18.8.13

Brisa Certa

Na medida em que vai decantando o processo de catarse social que ganhou as ruas do país em junho passado, restam alguns espasmos de indignação expressos na síntese radical da tática Black Bloc.
Afinal, quem são esses caras?
Analistas de variadas cepas se esforçam para encaixar “os caras” em seus esquemas de interpretação do mundo, frequentemente reservando a eles o recanto das ovelhas negras.
Não parece mesmo fácil decifrar essa moçada que, desde logo, não se considera sequer como um grupo homogêneo ou um ‘movimento’, mas tão somente uma tática efêmera, uma combustão espontânea do tal ‘sentimento difuso de indignação’.
Pois bem, apesar de muito já ter sido dito a respeito, arrisco um tanto mais.
Tomemos emprestado o veio aberto pelo Prof. Belluzzo em artigo recente na Carta Capital(24/06). O dito sentimento de indignação resultaria em última instância de nossa condição de “condenados à liberdade”. Desde que em algum momento da história remota fomos fisgados pelo ideal da transcendência libertária, lutamos e nos acotovelamos obcecados pela miragem da autodeterminação do indivíduo, a mãe das utopias.
Se assim for – e acredito que seja – estamos também condenados a rechaçar toda e qualquer interpretação de nossa realidade que carregue algum traço normativo. Tal como um adolescente frente à autoridade, vivemos uma cruzada secular de rejeição a enredos que de alguma forma resultem na pré-determinação de nossos atos. E é esse precisamente o ethos que caracteriza a esquerda: a crítica radical e a negação das certezas.
Pois é nesse tênue e fugidio veio que navega a intuição dos Black Blocs. Filhos de uma época em que as grandes narrativas já não afloram, de uma cultura que não tem mais tempo, de uma experiência hedonista e utilitária, essa galera prima pelo uso de atalhos e tem pressa de chegar ao cerne: os bancos, os símbolos do alto consumo, a polícia, a mídia, as instituições obstruídas pela norma e pela demagogia.
Claro que não lhes faltam acusações. Dizem alguns que são anarquistas, outros que são fascistas, filhos de uma classe média sem norte, narcisos em busca de sentido, ou apenas consumidores frustrados.
Não creio. Se bem observarmos, nas manifestações desses hereges de nossa época as bandeiras são todas “brisas certas”, como usam dizer. Apontam suas câmeras e marretas aos nódulos desse sistema que tudo devora. E surpreendentemente, ao contrário dos tais coxinhas ou de udenistas de esquerda que, de verde e amarelo, se misturam aos chamamentos da rede Globo, a turba de encapuzados do Black Bloc, caótica ou acéfala, não se voltou contra as instituições que efetivamente representam conquistas sociais, nem tampouco se opuseram aos partidos e governos que enxergam como aliados no processo de transcendência libertária.
Sem postulados, destituídos de normas e cartilhas, não incorrem no erro fratricida que desde sempre fez das facções de esquerda os maiores inimigos das facções de esquerda.
Crítica em estado puro, livre de pretensões iluministas ou teleológicas, a tática Black Bloc é apenas e tão somente esquerda.

Outros artigos interessantes sobre o assunto:
- Vandalismos (Pedro Serrano)
- Black Bloc é a resposta à violência policial (André Takahashi)

29.6.13

mais uma vez, ainda, pelo começo

(esclarecimento necessário: este texto é um auto-plágio de um artigo que publiquei em março de 2004 na revista Caros Amigos. Fiz apenas alguns ajustes pontuais, atualizando as datas e alguns fatos. Infelizmente, tantos anos se passaram e o tema volta a fazer sentido)

Duas ou três semanas de asfalto e vinagre foram suficientes para azedar o sabor de prosperidade econômica que há quase dez anos embalava os brasileiros, o governo e o PT.

Porém, muito mais grave do que as fraturas políticas que a crise traz à tona é que um eventual fracasso do atual governo significará muito mais do que o tropeço de um partido ou de um programa político econômico. Não afetará somente nossa vida daqui por diante, mas marcará drasticamente a nossa vida pretérita, nossos tantos anos de construção de uma alternativa para este país.

Como muitas vezes nos ensina a história, o sentido das coisas, o rumo dos processos sociais e políticos são definidos de frente para trás – de hoje para ontem. São os eventos do presente que magicamente dão sentido às trajetórias e escolhas do passado e essas, por sua vez, só podem ser plenamente compreendidas a partir do seu desfecho. Sem ele, não seriam mais do que eventos fortuitos, largados ao acaso, ao lado de tantos mais.

É como quando damos o primeiro beijo na namorada. Resgatando na memória, identificamos naquela festa da escola, ou naquele olhar no retrovisor, um encanto que só poderia desaguar no grande amor de hoje. Ou também no futebol, quando tabelamos desde o nosso campo de defesa numa triangulação predestinada a encher a rede, num belíssimo gol de placa. Mas, quantos foram as tabelinhas desperdiçadas pelo centroavante fominha? E quantos olhares em quantos retrovisores não passaram de olhares nos retrovisores?

Para que nossa arte, nossa labuta, faça algum sentido, é imprescindível que de algum jeito consigamos conectar o presente a nossas ambições de ontem. Se não para construir o futuro - como gostamos de acreditar - talvez para amalgamar o passado. 

Pois é com isso que o governo atual e a Presidente Dilma estão lidando. Tenhamos participado mais ou menos ativamente da política nos últimos 30 anos, temos que reconhecer que o PT foi o portador da caneta que parecia predestinada a ligar os pontos de nossa história. Os chumbos da ditadura, a luta pelas Diretas-Já, os desenhos do Henfil, a Constituinte do Dr Ulisses, o Lula-lá, o impeachement do Collor, o sufoco do FHC,... todo esse amontoado de vida só comporá um roteiro inteligível se, ao fim, formos capazes de desaguar em algum mar. Aquele leito caudaloso, expressão talvez das duras escarpas que nos acompanharam ao longo do tempo, não deveria terminar assim, absorvido pela areia da costa, empapuçando um mangue que parece infinito.

Sem um mar, não haverá rio, nem córregos, nem nascentes. 

10.10.12

manifesto em defesa da civilização*


Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas. Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna.

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra de Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados.

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foi destruída pela concorrência chinesa.

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inexorável progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado.

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar!

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados.

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social!

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada.

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade.

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.

*este manifesto é uma iniciativa de um grupo de professores e pensadores do campo das ciências humanas.


4.9.12

vestibular: o rabo que abana o cachorro

No post anterior, tratei da polêmica em torno das cotas de 50% nas universidades federais e defendi que, ao contrário do que muitos têm dito, não considero que sejam um fator de redução da qualidade, nem que seja o fim da meritocracia.

Mas o que me traz de volta ao assunto, foram alguns comentários de leitores indignados - principalmente no Facebook - que contra-argumentaram com a tese de que, se o governo quer aumentar as chances de ingresso no Ensino Superior daqueles que vieram de escolas públicas, o correto seria investir pesadamente na Educação Básica, para que daqui a alguns anos, os alunos da rede pública possam disputar em condições de igualdade as vagas do ensino superior.

Perfeito. Sou absolutamente a favor de que se faça um grande investimento na Educação Básica. 10% do PIB já!

Porém, não vejo porque tratar as duas questões como excludentes - até porque para as gerações que já passaram ou estão hoje na rede pública não há como recuperar essa lacuna em sua formação.

A questão que me parece efetivamente relevante em toda essa discussão é o mito do vestibular, que vai se tornando mais uma jabuticaba de nossa pátria.

Sob o mantra da meritocracia, inventamos um funil educacional que, concebido para aferir a qualidade pedagógica do ensino médio, está reduzindo o ensino médio a clínicas de adestramento de adolescentes. Ou seja, perversamente, o meio se tornou fim: o vestibular ganhou tanta importância em nosso sistema de ensino que terminou esvaziando os projetos pedagógicos das escolas, substituindo livros por apostilas, professores por animadores de auditório, sábados por simulados.

Não sei se todos têm consciência do que falo. Eu mesmo, me dei conta do problema há pouco tempo.
Como sou pai de um adolescente, sai em peregrinação atrás de uma boa escola, preparado para conversar com coordenadoras pedagógicas ou diretoras que me contassem um pouco do projeto de cada qual.

Quebrei a cara! As ditas "boas escolas" funcionam hoje em prédios que se parecem com agências bancárias. No lugar da velha diretora, que apoiava os óculos de leitura sobre os peitos, quem me recebe é uma 'Juliana Paes' de lábios doces, que me apresenta os folder's e me disponibiliza uma senha para que eu possa consultar o material pedagógico no site.

E fui a outra. Mais outra. Com pequenas variações de logotipo, de batom, senhas e softwares, as escolas já não fazem outra coisa que não seja preparar para o vestibular.

Claro que existem exceções. Poucas. Raríssimas. Algumas ligadas a ordens religiosas, outras vinculadas a culturas estrangeiras, os bons e velhos colégios técnicos e as caríssimas, que em São Paulo chegam a cobrar de 5 a 10 salários mínimos por mês e oferecem para o seu filho o melhor que o mundo burgues pode-se comprar.

O resto,... o vestibular moeu!


1.9.12

cotas e meritocracia: tudo a ver

Não estou entre aqueles que se entusiasma com o discurso da meritocracia como critério exclusivo para a inclusão no ensino superior. Por duas razões, que me parecem óbvias:

1º) Por princípio ético: não acho que direitos fundamentais devam ser acessados por mérito. E, universidade, nos dias de hoje, não é mais uma questão de formação de quadros, nem apenas de preparação de uma elite dirigente, mas sim de garantia de acesso à vida digna. Se ao longo do século 20 nas sociedades avançadas foi possível universalizar a Educação Básica, no século XXI me parece possível e desejável que seja universalizada a Educação Superior.

2º) Falar de meritocracia pressupõe igualdade de oportunidades. Como ainda estamos anos-luz desse idílico mundo da abstração liberal, me parece fundamental e democrático que aqueles que nasceram e cresceram em condições desfavoráveis (famílias pobres, precárias condições de vida, acesso a escolas de baixa qualidade, etc) devem ter, sim, um benefício extra nas provas que dão acesso à universidade pública.

Dito isso, me disponho a dar de barato o argumento "meritocrático". Tudo bem, vamos aceitar a tese de que nas universidades públicas devem estar as melhores cabeças do país. Mas, então, como escolher as melhores cabeças?

Com uma prova - ou uma bateria delas - é possível selecionar os melhores ou os mais bem preparados?

Um aluno que estudou 12 anos numa escola pública com enormes deficiências, cujos pais não estudaram, portanto, não teve contato cotidiano com os temas da "sociedade letrada" e tira nota 6 numa prova de seleção é melhor ou pior do que um aluno que alcança nota 8, mas que estudou numa escola privada de elite, foi velejar na Escandinávia, vive num ambiente "culto", almoça, janta e come barrinhas de cereais entre uma aula de inglês e outra de judô? Quem desses dois é mais capaz? Qual deles é mais inteligente? Quem tem mais mérito? De quem a sociedade pode esperar o melhor quadro?

Eu, que sou professor universitário em uma faculdade privada, e que, graças ao Prouni, dou aulas para os dois extremos, estou convicto de que os alunos que superaram grandes adversidades e conseguiram se destacar no frágil sistema público de ensino de nosso país são aqueles que têm melhor desempenho, sobre os quais o "efeito acelerador" do ensino superior é mais evidente.

Além disso, é bom lembrar que estes heróis da sobrevivência, exemplos trágicos do darwinismo social, são muito mais numerosos do que os relativamente escassos bons alunos das escolas de elite e, portanto, suas presenças nas universidades públicas devem funcionar como um aditivo à dinâmica indolente que se esparrama pelas salas de aula do ensino superior atualmente.

Portanto, se é a bandeira da meritocracia que levantam aqueles que se opõe à política de cotas sociais nas universidades, é em nome da mesma bandeira (da qual já manifeste minha discordância) que eu defendo as cotas. Lamentavelmente, porém, justamente no estado mais rico do país, com as melhores condições de universalizar a educação e o conhecimento, os seguidos governos conservadores do PSDB vêm se opondo a aceitar as cotas em suas universidades, criando expediente diversionistas, desconsiderando as notas do ENEM, motivados pelo mesquinho interesse partidário (de não reconhecer mérito na política federal) e pelo ranço preconceituoso de uma elite que, sejamos francos, se enoja das classes subalternas.

Mérito neles! Que venham as cotas.

28.8.12

Esquerda para boi dormir

A competente Rose Guglielminetti tratou em seu blog (leia aqui) de um suposto acirramento da tensão entre o PT e o PSB em torno da questão do uso da imagem da Dilma. Segundo a blogueria, poderia ser um indicativo da antecipação do clima que deverá se instaurar na eleição presidencial de 2014. E ela deva ter razão.

Entretanto, em seu comentário, a Rose nos conta também que "alguns militantes de esquerda ligados a Jonas" criticam a postura do PT em relação a seus aliados. 

Mas aí eu fico me perguntando: "militantes de esquerda ligados ao Jonas"? Quem serão eles? Onde estarão escondidos? 

É bom lembrar que o Jonas tem seus quatro costados de direita. 

Durante muitos anos o Jonas foi do PSDB de Campinas e só saiu da legenda porque a fila de candidatos a prefeito no PSDB era grande e ele estava na rabeira. Além disso, depois dos sucessivos fracassos do Carlão Sampaio, a rejeição ao PSDB na cidade cresceu muito, de tal forma que o insistente deputado Jonas foi trocando de carapuça e hoje, apesar do vice tucanaço, se apresenta como homem de um partido que carrega o socialismo no nome e que faz parte da base do governo Dilma no congresso.
Só que até as andorinhas das calçadas campineiras sabem bem que o PSB da cidade pode ser tudo, menos de esquerda. Há muitos anos se reduziu a uma legenda ônibus, que serve de meio de condução para políticos que, por qualquer razão, estão sem espaço para trafegar em seus partidos de origem.

Mas então, se os "militantes de esquerda" não estão no PSB, onde mais estariam? Alguém certamente haverá de me lembrar que devem estar no PCdoB. Será? 

Eu até que respeito o PCdoB, restam ainda algumas lideranças nacionais importantes e, em Campinas, tenho vários amigos no partido. Porém, sejamos francos, é possível chamá-los de esquerda? Faz algum sentido dizer que é de esquerda um partido que se alia a uma coligação inventada pelo Sr. Alckmin? Pensemos com serenidade. O governador de São Paulo, chegado na Opus Day, arauto das privatizações, negação in corpore da política e autor da tragédia de Pinheirinho não estaria muito mais bem caracterizado como um homem da ultra-direita? Suspeito que se vivesse nos EUA, muito provavelmente estamparia seu carisma de chuchu nas fileiras infames do Tea Party ou até na odiosa Ku-Klux-Klan. 

Como aceitar então a ideia estapafúrdia de que há vida inteligente à esquerda de Alckmin? Na melhor das hipóteses, seus pares são profissionais da política que se movem de acordo com seus cálculos particulares e suas estratégias de micropoder. O resto é conversa para boi dormir.

E alguém ainda há de dizer: e o PPS?

20.8.12

Diga-me com quem andas...

A cidade de Campinas, assim como outras tantas do Brasil, viu avançar nos últimos anos os lançamentos imobiliários destinados a todos os públicos e gostos. Embalados pelos incentivos fiscais concedidos pelo governo federal para estimular a construção civil - e incorporar milhões de trabalhadores ao mercado de trabalho - e pela maior oferta de crédito, construtoras e incorporadoras saíram à caça de boas oportunidades de fazer dinheiro.

Caberia a cada município definir as diretrizes urbanas, regular as áreas de expansão e investir na infraestrutura necessária para que esse bem facejo dinamismo do ramo imobiliário resultasse num processo virtuoso de melhoria das condições gerais de vida da população. Contudo, lamentavelmente, em muitas cidades falou mais alto o interesse dos negócios imobiliários. Em conluio com autoridades municipais, conseguiram aprovar a toque de caixa empreendimentos de alta rentabilidade, passando por cima de normas ambientais, dos planos diretores e das boas práticas de planejamento que deveriam orientar a expansão das cidades.

E foi esse o caso de Campinas, como ficamos sabendo à medida em que assessores e a própria esposa do ex-prefeito Dr. Hélio foram denunciados pelo Ministério Público, acusados de receber vantagens em troca da facilitação a projetos imobiliários. Foi um trauma para a cidade que pouco antes havia dado grande voto de confiança ao então prefeito, reelegendo-o com quase 70% dos votos em 2008. Como consequência, Campinas mergulhou numa crise política profunda, que paralisou a gestão e culminou com a cassação do prefeito e se vice e com a eleição indireta do então presidente da Câmara, o vereador Pedro Serafim.

Passados menos de seis meses, entretanto, o cidadão campineiro assiste a um novo lance inusitado desta relação promíscua entre o chefe do executivo municipal e os negócios do setor imobiliário. Como revela uma ampla reportagem publicada no jornal Valor Econômico de hoje (leia aqui), desde que assumiu em abril de 2012, a gestão de Serafim tem se notabilizado, de um lado, por "destravar" projetos viários que fazem a alegria de grandes empreendedores imobiliários e, de outro, por usar sua base na Câmara para "frear a tramitação do projeto de zoneamento urbano da cidade" (Valor Econômico, p. A10, 20/08/2012).

É mais um capítulo da tragédia política que atinge a cidade há décadas. Torço para que seja o último.



19.8.12

Sopro na veia

Porque é domingo, o sol tá sangrando o pasto, o frango tá no tacho, é hora de sopro na veia: Brassroots!!!



Brassroots by Brassroots on Grooveshark

Gemini Rising by Brassroots on Grooveshark

18.8.12

Porque Pochmann é favorito em Campinas

Há grande ansiedade entre aqueles que vivem mais antenados ao mundo político quanto à atual letargia do processo eleitoral. Faltando 50 dias para o primeiro turno, as cidades parecem ainda não ter despertado para a disputa. Fora um ou outro cavalete mal ajambrado nas ruas ou um carro de som estridente, a eleição teima em não pegar.

Em Campinas, onde acompanho mais de perto, a situação não parece diferente. À parte meia dúzia de celerados que esgrimam a retórica na internet e nos botecos, aqui também a indiferença e incerteza é que dão o tom.

Contudo, como bem analisa o cientista político Antônio Lavareda (veja matéria do Valor aqui), o cenário deve mudar radicalmente com o Horário Eleitoral Gratuito, que começa neste dia 21 de agosto. Analisando eleições municipais de anos anteriores, Lavareda ressalta o fato de que, ao contrário do que ocorre nas eleições para governador ou para presidente, nas eleições municipais a propaganda de TV tem um impacto muito maior, chagando a entregar 9 pontos por semana para candidatos iniciantes que disputaram as eleições de 2008. Por ser realizada "solteira" (diferente das outras), a eleição para prefeito reserva um tempo de TV e rádio muito mais extenso aos candidatos e um número muito superior de inserções diárias (os tais "spots"),  produzindo frequentemente reviravoltas inesperadas num curto espaço de tempo. Além disso, eu acrescentaria que, diferentemente do que acontece na disputa para governador ou presidente, na eleição para prefeito as surpresas são maiores também porque, com frequência, o pleito é disputado por candidatos que partem de condições muito desiguais. É principalmente nas cidades que os novatos iniciam sua trajetória política e, portanto, os candidatos que carregam "recall" de eleições anteriores, ao mesmo tempo em que partem de uma situação aparentemente confortável (são os únicos que são conhecidos dos eleitores), ficam expostos ao "efeito novidade", sem ter tempo suficiente para esgrimar com o adversário em ascensão.

Pois, em Campinas vivemos exatamente uma situação como essa. De um lado, dois candidatos tradicionais, vinculados a grupos políticos que parasitam a política local há décadas e, de outro, o candidato do PT, Márcio Pochmann, ainda desconhecido da grande maioria da população, mas que tem uma trajetória claramente diferente de seus principais concorrentes, com uma biografia notável, com passagens relevantes no mundo acadêmico e na gestão federal.

Mas, será que tudo isso basta para considerar a candidatura do Márcio como favorita?

Eu diria que sim, se levarmos em conta um outro importante aspecto que caracteriza o atual pleito em Campinas. Por conta de décadas de gestões marcadas por crises e turbulências, o cidadão campineiro, mais do que em outras cidades do país, manifesta um claro desejo de mudança na política local e, mais do que nunca, pretende votar em alguém que seja capaz de trazer sangue novo à esfera municipal e compromisso com a coisa pública. E, conforme apontam os oráculos das "qualis" (pesquisas qualitativas que são feitas com diferentes grupos sociais para avaliar um candidato ou uma situação), o eleitor campineiro deseja votar na eleição do dia sete de outubro em alguém que tenha exatamente o perfil do candidato do PT. A questão é que, até o presente momento, o eleitor não o conhece e, portanto, não teve a oportunidade de vincular as qualidades que espera de um candidato à pessoa Márcio Pochmann.

A partir desta semana, porém, esse vínculo começará a se estabelecer e, tenho certeza, será a fagulha necessária para alçar a candidatura Márcio Pochmann à vitória.

16.8.12

De volta à lida

Passei seis meses longe deste blog, mas a tese de doutorado não se moveu. Concluo que não eram os atrativos da blogosfera que me impediam a deslanchar.

Portanto, volto à lida, até porque estou empenhado na campanha a prefeito na minha cidade, trabalhando para a eleição do Márcio PochmannE, como deve saber o leitor, em tempos de eleição é muito difícil resistir ao papiamento sem fim que fervilha no mundo virtual.


Para esquentar os motores e tirar o atraso, começo com um convite para que assistam nesta sexta, dia 17 de agosto, às 19hs, um debate na TV POCHMANN, sobre o tema da "Democratização da Cultura e da Comunicação", com a participação de Emir Sader e do próprio Márcio Pochmann.


10.7.11

yamaga, ainda que fosse apenas pelo aroma

Quem acompanha a mais tempo este blog, deve ter notado que, sob o tema "cinza is beautifull", reúno os posts que tratam de lugares notáveis garimpados no enrosco das grandes cidades.

Pois, ontem, descobri mais um: o Yamaga.

Permitam-me, porém, um preâmbulo, um antepasto.

Vinte anos atrás, tranquei a faculdade e fui com minha namorada - hoje minha companheira e mãe de meus filhos - passar uma temporada em Londres. Sem falar inglês, o primeiro emprego que consegui foi como lavador de cumbuca num restaurante japonês.

Mas não era um restaurante qualquer. Era, talvez, o japonês mais "in" da cidade. A começar pela porta de entrada, sem nenhuma placa ou qualquer indicativo de que se tratava de um restaurante. Apenas uma porta preta que dava acesso ao subsolo de uma também solene loja da Maserati. Para frequentar o lugar, só com a indicação de alguém e reserva prévia. Do lado de dentro, doze mesas apenas, cada qual em sua salinha de tatame. As garçonetes, importadas do Japão, não falavam inglês. Só o gerente conhecia o idioma. Na cozinha, quatro ou cinco japoneses de facas na mão e calçados naqueles tamancos de madeira que se apoiam em duas traves. Ao lado, num beco de 2m², eu, o único ocidental, ante uma pia enorme, abarrotada dos mais variados utensílios de bambu e as infinitas cumbucas.

Era ali que eu passava meus dias, sem precisar de qualquer idioma, apenas gesticulando com a cabeça e sentido os aromas que cruzavam a janela através da qual as pequenas gueixas me passavam as cumbucas. Todos os dias, invariavelmente, chegava à minha janelinha alguma cesta de tempurás com um ou dois enormes camarões empanados, desprezados por algum cliente esnobe ou sem tempo para os prazeres. Pois eram os melhores camarões da terra.

Volto ao dia de ontem, Rua Tomás Gonzaga, bairro da Liberdade. Por indicações de amigos, sempre que estou por lá, vou ao Hinodê ou ao Gombe, dois tradicionais restaurantes japoneses apreciados pelos paulistanos. Mas, ontem, titubeamos e resolvemos nos arriscar por um local desconhecido. Por uma fresta de porta enxergamos um balcão (sushi-bar) que nos chamou a atenção. Era o Yamaga, nº66.

Sentamos, claro, no balcão, de bela e confortável madeira branca. À nossa frente, um japonês esquálido, com sete olhos, quatro braços, dezoito facas, um copo de uísque. Fui lhe pedir o cardápio e tomei um "moça traz". Virei para o lado, em busca da moça, e tomei uma baforada da cozinha.

Direto do hipotálamo me veio a lembrança do restaurante de Londres. Tantos anos depois, tantos japas visitados, me reencontro com aqueles aromas que me traziam as cumbucas.

Entusiasmados, pedimos um "combo" cada um - lá o combo é individual. Enquanto aguardávamos, apreciávamos o ambiente, os nomes de clientes cativos nas garrafas de uísque na prateleira: Sr. Park, Sr. Nakagawa, Sr. Hidetoshi, outro Naka e, acima, no canto esquerdo, Sr. Jacard - ao que me seguiu um frio na espinha.

Do centro de seu pequeno reino, o Sr.Toshiso Nonogushi comandava com poderes absolutos todas as ações da casa: "Pati, limpa mesa 3"; "Roberta, leva Teishoku"; "Pati, pega gelo Chefe". E a Pati: "O Chefe tá vermelho como um camarão". E ele: "Chefe uísque". Isso tudo, sem tirar a mão esquerda da panela de arroz, de onde preparava os bolinhos para depois cobri-los com as fatias de peixe. Aliás, no Yamaga, não são exatamente "fatias". Mais correto seria chamar de pedaços, pois o Sr. Toshiso serve o peixe em bitelos mais grossos, com estranhos cortes na diagonal - feito que só é possível graças à qualidade do peixe. Segundo ele, o segredo está na hora de comprar o peixe ("tem que ser gordo"), tarefa que, evidentemente, cabe apenas a ele.

E de fato, o peixe servido no Yamaga é muito superior ao que se come em outros lugares. Chega a ser intrigante. Como é que uma comida tão simples, com pouquíssimos ingredientes e servida crua, pode variar tanto?

E o tempurá? Ahhh, o tempurá.....

29.6.11

a pública: a urtiga

Porreta a iniciativa das jornalistas Marina Amaral, Natália Viana e Tatiana Merlino (todas ex-Caros Amigos) que botaram no ar a página "A Pública", nada menos que uma promissora "Agência de Reportagens e Jornalismo Investigativo".

De saída, 50 traulitada produzidas a partir de documentos do Wikileaks que estão sendo distribuídas a cada duas horas ao longo dessa semana.

E o engraçado da história é que a trupe dos jornalões, que andava dizendo que a internet, os blogs e sites, nada mais eram do que caixa de ressonância da velha mídia, está agora com o olho pregado na Pública esperando o próximo drops, sabor pólvora.

Pois, vamos logo a elas. O link já está devidamente posicionado ali do lado direito, na Redondeza.

Parabéns muchachas!

ET: enquanto isso, no site do Estadão, jornalão por excelência, o que resta é a produção de um parrudo factoide. Aproveitando-se da aura suspeita que cerca o prefeito de Campinas, o jornal estampa em letras garrafais um "grampo" que trataria de um suposto lobby do Dr. Hélio com o marketeiro de Dilma em favor de uma empresa chinesa. Ouça aqui o áudio, disponibilizado pelo mesmo jornal que produziu o factoide, para perceber como não há absolutamente nada de ilegal, irregular ou anti-ético na conversa dos dois. Aliás, o Prefeito deixa claro que se trata de uma decisão de investimento já tomada pela empresa, em favor de Campinas, e que se trata de uma oportunidade - legítima e corriqueira - da Presidenta Dilma, que estaria na cidade, participar do anúncio oficial do investimento da multinacional.

Lamentável! De minha perspectiva, a ilegalidade do episódio está apenas e tão somente na divulgação de uma gravação que foi produzida com autorização da justiça para investigar suspeitas de corrupção na prefeitura de Campinas e que não tem qualquer vínculo com o teor da conversa sobre a qual montaram o factoide. Seria ótimo que o Ministério Público Paulista, responsável pelas investigações em Campinas, se comprometesse, primeiro, a apurar como o material vazou de seus processos e, segundo, a defender o interesse do público ante a patente e irresponsável má fé do "furo" jornalístico desse carcomido jornalão.

25.6.11

a moratória que revigora

Enquanto o clima de tensão pré-colapso se espraia entre os europeus, a prestigiosa e conservadora revista The Economist publicou dias atrás em seu site uma nota acabrunhada sobre um estudo no qual são analisados vários casos de moratória de dívidas soberanas (os ditos defaults). Comparando diferentes experiências desde 1999, o tal estudo aponta que, ao contrario do que costumam vaticinar os 'analista do mercado', o desempenho econômico dos países que declararam moratória melhora sensivelmente no período pós-calote.


De fato, como se observa no gráfico acima, com exceção de economias cronicamente inviáveis (Belize, Camarões ou Granada), em todas as demais as taxas de crescimento do PIB pós-calote  (em azul escuro) dão um salto quando comparadas às taxas pré-calote (em azul claro).

Veja-se, por exemplo, como melhorou a vida de nossos vizinhos uruguaios: nos anos que antecederam ao default, amargavam uma recessão que se aproximava de -3% do PIB; declarada a moratória, o PIB só faz crescer, a uma taxa quase chinesa, que hoje já é superior a 8% ao ano.

Mas os números divulgados pela The Economist não revelam apenas esse caráter virtuoso das moratórias. Deixam claro também que são justamente as baixas taxas de crescimento do PIB que muitas vezes levam os países à situação de insolvência. Dessa perspectiva, a decisão de não pagar é o último ato de uma tragédia anunciada e representa apenas o momento de acerto de contas com o passado. Baixado o pano, o país estará livre para a retomada do crescimento em uma nova base, com menor endividamento e menores riscos.

Curiosamente, não li nem ouvi nossos mídia-ligeiras tocarem no assunto.
Pois, market-friendly que são, deveriam estar mais atentos ao jogo.Tais números apenas atestam o que há muito sabemos: trata-se de capitalismo em estado bruto - capital en su tinta! Moral à parte, uma vez declarado o default, a nação ex-caloteira é rapidamente perdoada e abre-se terra virgem a novas rodadas de acumulação capitalista. O apetite dos homens se encarrega do resto.