24.3.09

debate mais que oportuno

Reproduzo abaixo o artigo publicado no jornal Valor (24/03/2009), tratando de desfazer alguns mitos que se referem ao emprego público no Brasil.
Não custa lembrar que se trata de prelúdio de um estudo sobre o tema que vem sendo desenvolvido pela ousada gestão do Márcio Pochmann como presidente do IPEA, que tanto pau levou por trazer novos ares àquele órgão de pesquisa.


Emprego público no Brasil: o que deve ser dito
Autor(es): Eneuton Pessoa, Fernando Augusto Mansor de Mattos e Marcelo Almeida de Britto
Valor Econômico - 24/03/2009

O emprego público não é excessivo no Brasil, sobretudo quando se leva em conta as necessidades de serviços essenciais

Ainda está por ser feita uma discussão mais rigorosa acerca do emprego público no Brasil. O pouco que se tem discutido sobre o tema apresenta apenas argumentos carregados de preconceitos e "ideologia", raramente embasados em dados rigorosos e informações corretas. O ideário neoliberal (hoje completamente desmoralizado) encarregou-se, durante décadas, de perpetrar inverdades ou análises pouco rigorosas que acabaram motivando medidas de redução do pessoal ocupado ou de "reformas" na administração pública que culminaram em prejuízo para a execução de atividades-fim do serviço público, e em piora na qualidade e na eficiência dos serviços prestados à população que deles necessita.

Os dados e reflexões aqui apresentados são resultantes de uma pesquisa intitulada "Trabalho no Setor Público Brasileiro", que vem sendo desenvolvida no Ipea e que pretende avaliar o setor público brasileiro sob três aspectos: a) o aspecto quantitativo, que se preocupa em produzir uma ampla radiografia de estatísticas de emprego do setor público brasileiro; b) em termos qualitativos, procura-se destacar que a natureza do trabalho no setor público é diferente do trabalho no setor privado e é levando isso em consideração que se deve avaliar a construção institucional do Estado brasileiro, sempre com um foco na problemática da dívida social brasileira; c) a pesquisa também visa a cobrir uma lacuna de estudos sobre políticas de gestão na área de recursos humanos no Brasil, procurando fornecer aos futuros gestores do setor público brasileiro uma análise não-neoliberal dos desafios que se colocam atualmente para o Estado brasileiro em uma sociedade desigual e carente de serviços públicos de qualidade.

Um primeiro dado importante que merece ser mencionado é que, no Brasil, segundo os microdados da Pnad, o emprego público representava, em 2007, apenas cerca de 11,5% do total dos ocupados no país. Esta parcela de emprego público na ocupação total está bem abaixo, por exemplo, de todos os países europeus importantes, muitos dos quais chegam a atingir marcas superiores a 30%. Mesmo nos EUA, país com destacada tradição liberal, o percentual do emprego público na ocupação total é de cerca de 15%. Na América Latina, segundo dados recentes divulgados pela Cepal, há países cujo peso do emprego público na ocupação total é maior do que a brasileira, destacando-se Panamá (18%), Costa Rica (17%), Uruguai (16%), Argentina (16%) e mesmo o Paraguai (13%).

Tomando-se como referência a relação entre emprego público e população, também se verifica, no Brasil, um baixo percentual: a parcela do emprego público na população gira em torno de 5%, contra 7% nos EUA e próximo de 10% na Europa ocidental (quando não mais, como nos países escandinavos, que não raro superam 15%).

Em números absolutos, no ano de 1995 o emprego público no Brasil perfazia o total de 7,843 milhões de servidores. Em 2007, ele alcançou a cifra de 9,827 milhões. Deve-se destacar, porém, que este crescimento praticamente apenas acompanhou a evolução da população. Tanto é que, em 1995, o estoque de emprego público representava 5,1% do total da população e, em 2007, 5,4%.

Quando se observa a evolução recente do emprego público por esfera de governo, verifica-se uma leve redução nas esferas federal e estadual e um forte crescimento no âmbito municipal. Em 1995, o emprego federal correspondia a 18% do emprego público, o estadual, 44% e o municipal, 38%. No ano de 2007, esses percentuais eram de 15%, 35% e 50%, respectivamente. O aumento do peso do emprego municipal deveu-se a três fatores: na educação, a universalização do ensino fundamental e a expansão da pré-alfabetização de crianças em idade pré-escolar; na saúde, praticamente todos os municípios foram alçados à condição de gestão plena da atenção básica, inclusive a saúde preventiva - em grande parte calcada no Programa de Saúde da Família -, que vem requerendo a contratação de milhares de agentes comunitários de saúde. Por último, desde a Constituição de 1988, foram criados quase 1.500 municípios, gerando a necessidade de montagem das funções administrativas municipais. Preliminarmente, os microdados da Pnad sobre ocupações na esfera municipal corroboram essa afirmativa.

Também o senso comum que considera o serviço público um reduto de privilégios carece de fundamentos mais sólidos. Quando consideramos os estatutários, a categoria mais bem posicionada dentre os servidores, vê-se que, desde os anos 1990, eles vêm perdendo uma série de direitos. As várias alterações constitucionais a partir da EC 19/98, dentre as quais se destacam o fim do Regime Jurídico Único no serviço público - com exceção para as funções exclusivas de Estado -, o fim da isonomia salarial, o fim do estatuto da estabilidade no serviço público e o fim da aposentadoria integral tiveram, entre outros propósitos, o objetivo de aproximar as relações de trabalho nos setores público e privado, apesar da natureza diferente do trabalho em cada um deles.

Deve-se destacar, porém, que nos últimos anos tem aumentado o peso dos estatutários, devido ao aumento do número de concursos públicos, o que tem reduzido em parte o grau de informalidade que imperou ao longo dos anos 1990 nas ocupações do setor público brasileiro.

Em suma, no conjunto, o que esses dados demonstram é que o emprego público não é excessivo no Brasil, sobretudo quando se leva em conta as necessidades de serviços essenciais por parte da população que não pode pagar por eles. Neste sentido, o desafio de aumentar a eficiência e a eficácia da máquina pública no país não se contrapõe, antes, se coaduna, com a expansão de serviços que requerem a expansão do emprego público.

Um comentário:

  1. Excelente trabalho de natureza estatistica. Gostaria de ver algo semelhante a respeito dos resultados do trabalho dos servidores publicos. Da minha parte (percepção) o resultado é pifio. Não ha quem discorde da avaliação de pessima qualidade oferecida pelos serviços publicos graças ao desinteresse de seus funcionarios e não pela escasses destes.

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