17.8.14

a nova dimensão paulista

Há alguns anos, a NASA divulgou imagens da Terra vista de noite. Belíssimas. Em meio ao azulão profundo, a costa leste dos EUA e a Europa aparecem como constelações vibrantes, espécie de Via Lactea do progresso. Abaixo do equador, porém, esparsos pontos de luz revelam o descompasso do desenvolvimento. As nações periféricas brilham muito menos, também aos olhos dos satélites.

No Brasil, onde por extensas regiões não se enxerga uma única piscadela, apenas na costa sudeste se percebe uma concentração de luzes comparável àquela que se espraia pelo mundo desenvolvido. Num formato que lembra o de uma mão aberta, nota-se que, a partir de uma mancha larga, estendem-se cinco raios, como dedos, cada qual apontando para uma direção do interior. Trata-se do estado de São Paulo: a megalópole sobre o planalto e, sobre as pegadas bandeirantes, os cinco eixos de economia pujante.
E o que nos dizem essas cicatrizes que se avistam do céu?

Contam-nos que as tecnologias da IIª Revolução Industrial (o aço, a eletricidade, o petróleo, o motor a combustão, o automóvel, etc.), que dinamizaram o capitalismo no século XX, também se fizeram presentes por aqui e transformaram profundamente essa região do país. Sobre um tabuleiro fertilizado pelo dinheiro do café, ergueu-se no estado de São Paulo o palco maior da industrialização brasileira.
Efeito reflexo, as forças concêntricas da acumulação capitalista fizeram cristalizar neste mesmo estado os grandes polos do poder contemporâneo: as finanças, os boards das corporações, os órgãos de imprensa, os sindicatos, os partidos políticos.

Quanto aos raios que se estendiam para o interior, indicavam que as punções do desenvolvimento capitalista se desdobraram para algumas importantes regiões do estado, induzidas por investimentos governamentais que trataram de instalar polos industriais em pontos estratégicos do mapa estadual, articulando as fontes de matéria prima aos setores industriais que se irradiavam desde a capital. Foram estes, por exemplo, os casos da região de Campinas, que além de uma refinaria de petróleo (em Paulínia), recebeu diversos centros de tecnologia e pesquisa (CTI, Telebrás, CPQD, Sincrotron, Unicamp, etc.) ou de São José dos Campos, agraciada com outra refinaria e investimentos relacionados à tecnologia aeroespacial (CTA, ITA, Embraer).

No litoral, o porto de Santos, outra resultante do passado cafeeiro, serviu e foi servido pelo vigor da industrialização. Continua sendo o maior porto da América do Sul, responsável pela movimentação de 25% de nosso comércio exterior e por onde passam mais de 1/3 do PIB brasileiro.

Por tudo isso, esse grandioso passado colocou São Paulo como estrela maior do desenvolvimento nacional. Mas o Brasil mudou. A profunda crise que atingiu a economia brasileira nos anos 80 e que resultou em duas décadas de estagnação econômica foi mais ainda uma crise paulista. A outrora locomotiva da nação tem caminhado a taxas mais modestas do que o resto do país. Entre 2002 e 2010, enquanto a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 4,1%, ao ano, a de São Paulo ficou em 3,6%. Claro que São Paulo ainda é - e por muito tempo será - o mais importante estado do país. Mas as últimas três décadas revelam que está em curso um processo de desconcentração do parque produtivo nacional, seja por mérito das políticas de desenvolvimento experimentadas em outras regiões do país, seja pela passividade da condução política no estado. De 1985 para 2009 a participação de São Paulo no PIB nacional caiu de 37,6% para 33,4%. Em relação à indústria manufatureira, a queda foi ainda mais abrupta: de 52%, para 42%.

Isso, porém, não deve ofuscar outra tendência importante que se observa na dinâmica interna do estado: enquanto o ritmo de desenvolvimento arrefece na capital, ao interior do estado reserva-se ainda um horizonte com grande potencial de desenvolvimento.

A capital e seu entorno dão claros sinais de fadiga. O gigantismo e a complexidade que caracterizam essa enorme metrópole indicam que talvez se tenha aproximado daquilo que os economistas consideram como uma situação sujeita a “rendimentos decrescentes de escala”. Ou seja, quanto maior é, pior fica.

De fato, há diversos indícios que apontam para o crescente transbordamento econômico em direção ao interior de São Paulo. Hoje, metade da riqueza produzida anualmente no estado de São Paulo é procedente do interior, algo próximo de R$ 700 bilhões e que corresponde a 1/6 do PIB nacional.

Por sua vez, quando nos detemos a observar o interior, notamos que o desenvolvimento econômico que catapultou o estado no último século produziu também lá uma divisão bastante nítida: a banda de cima e a banda de baixo do Rio Tietê. Na de baixo (lado sul),
atravessada pelos eixos da Castelo Branco e da Regis Bitencourt, percebe-se o predomínio de municípios mais pobres, cujas populações têm menor escolaridade e menor expectativa de vida e, portanto, com um padrão de vida mais característico das nações em subdesenvolvidas. Nessa região, prevalecem ainda as atividades agrícolas, com forte crescimento das áreas de reflorestamento, voltadas à produção de celulose e, portanto, não há vetores econômicos que nos autorizem imaginar uma guinada produtiva da região nos próximos anos.

Já na banda de cima (lado norte) se encontram os municípios de maior riqueza, com melhores índices de escolaridade e de longevidade. Os paulistas que ali habitam vivem numa região de grande prosperidade que, em muitos aspectos, lhes permite gozar de um padrão de vida semelhante ao dos países desenvolvidos. E é por essa banda norte do estado que atravessam os três mais reluzentes eixos avistados do satélite: o da Via Dutra (sobre o Vale do Paraíba), o da Anhanguera (passando por Campinas até Ribeirão Preto) e o da Rodovia Washington Luiz, (que se estende até S. José do Rio Preto).

Ciente das particularidades dessa região e de seu grande potencial econômico articulado aos negócios da capital, o governo paulista instituiu em 2008 uma nova unidade territorial denominada “macrometrópole”. Trata-se de um polígono que reúne as regiões metropolitanas de Campinas, de São José dos Campos e a Grande São Paulo. E é certamente desse importante bloco regional que deverão emergir as forças que induziram o novo desenvolvimento que o país espera experimentar nas próximas décadas. Primeiro, porque depois de anos de inanição, há um número considerável de projetos de infraestrutura que deverão impactar fortemente essa área - vale mencionar, por exemplo, a ampliação de Viracopos, que deverá se tornar o maior hub da América Latina, atendendo a 70 milhões de passageiros/ano, ou ainda a construção do Trem de Alta Velocidade, com enorme efeito multiplicador sobre a produtividade regional. Em segundo lugar, porque com o avanço da exploração do pré-sal, estima-se que além do grande impulso econômico sobre a região litorânea (de Peruíbe a Caraguatatuba), deverá haver ainda uma convergência econômica e tecnológica entre esse setor e o aeroespacial, visto que os desafios relacionados à demanda por equipamentos de acesso remoto e controle à distância são comuns a ambos. Por fim, em função dessa região contar com grande concentração de universidades e centros de pesquisa, espera-se que as exigências de inovação que necessariamente decorrerão da retomada do desenvolvimento do país farão convergir nesse polígono empreendimentos capitalistas com elevada capacidade de gerar de valor agregado, devolvendo ao estado de São Paulo o dinamismo que as últimas décadas lhe tiraram.

Artigo publicado originalmente na Revista Meio&Mensagem, edição de maio de 2012.

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