Mas se esqueceram de dizer a verdade - o que é deplorável e muito grave, considerando que o assunto é da maior relevância e que, ao contrário do que repercutem os mídia-ligeira, os números trombeteados estão muito distantes da realidade.
Para analisar o peso do setor público sobre a economia deveriam retirar da conta todas aquelas despesas que correspondem a transferências de recursos que apenas são intermediados pelo setor estatal.
Como se pode observar na figura abaixo (baseada em estudo do IPEA), todas as fatias em tons de azul correspondem a pagamentos realizados pelos órgãos públicos que se destinam a bolsos privados (15,3%). É o caso, por exemplo, das aposentadorias do setor privado (6,9%), das aposentadorias do setor público (4,7%), do FGTS, do Bolsa Família, Subsídios, etc. Não faz o menor sentido dizer que trabalhamos para pagar estas despesas sem considerar que, a depender da nossa condição social (aposentado, desempregado, invalido, etc), receberemos esses recursos de volta.
Porém, além destas transferências diretas, há uma outra importante porção de recursos públicos que se destina a custear os encargos da dívida pública (os famigerados Juros) que, em 2008, representaram 5,6% do PIB ou 21 dias de trabalho. E, é bom lembrar, que esses 21 dias de suor de cada um de nós destinam-se a manter cheios os bolsos dos 0,5% dos brasileiros que estão sentados no topo da pirâmide - estima-se que cada um desses abençoados recebam aproximadamente R$ 12 mil por mês a título de remuneração dos títulos públicos que mantém em suas carteiras.
Ou seja, retirando tudo que se refere apenas a movimentação de dinheiro entre bolsos privados (transferências diretas + juros), o que resta efetivamente para custear as despesas públicas corresponde apenas a 14,9% do PIB (ou 54 dias de trabalho). É tão somente com esses recursos - chamados de Carga Tributária Líquida - que os três níveis de governo pagam as despesas do SUS, das universidades e escolas públicas, da justiça, da segurança pública, das forças armadas, do legislativo, dos portos, das estradas, do metrô, e tudo mais.
Portanto, se tivessem algum compromisso com a verdade ou um mínimo de responsabilidade com o país, os mídia-ligeira deveriam fazer o seu carnaval com as Associações Comerciais lá pelo dia 23 de fevereiro e podiam inclusive mostrar tudo que se faz com esse tantinho de dias que se destina a custear o nosso setor estatal.
Em suma: de cada 2,5 dias que suamos a camisa para sustentar o governo, suamos um outro para sustentar um punhado de endinheirados que flanam nas asas dos títulos públicos.
Com o que será que devemos nos indignar?
PS: para uma comparação internacional, veja o documento do IPEA clicando aqui.
Marcelo, é bom lembrar que entre os compradores de títulos públicos estão os fundos de pensão tanto de estatais quanto de privadas. Os bancos também compram títulos públicos e mantem cadernetas de poupança e fundos para pequenos investidores, como eu ou você que quando vendemos um bem (carro, imóvel) e precisamos aplicar por um ou dois meses buscamos papéis de baixo risco. Mas juros são realmente terríveis, seria melhor se o governo em vez de se financiar pelos papéis e a inflação que conseguisse investir apenas o que recebe, zerando as dívidas.
ResponderExcluirGeorges, é verdade que os títulos públicos são comprados por diversas instituições e pessoas. Porém há estudos que indicam que 70% desses papeis estão na mão de aproximadamente 1 milhão de brasileiros. Quando fiz menção aos R$ 12 mil mensais de "bolsa juros" que esse 1 milhão recebe, já desconsiderei do cálculo o quinhão (30%) que se destinam a outros investidores (fundos de pensão ou pequenos poupadores).
ResponderExcluirNeste ano, por exemplo, estima-se que pagaremos R$ 200 bilhões de juros. (Como "só" 70% vai para o bolso dos brasileiros de bem, pode-se concluir que estes caras ficam com R$ 140 bi, que divididos por 1 milhão, resulta em uma bolsa anual de 140 mil per capita).
Quanto à questão do financiamento do governo, diria que o problema é exatamente o oposto: os juros não existem para sustentar o déficit; é o déficit que existe por conta de 20 anos de juros altos - os mais altos do mundo. A dívida pública, que era de 60 bi em 1994, é hoje de 1,5 tri, sendo que na maioria desses anos o governo teve superávit fiscal primário (receitas - despesas operacionais). O déficit só aparece quando se consideram as despesas financeiras.