Àqueles que não passaram pelas carteiras de uma faculdade de economia, permitam-me um pequeno post em tom um tanto professoral. Inevitável.
Acontece que é muito difícil raciocinar no mundo da macroeconomia se não tivermos clareza sobre os nexos causais entre "poupança" e "investimento".
Antes porém, é importante alertar que, por um princípio contábil, a poupança total de um país será sempre igual à soma dos investimentos realizados no país. Isto porque o dinheiro que circula na economia só pode ser gasto de duas maneiras: como consumo ou investimento e, portanto, se o investimento é igual a tudo que deixamos de consumir, então ele é equivalente ao que foi poupado.
Até aqui, nada de extraordinário. Vamos adiante.
O nó aperta quando os economistas partem para a discussão de o que determina o que: é a poupança que determina o investimento ou o inverso? Até Keynes (anos 30), acreditava-se que o volume de poupança determinava o volume de investimentos. Este raciocínio, perfeitamente adequado ao mundo estático e natural da chamada economia neoclássica, sempre foi muito confortável aos não especialistas porque nas nossas vidas privadas, na vida da dona de casa ou do dono do armazem, de fato a poupança individual de hoje será o investimento individual de amanhã. Só que este comportamento (racional para o indivíduo), se generalizado, produz um colapso econômico. Se todos resolverem entesourar parte de sua renda, o consumo vai diminuir, a produção vai encolher, a renda futura vai diminuir, e ...brejo.
Ou seja: o agregado não equivale à soma das partes! E muita gente, mas muita gente mesmo atola na compreensão da economia por conta deste detalhe fundamental. Keynes chamou este problema de "a falácia da composição".
Avante!
Keynes percebeu, portanto, que ter dinheiro na mão não é pré-condição para o investimento, mas pelo contrário, são as decisões de investir que irão mobilizar a poupança agregada (somatório das poupanças individuais).
E isso faz toda a diferença.
Primeiro, porque a variável crucial a determinar o nível de atividade e de renda será a disposição para investir e esta será maior quanto maior e mais segura for a demanda agregada. Donde se tira que cabe ao governo estabelecer mecanismos que assegurem um tal volume de demanda que todos os recursos disponíveis, em especial a mão-de-obra, sejam empregados.
Segundo, não basta garantir a demanda agregada. Para que o processo de mobilização da poupança seja virtuoso é preciso criar mecanismos de financiamentos. Ou seja, a partir de um sistema financeiro suficientemente amplo, ágil e eficiente, sempre que as decisões de investimento demandarem capital, deverá haver a mobilização da poupança correspondente.
Portanto, muito cuidado com aqueles que creem na poupança ex-ante. Eles estão cegos ou são dissimulados. Não é sensato falar em escassez de poupança. A rigor, antes se deve buscar reduzir as incertezas quanto à demanda, depois garantir os mecanismos de financiamento do investimento. A poupança é resultado, nunca pré-condição.
Mas no mundo real o processo é ainda mais complicado. Como bem demonstra a atual crise financeira mundial, os mecanismos de mobilização da poupança (sistema financeiro), podem fugir ao controle. Se não houverem regras e limites rígidos que garantam a destinação da poupança aos investidores do setor produtivo, é inevitável que o sistema comece a rodar em falso. Se a poupança mobilizada se concentrar em determinados mercados, fazendo com que determinados ativos (aplicações) se valorizem de forma artificial (sem a correspondente ampliação do produto), haverá novos estímulos à mobilização de mais poupança que, na ausência de regras, deflagrará um processo de "exuberância irracional" que só se resolve com uma crise financeira.
Em suma, se o investimento é a chave para o bom caminho de desenvolvimento das forças produtivas com pleno emprego, e o sistema de crédito é o mecanismo capaz de mobilizar a poupança que sancione tal investimento, é crucial que o sistema de crédito - ou as possibilidades de mobilização do capital - esteja sob estrita vigilância e controle do setor público. É isto que conclui Keynes, quase que resignado, no último capítulo de seu mais famoso livro (A Teoria Geral). O mercado pode funcionar e é eficiente para muitas coisas, mas a decisão de onde e quanto investir é importante demais para estar a mercê dos humores e das peripécias dos agentes privados.
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