8.10.10

pensando verde e vermelho

É muito bom que temas como meio ambiente e sustentabilidade ganhem espaço na agenda política brasileira e devemos reconhecer que só por isso a candidatura de Marina Silva teve sua razão de ser.

Acho, porém, que mesmo considerando os limites de tempo e compromissos empresariais do PV, aqueles temas foram tratados de maneira superficial e se perdeu uma ótima oportunidade para avançar sobre tantas outras questões do nosso modo de vida contemporâneo. (a degradação da vida e do ambiente nas grandes metrópoles, o consumo inconsequente e desenfreado, a centralidade do automóvel, os incentivos fiscais, etc, etc...)

Há, contudo, um outro aspecto que gostaria de me aprofundar aqui em relação à agenda ambientalista, que tratei rapidamente dois posts abaixo.

Apesar do uso frequente de slogans do tipo "abordagem sistêmica" ou "perspectiva holística", que costumam acompanhar outros mais antigos como "desenvolvimento sustentável" ou "responsabilidade sócio-ambiental", vejo no discurso dos verdes uma inconsistência dos argumentos, justamente por carecerem de uma análise que abarque o conjunto de variáveis que compõem o complexo mundo que nos cerca. Ou seja, falta-lhes justamente a visão sistêmica de que tanto falam; falta-lhes um projeto de sociedade que dê conta de enfrentar todas as bandeiras que empunham, todas meritórias, mas que exigem um enfrentamento concreto e coerente para o qual não se arriscam.

Em sua grande maioria (na verdade não me lembro de nenhuma exceção), os Partidos Verdes não questionam ou problematizam os conflitos inerentes à dinâmica econômica atual, limitando o seu foco às manifestações mais tangíveis e epidérmicas das lutas dilacerantes e disruptivas que se multiplicam a partir das entranhas da concorrência intercapitalista. Aliás, é especialmente cara aos PVs a idéia de concorrência. Sonham com um darwinismo institucional, no qual as boas iniciativas devem ser premiadas através das regras impessoais do mercado. Adeptos entusiasmados do método de precificação de bens públicos, acreditam ser possível quantificar - em escala monetária - o valor da Mata Atlântica ou uma ninhada da arara azul e assim mobilizar via mercado os interesses econômicos capazes de salvá-los.

Ora, não há nada menos sistêmico do que esse tipo de abordagem. É o que na economia corresponde à perspectiva microeconômica, em oposição à macroeconomia que, se bem entendida, é a expressão fora de moda que no passado denominava os processos sistêmicos que compõem o ambiente sócio-econômico.

Portanto, os verdes nada mais fazem do que reunir em uma única cesta um conjunto de soluções parciais, supondo que, garantida a eficácia e a coerência interna (sustentabilidade) de cada solução, se conseguirá atingir uma sociabilidade mais racional e civilizada.

Lamento, mas é difícil não enxergar nesse tipo de posição ideológica uma mistura de voluntarismo ingênuo com preguiça intelectual. Creio ser muito mais profícuo e politicamente responsável, refletir sobre as causas da destruição massiva que a concorrência desregulada do capitalismo atual produz a cada vez que avança o frenético e imperativo processo de acumulação do capital. Nesse sentido, feitas as devidas mediações, nada é mais deletério ao meio ambiente ou à sustentabilidade do que o livre trânsito de que desfruta o capital nos dias de hoje. Como já via o velho Marx no século XIX, nada mais potente do que o capital (entenda-se como capital a dinâmica de valorização da riqueza, não a moral dos patrões) na tarefa de produzir obsolescências.

A mesma bolsa de valores, que dá vida às mágicas transações de crédito de carbono, é palco de trocas de ativos financeiros que põem de joelhos governos e tornam inócuas as políticas econômicas. Sem elas, ninguém, nem mesmo o espírito santo, é capaz de evitar que a fábrica que ontem produzia parafusos no teu bairro vire abrigo para os crackeiros nessa madrugada.

Ou haveria outra razão para as infinitas casas, milhões de quarteirões espalhados pelas cidades norte-americanas esvaziadas por uma lufada mal ajambrada dos mercados financeiros? Ou pense no belíssimo centro do Rio de Janeiro ou na saudosa Barra Funda em São Paulo, por que são hoje inservíveis e mumificaram? Não foi precisamente a inescapável volúpia capitalista que inventou os novos paraísos - a Barra da Tijuca, o Alphavile -  que não só escalpelaram as novas frentes de expansão, como precisaram desvalorizar as antigas e bem montadas regiões centrais?

O capital, por sua natureza, seu temperamento, não tem como fugir a essa sina. Ante a incerteza radical, lança mão de todas as estratégias a seu alcance, amplificando a concorrência e, no limite, tornando cada vez mais incerto o seu habitat, ao que dobra a aposta.

Assim, se forem estimuladas e facilitadas a concorrência e a competição - em nome da beleza teórica das leis de mercado ou da suposta eficiência dos instrumentos impessoais de alocação - será sempre crescente a sua dinâmica de destruição-criadora. Ao invés de acenderem velas ao capital de boa índole, à responsabilidade social dos managers, os que se preocupam de fato com o meio ambiente deveriam refletir obrigatoriamente sobre as formas de enquadramento da concorrência. E descobrirão que a variável chave a ser enjaulada no regime capitalista é a "decisão de investimento", pois é ela a morada da incerteza. Descobrirão, por fim, que Keynes foi o sujeito que enxergou isso com grande lucidez, há quase cem anos, e que, um tanto desconsolado, sugeriu o controle público das decisões de investimento como a única forma de evitar que as diatribes do capital destruissem nossa periclitante civilização.

Por tudo isso, nesse segundo turno, acho que entre aqueles que desejam e que estão seriamente comprometidos com as questões ambientais, cabe refletir sobre qual candidatura está mais próxima do necessário e urgente enquadramento do capital. Ninguém - talvez devêssemos lamentar - está propondo uma luta contra o capital, a instauração de outro regime ou coisa parecida. Mas, apensar disso, há importantes distinções relacionadas ao papel do estado, ao grau de liberdade do capital, ao balanço entre interesses públicos e privados que são sim determinantes para as questões relativas ao meio ambiente e à sustentabilidade de nosso necessário desenvolvimento econômico e social.

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