parece razoável que uma família - com três ou mais filhos - irá recostar à sombra da goiabeira apenas porque recebe, na melhor (ou pior) das hipóteses, R$ 200 por mês. Se assim pensa, Dr. Marcelo Neri deveria primeiro explicar por que continua indo à FGV, se recebe "desincentivos" fiscais muito mais generosos do Estado que lhe autoriza deduzir de seus impostos o Plano de Saúde, a Previdência Privada e a escola dos meninos Nerizinhos?
4º) Como revela estudo do IPEA, os limites da redução da desigualdade no Brasil estão dados hoje pela injustiça tributária. Quem recebe o tal salário mínimo da "complacência" ou a Bolsa Família que "desincentiva" paga duas vezes mais impostos do que o Sr Neri e todos nós da classe média.

Portanto, não venha agora propor mais mercado aos de baixo. Antes devemos retirar os de cima da situação de conforto para que se sintam incentivados à luta e não sucumbam à complacência do Estado que há tanto lhes é generoso.

Um comentário:

  1. Muito bom Marcelo.
    Trabalho com o BF,e digo com certeza que 90% das pessoas do programa lutam igualmente aos demais, e os 10% restantes não tem pleno interesse em trabalhar tempo integral.

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