17.8.14

o espectro de jânio quadros

Há um incômodo ranço no ar. Os dias que correm não repetem nem coincidem exatamente com as notas históricas do período conhecido como "4ª República", que vai de 1946 a 1964. Contudo, observadas as tônicas e as ordens dos compassos, é possível encontrar algum paralelismo entre a toada dos últimos 20 anos e aquela que marcou o período democrático que se seguiu ao fim da IIª Guerra .


Senão, vejamos.

No primeiro compasso (Governo Dutra, 1946-1950), tal qual no período FHC (1995-2002), tivemos a marca do liberalismo, do internacionalismo, da ortodoxia econômica e do descompromisso com os interesses populares. Rejeitados pelas urnas, não conseguiram fazer seus sucessores e deram lugar a governos de presidentes carismáticos (Getúlio entre 1951-54, Lula entre 2003-10), apoiados pelas camadas populares, ambíguos na macroeconomia e que deixaram como principais marcas: os aumentos do salário mínimo, as apostas no petróleo nacional (GV criou a Petrobras, Lula descobriu e avançou com o Pré-Sal), o impulso do BNDE(S) (GV foi seu criador e Lula lhe multiplicou por três os fundos para financiamento).

Entre os governos JK e Dilma, outras similitudes são possíveis, a despeito dos diferentes contextos internacionais e dos resultados muito mais expressivos do governo do primeiro. Em ambos, se pode notar o planejamento estatal como eixo estruturante dos respectivos governos (muito mais exitoso no Plano de Metas do que no PAC), além da preocupação com a expansão da infraestrutura ou ainda o vento favorável dos investimentos estrangeiros diretos para cobrir déficits crescentes nas transações correntes. Outro traço que marca os dois períodos é o desconforto da sociedade com as instituições públicas (sistema tributário, sistema político, códigos jurídicos, etc,) e os impasses que encerram.

Finalmente, avançando pelos compassos, o ano eleitoral de 2014 também dá mostras de preocupante similaridade com o ano de 1960. Aqueles impasses institucionais e a descrença na política que deles decorrem abrem um perigoso vazio político. Em sessenta, no campo da situação, o vazio advinha da ausência de um nome de peso para dar curso ao desenvolvimento praticado por GV e JK; em 2014, embora haja uma candidata da situação, (infelizmente) ela não é vista pela maioria do eleitorado como o nome ideal para dar sequência aos projetos iniciados por Lula. Além disso, então como agora, uma pequena oposição orgânica, embora estridente e fortemente apoiada por uma imprensa reacionária e liberal, não dispõe também de um nome forte capaz de polarizar a disputa com o governo de plantão. Em 1960 (quando a eleição era em turno único) decidiram apoiar um aventureiro que talvez pudesse quebrar a a espinha do varguismo. Hoje, com dois turnos, lançam um candidato para cumprir tabela, mas certamente estarão juntos de qualquer outro que tenha a chance de interromper o avanço dos governos petistas.

E não mais que de repente, como que por obra de um Deus Ex-Machina a martelar a história, uma reviravolta trágica alça Marina Silva como um novo Jânio a navegar pelo limbo político.

E muitas são as semelhanças entre os dois:

1º) são personalistas e inorgânicos: não ascenderam politicamente de nenhuma classe ou agrupamento político específico, nem sequer dispunham de uma estrutura partidária robusta ou de um projeto claro de país.
2º) o discurso moralista: Jânio e sua vassourinha sintetizavam a perspectiva de uma classe média desorganizada que se via ameaçada pelo fantasma do estatismo e pelas notícias de corrupção que acompanhavam o trajeto desenvolvimentista. Marina Silva, prescinde da vassoura e com aura de beata se apresenta impoluta, predestinada e messiânica a defender a harmonia idílica do mesozoico.
3) Ambos emergiram do povo: professores de ensino secundário, antíteses da figura do político oligarca que habita o imaginário da opinião média; voluntaristas, destemidos e desconectados das entranhas funcionais que fazem andar a sociedade.

Por tamanha similitude, não há exagero em imaginar os que riscos de crise institucional que se materializaram com Jânio também poderão vir à tona em uma hipotética vitória de Marina Silva. Sem estrutura partidária, sem vínculos orgânicos, sem um projeto de país, Marina Silva representa uma aventura messiânica incapaz de dar conta da complexidade econômica, social e política de um país como o Brasil. Sua vitória seria disruptiva e uma ameaça concreta para o esforço de retomada do desenvolvimento que, a duríssimas penas, temos perseguido nos últimos 12 anos.

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