5.10.10

para pensar a política, a economia

A tal onda verde que desestabilizou pesquisas e corações, está provocando bons debates pela bolgosfera. Gente como Alex Nodári, Rodrigo Viana, Flávia Cera, Antônio L.C.Costa, Luis Nassif e Idelber Avelar escreveram coisas muito interessantes. Em especial, recomendo o post do Idelber, que aponta para os aspectos mais relevantes, muitos dos quais passaram batido pelos analistas dos jornalões e dos politicólogos acadêmicos.

Contudo, como sempre há algo mais a dizer - e eu o disse ao Idelber nos cometários do Biscoito Fino - reproduzo abaixo, tanto o texto dele, quanto o meu, onde procuro chamar a atenção para os aspectos econômicos que necessariamente devem ser considerados no debate político.

Primeiro o dele e a seguir o meu:

Por Idelber Avelar
O que dizem os votos de Marina e como conquistá-los


Você pode discutir qual é o peso relativo dos três (não dois) grandes blocos de votos que contribuíram para os surpreendentes 20% de Marina Silva: 1) o voto estritamente marinista, verde, ecológico, que é crítico de algo maior que o PT, ou seja, de todo um paradigmadesenvolvimentista que, ironia das ironias, o PT veio a representar melhor que ninguém; 2) o voto "ético"-jovem-universitário-profissional-liberal-urbano, uma parte dele (a maior, me parece) composta por desiludidos com erros ou presepadas do PT, e a outra parte (menor, me parece) composta por eleitores movidos pelo episódio Erenice; 3) o voto evangélico que, por sua vez, tampouco é homogêneo, posto que formado de uma parcela—menor, creio—de votantes que já estavam com Marina e outra parcela—maior, creio—que foi mobilizada em termos anti-Dilma às vésperas da eleição. Num debate que teria, de preferência, que se realizar com atenção aos mapas relevantes, poder-se-ia discutir à exaustão qual é a contribuição de cada um desses segmentos para o resultado final.
O que me parece indiscutível é que somente este último, o voto evangélico, chega como irrupção e acontecimento. Foi ele o grosso do voto não computado nas pesquisas. Isso me parece verdadeiro, mas não se pode pular daí para a afirmação de que foi o atraso quem impediu a vitória dilmista no primeiro turno. Essa linha de análise é sempre muito rasa.
Para a campanha de Dilma, a tarefa é dupla. Por um lado, há que se entender os recados dados por todos os segmentos que votaram em Marina, para que a partir daí ocorra a negociação e o convencimento desse eleitorado. Esses recados têm densidade, têm conteúdo, aludem a fatos reais e não se limitam, de forma nenhuma, a uma suposta “Marina no colo da direita”. Jogar por aí é não entender o jogo. Por outro lado, há que se analisar quais foram os erros de campanha de Dilma que ajudaram a impedir a esperada vitória no primeiro turno. Fazer as duas coisas já não é fácil. Fazê-las simultaneamente é mais difícil ainda, pois a primeira—ouvir realmente os eleitores de Marina—exige humildade, proximidade e empatia. A segunda tarefa—fazer a autocrítica da campanha—exige inteligência, desprendimento, distância. São duas tarefas aparentemente contraditórias, que demandam posturas e capacidades opostas, mas elas são simultâneas e complementares.
O fascinante do resultado de domingo é que todo mundo errou. Se alguém aí previu que Marina venceria em Belo Horizonte, Maceió, Distrito Federal, Nova Lima, Volta Redonda, Vitória, Vila Velha e Niterói, além de praticamente empatar com Dilma em Natal e superá-la em Campina Grande, levante a mão, mostre um link com data anterior a 03 de outubro, que eu visto uma camisa do Flamengo ou do Cruzeiro aqui, a gosto do freguês. Todo mundo errou nas previsões, inclusive o vitorioso de domingo na eleição presidencial, que foi claramente o campo marinista. Por isso o futebol, na sua imponderabilidade, é o esporte que mais tem a ver com a política democrática. Sim, trata-se do velho clichê da caixinha de surpresas, mas também do dado menos óbvio de que o futebol é o menos contábil dos esportes, e se há uma mensagem relevante que a campanha de Marina tentou transmitir é a crítica à redução do mundo a uma lógica contábil. Quando gente como Ricardo Paes de BarrosJosé Miguel WisnikAlexandre Nodari e Eduardo Viveiros de Castrocoincidem numa candidatura que não é a sua, ou que não é a que você esperava que eles apoiassem, só um sectário muito desprovido de sensibilidade passaria à desqualificação sem uma escuta detida.
No campo dos erros, há que se destacar os estruturais, mais antigos, e os conjunturais, que se manifestaram de uma forma especialmente maluca nesta campanha. Os erros estruturais são parte do recado das urnas marinistas e não podem ser ignorados. O caso de Belo Horizonte é emblemático. Há exatos dois anos, o PT concluía 16 anos de governo de uma coalizão sua na cidade, com um prefeito que deixava o cargo comnoventa por cento de aprovação. Esse prefeito, Fernando Pimentel, é diretamente associado a Dilma e é parte da cúpula de sua campanha. A cidade não tem qualquer tradição de antipetismo raivoso como aquele encontrado em partes de São Paulo e Porto Alegre. Como é possível que o resultado aqui tenha sido Marina Silva 39,9%, Dilma Rousseff 30,9% e José Serra 27,7%, num contexto de grande vitória da esquerda nas legislativas?
Essa parte me parece relativamente simples. As urnas disseram: “não gostamos das lambanças do PT-BH nas eleições de 2008 e do PT-MG em 2010, apesar de o PT ter governado bem a cidade. Votaremos em alguém que é suficientemente próxima aos ideais da bem sucedida prefeitura de 1992-2008, mas que se afastou do campo petista, em parte, por lambanças como essa”. Junte-se a esse recado mais estrutural a avalanche de desinformação e propaganda pra cima dos evangélicos nos últimos dias--essa avalanche realmente existiu—e você tem os ingredientes dos números que deixaram todos os junkies políticos belo-horizontinos de queixo caído. Os mesmos ingredientes se combinam em outras latitudes, como o Acre, um estado onde o PT tem fortíssimas raízes, elegeu o Governador e um Senador, mas no qual Dilma ficou empatada com Marina e bem longe de Serra. Se você é petista e não vê aí um recado além do “Marina está no colo da direita” ou do “Marina é a falência do movimento ecológico” (sim, isso foi escrito), sinto muito, você precisa ler a Flávia Cera.
É sabido que, por volta de dois meses atrás, um grupo de lideranças evangélicas procurou a campanha de Dilma, preocupadas com a disseminação de boatos e emails falsos. A campanha fez a “Carta ao Povo de Deus” e ficou por isso mesmo. Os programas de João Santana—excelentes, belíssimos, inovadores—não dedicaram um só minuto, no entanto, à refutação da pilha de spam religioso anti-Dilma disseminada para púlpitos e fiéis. A coordenação de internet não ofereceu respostas a isso. Preferiu brincar de Twitter e #ondavermelha. A campanha online foi feita à base do cada um por si, sem que se aproveitasse de forma coordenada a enorme base de recursos humanos da esquerda brasileira na rede.
Quando os evangélicos voltaram a procurar a campanha de Dilma, em setembro, o nível da loucura havia piorado sensivelmente. Algumas lideranças religiosas gravaram depoimentos de apoio à candidata petista, mas não houve uma resposta sólida e consistente da campanha. Os marqueteiros não são lá grandes fãs do potencial da rede e, por sua vez, a coordenação de internet de Dilma era pobre e fraca de ideias. É importante reconhecer isso sem que esse reconhecimento nos ensurdeça para o recado real das urnas marinistas, que transcende em muito o spam do ódio.
É evidente que temos que explicar que Michel Temer não é satanista. Aliás, podemos inclusive esclarecer que ele já fez pactos com o DEM mas, pelo que nos consta, com Satã nunca aconteceu. Mas é preciso fazer isso sem desmerecer ou desqualificar o recado dado pelas urnas marinistas em sua totalidade, sem reduzir o voto de Marina a qualquer um de seus blocos, muito menos o evangélico, justamente aquele que é mais conjuntural (apesar que não necessariamente menos numeroso) na constituição da identidade da sua candidatura.
Não há motivo para pânico. Marina tem muito mais a ver com Dilma que com Serra, e isso é o próprio Serra quem diz. Para nós, faltam 3 pontinhos. Para Serra, faltam quase 18. Marina sabe que coloca seu capital político em maus lençóis se apoiar alguém como Serra. Também sabe que não lhe interessa entregar nada de graça a Dilma agora, e há que se entender isso. É da política. Um petista reclamando que Marina não está agindo de forma a facilitar as coisas pra nós é como um lateral queixando-se de que um ponta o engana, fingindo que vai abrir o jogo para depois cortar para o meio. Ora, você tem que aprender a marcar. O jogo é jogado.
Ainda estamos bem, mas é preciso jogar com inteligência, humildade e decência e, acima de tudo, não deixar que nenhuma dessas qualidades atrapalhe as outras duas.
(aqui o link para o post de Ildeber Avelar)


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Abaixo, o meu comentário, com alguns ajustes em relação àquele postado no Biscoito Fino:

Excelente análise. Aliás, como sempre. 
Vesti a carapuça em mais de um trecho e estou certo de que a candidatura Marina foi subestimada, em boa medida por conta do clima de "já ganhou" que se instaurou na campanha da Dilma e pelo fato de que, aos olhos petistas, era difícil reconhecer méritos e ameaça em alguém que veio do ninho e que, principalmente, "traiu" o campo governista aos 35 minutos do segundo tempo (Freud e Xico Sá talvez expliquem melhor).

Porém, a despeito de tudo que dissestes e do pós-moderno ou pós-Lula que eventualmente explique a ascensão da candidata verde, acho que é importante refletir o fenômeno Marina tendo sempre em mente sua dupla face: por um lado, essa novidade que você bem analisa e, por outro, a velharia que lhe deu combustível, qual seja, a estratégia tucana de desconstruir a Dilma. Essa face opaca da ascensão de Marina não me parece que seja tão irrelevante como você sugere em tua análise. Vinte dias antes da eleição, Marina aparecia nas pesquisas com aproximadamente 10% das preferências, e não foi de seu próprio campo que se construiu o impulso final que lhe deu projeção. Ela estava no lugar certo (sentada sobre uma proposta política principista, estéril, que não ameaça porque não é concreta) e na hora certa (quando os tucanos intensificaram o terrorismo anti-PT), atraindo para si a tal onda verde (seria de paúra?).
Além de tudo isso, tem um aspecto que já tratei em teu blog em outras ocasiões - e que pode decorrer de nossos diferentes tiques profissionais. Acho que você peca na análise por enfatizar a superestrutura (do Marx), deixando em segundo plano a perspectiva econômica que habita as posições e projetos políticos. Marina, Obama, Clinton, PT de BH, Palocci, por exemplo, (que no teu blog já despontaram com vestes rosadas) são a meu ver fenômenos políticos carregados de contradição, que, em última instância, naturalizam a infraestrutura (a dimensão econômica) para capturarem (intuitivamente, claro) o melhor dos dois mundos. Quando falo em infraestrutura, não estou resgatando temas como o conflito capital-trabalho, mas, por exemplo, a cegueira dessa trupe em relação ao caráter disruptivo da circulação financeira no mundo contemporâneo. Fazer cara de paisagem e vender a imagem de que os temas econômicos devem ser tratados apenas com a austeridade e o bom-mocismo é de uma insanidade inaceitável em um político que se pretende apresentar como transição para o pós-moderno. A matriz dessa abordagem econômica naturalista remonta ao século XVIII, quando o equilíbrio surgia como idéia-força. Não por acaso, costuma seduzir com facilidade as mentes preocupadas com os importantes temas da sustentabilidade e da perspectiva sistêmica.
Dificilmente há algo mais pós-moderno do que os derivativos financeiros que estão sendo maquinados nas mesas de operações de Wall Street, enquanto jogamos conversa fora. E o fato de serem transações abstratas, etéreas, não nos autorizam a desconsiderá-las. Pelo contrário, é justamente por esse aspecto fugidio da economia pós-moderna que, mais do que nunca, devemos nos esforçar para ancorar o debate político no econômico. Um exemplo. A rápida obsolescência industrial que devasta cidades, empregos e vidas nos EUA de hoje (portanto um descalabro em termos de sustentabilidade), é decorrência direta da liberdade de capitais que joga com moedas e ativos mundo afora. 
 os partidos e candidatos que se arriscam pela terceira via fingem desconhecer esse fenômeno, tão bem antecipado por Keynes, no século passado. É precisamente por essa razão que esse povo todo topa sentar no mesmo barco. Noves fora, estão todos de acordo.

Um comentário:

  1. Querido Pífano,

    Queria fazer um comentário sobre um aspecto "menor", vamos dizer assim (sobretudo, muito "menor" que os apontados pelo Biscoito e por você).

    Remeto aos tais "votos de protesto" em Marina.

    Eu acho que a história de vida da Marina é uma chave importante para a gente entender uma parcela dos 20 milhões de votos.

    Ela vem de origem humilde; se alfabetizou tarde; trabalhou como empregada doméstica; etc.

    Sinceramente, eu não acredito que os seus eleitores de classe média e alta seriam seus eleitores se ela estivesse na frente nas pesquisas.

    Dos outros não falo, porque não conheço (ou seja: não conheço NINGUÉM da "classe C" que não tenha me dito que votava na Dilma. Minto - não conheço NINGUÉM que eu identifique como "classe trabalhadora" que não tenha votado na Dilma - mas eu não conheço muitos evangélicos, pode ser isso).

    Enfim, entre os eleitores de Marina que eu conheço, muitos são justamente os que sempre reclamaram do perfil de baixa escolaridade e alta nordestinidade do Lula, por exemplo.

    Por isso, acredito que a opção por ela representou em parte um voto conservador de classe média envergonhado, e em parte um "voto de protesto" (no sentido daquele voto de quem sabe que não vai eleger o candidato).

    Uma opção que deu conforto justamente por não ser vista como concretizável.

    Não falo da parte do eleitorado da candidata que efetivamente se identifica com as causas que ela declara, não acredito que isso explique os 20 milhões de votos que estamos tentando entender.

    Então, o que eu acho que na tentativa de entender porque tanta gente sentiu necessidade dessa "terceira via", podemos ir também por aí, como uma das vias para a reflexão sobre o segundo turno.

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