8.4.10

em suma, o capital

Sereno, conduzindo a bola a passos largos e trocando passes precisos - sim, leitor, como fazia o maestro Ademir da Guia - o professor Belluzzo protagonizou na noite de ontem mais um excelente seminário sobre "O Capital" de Marx.

Partiu do debate sobre a relação entre capital produtivo e capital financeiro (ou taxa de lucro e taxa de juros), que compõe o Livro III, e que tanta confusão provoca.

De cara, uma observação fundamental: a forma de reprodução do capital a juros (D-D'), antes de representar uma anomalia ou uma hipertrofia do processo de acumulação capitalista, é a expressão suprema de seu aperfeiçoamento. Diz o Belluzzo: "é como capital a juros que o capital se aproxima de seu conceito"

Portanto, ao contrário do que advogam muitos interpretes do capitalismo atual, entre o capital produtivo e o capital financeiro há uma evidente relação funcional, em que o primeiro se subordina ao segundo. Assim, não cabe reduzir a acumulação financeira a uma função de mediação entre fundos de crédito a alimentar a acumulação produtiva. Ao contrário, é a expectativa de rendimentos da esfera financeira (por isso capital fictício) que viabiliza as inversões produtivas e, em última instância, a taxa de lucro.Nesse sentido, o conceito de "financeirização", empregado para caracterizar o capitalismo das últimas três décadas, deve ser entendido apenas como atinente ao fato de que se verifica uma crescente amplificação da diferença funcional entre o capital a juros e o capital produtivo.

Ora, isto posto, cabe refletir sobre quais as bases materiais de tal processo de acumulação. Se a taxa de juros é determinada pela expectativa de renda descontada do futuro ao valor presente e se é essa, em última instância, que determina o volume de inversões produtivas, e portanto, a taxa de lucro presente, pode-se dizer que, quanto mais avança o capitalismo em seus aspectos financeiros, mais o capital se despreende de suas bases materiais. Dito de outra forma, se é o capital fictício que conduz a economia e se esse se orienta por uma relação especular (especulativa) quanto ao futuro (por isso fictício para Marx e radicalmente incerto para Keynes), podemos dizer que à medida que se desenvolve, o capital de desmaterializa.  Ou seja, tendencialmente o capital se desvincula do presente, de significados ex-ante, vira um espectro de sí mesmo e -como bem complementou o colega Renato -se aproxima do puro movimento/processo. Um símbolo abstrato da qualidade de não ter sentido, o fetiche em torno de substâncias em eterna e radical mutação, a cristalização abstrata do efêmero.

É mole?

- Interrompidos a tempo de fazer uma última refeição, deixamos o que resta (...) do debate para uma próxima.

Um comentário:

  1. ...ou: a abstração cristalizada do efêmero, ou ainda: o efêmero cristalizado numa abstração.

    òtima exposição.

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