9.3.08

Pelas Janelas



Seja porque delas se viu a banda passar, seja porque por elas se lançaram as tranças, as janelas talvez estejam entre as mais poéticas das coisas que nos rodeiam. Músicos, escritores, poetas,... são raros aqueles que n'algum dia não falaram das janelas, metáforas por excelência.

Na Avenida São João ou em Copacabana, basta olhar para o lado que lá estará um tanto de acotovelados, alguns por desalento, uns sonhando com a moça, outros com o tempo.

Mas as janelas, assim como a poesia, vão aos poucos perdendo o seu lirismo e seu lugar. A violência das ruas e a tabula rasa do mundo econômico nos ensinam que hoje as janelas são dispensáveis. Hoje não temos tempo para olhar pela janela, é o ladrão quem pula a janela, falta dinheiro para pintar a janela – já não faz muito sentido a janela.

Falo das janelas porque acabo de voltar de uma viagem a Minas e pra todo canto o que mais se via eram aquelas janelas de aço, banhadas de cinza-zarcão, de quatro folhas, duas fixas, duas engastalhadas,... todas cinzas. Repletas de razão, as janelas de lata alastram-se como a peste para os povoados e vilarejos mais distantes.

Quando parti para Minas, fui especialmente interessado em conhecer a cidade de um velho amigo de meu pai que, entre o café e a pinga, nos contava de sua vida em Luminárias, terra dos “Gorpeia” - protagonistas de um acidente de bicicleta onde o Sebastião, descendo distraído pela rua principal, gorpiô pra cá, gorpiô pra lá, mas não evitou a trombada com outro parente embicicletado.

Moleque paulistano e ouvindo estas histórias da inusitada Luminárias, desde muito tempo esperava por desviar-me da Fernão Dias para conhecer o lugar. Seguindo por uma longa estrada poeirenta, ora amarela, ora vermelha, cheguei ao final de um dia à cidadinha. E como você já suspeita, mas eu sequer imaginava, Luminárias estava toda ela encerrada pelas cinzas janelas de lata. Não parei, não tomei café nem comi queijo. Atravessei pela rua dos Gorpeia e segui rumo a Carrancas, atraído pelas suas cachoeiras, mas já sem o olho para qualquer janela.

E os morretes de Minas, que por força da história e do esquecimento guardavam um gracioso passado colonial, vão aos poucos ganhando a feiura e a tristeza das periferias das grandes metrópoles. Com a industria e a virulência de consumo de massas, em todos os rincões do país, as nuances culturais e urbanísticas se vão borradas, substituídas pela absoluta sem-graceza parafraseada pelas janelas de lata. “Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes”, sentenciou o bando titã. De fato, à medida em que vamos respirando capitalismo, a pobreza vai ficando cada vez mais parecida, seja em Iheus, no Jardim Angela ou em Katmandu.

A pobreza nos dias de hoje não dói mais só no bolso. Quando o valor econômico é o único que sabemos reconhecer, e não possuímos coisas que valem, então não reconhecemos valor algum em nossas vidas, nem nas janelas, nem através delas.

Em Londres, por mais monotemáticas que sejam as fachadas das casas, governo e sociedade reservaram as portas como espaço de resistência às contingências da padronização econômica. “The doors of London” são uma verdadeira instituição para os ingleses, com direito a cartão postal e capa de discos. No norte da Itália, plantações de uvas em escarpas pouco produtivas são preservadas do imediatismo econômico graças à consciência de que a sobrevida de suas vilas (e vinhos) funda-se na idiossincrasia de sua cultura secular.

Pois Minas Gerais deveria dar às suas janelas estatuto de patrimônio cultural e cuidar para que não sejam varridas pela objetividade do bolso. Além das reservas de calcário que empalidecem o entorno da cidade de Formiga ou da extração de minério que solapa a serra de Tiradentes, Minas guarda um tesouro cultural de grande valor, seja para nossa história, seja para o desenvolvimento econômico da própria região que, em muitos lugares, tem no turismo sua principal vocação. Assim como a prefeitura de Parma tornou o parmesão mundialmente conhecido através de um programa de subsídio que estimulava os produtores rurais a deixarem seus queijos envelhecerem nas prateleiras, os governantes de Minas poderiam subsidiar cooperativas de marceneiros por todo o estado para que produzissem aquelas lindas janelas de madeira e tramela a um custo mais baixo do que o das janelas de lata. Ganhariam os marceneiros, ganharia o comércio, o turismo, ganharia o espírito de Minas e teríamos de volta o sol nas salas de Luminárias.

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