16.8.10

santiagas

Após 7 dias mergulhado em Santiago estudando o sistema de proteção social chileno, ressalto algumas das impressões que considero mais relevantes:

1) Nos 20 anos de Consertação Nacional (pós-Pinochet), houve um grande desenvolvimento institucional; é impressionante a qualidade de planejamento e gestão nas estruturas gerenciais do governo central;

2) Foi possível garantir continuidade às políticas públicas, que seguiram uma trajetória coerente e de progressivo aperfeiçoamento;

3) Para garantir a difícil arte da intersetorialidade, de que tanto se fala no setor público, foi utilizada - nas áreas sociais - uma criativa estratégia de pactuação política, onde o órgão interessado em estabelecer uma ação com apoio dos demais, oferta a cada parceiro um tanto de seu orçamento, "comprando" para o seu público alvo o atendimento diferenciado ou especializado de que necessita;

4) A dicotomia "universalização x focalização" não é apropriada para compreender a realidade chilena. O Estado chileno, apesar de ter sido um dos mais destacados representantes do neoliberalismo, oferece um amplo cardápio de serviços públicos que, comparado ao Brasil, é bastante generoso em alguns aspectos (todo chileno tem direito a uma habitação; 100% dos lares têm água tratada e rede de esgoto; 100% têm acesso à energia elétrica; todos têm direito a 12 anos de ensino gratuito - e todas as crianças estão na escola, entre outros);

5) As políticas públicas de menor abrangência são a Saúde (que cobre 73% da população) e a Previdência (que depois da reforma da Bachelet garante pelo menos uma aposentadoria básica a todos os trabalhadores);

6) No final da década de 90, ao notar que o elevado crescimento do PIB não era suficiente para melhorar as condições de vida dos 5% mais pobres, o MIDEPLAN (ministério responsável pelas políticas de assistência social) deu início ao programa CHILE SOLIDÁRIO, que logrou grande êxito ao definir uma estratégia bastante singular de intervenção familiar. Focalizado para os 5% mais vulneráveis - definidos segundo um ranqueamento amplo que considera 7 dimensões da vida das pessoas - o programa Chile Solidário se destaca pelos seguintes aspectos:

- Todas as famílias com pontuação inferior à linha de corte, são visitadas semanalmente por um Agente Social (com formação superior) que define um plano de ação com a família para que ela acesse à rede de proteção social. A partir do plano, o agente visita semanalmente a família durante dois anos, acompanhando e ajudando no alcance das metas.
- Durante esses dois anos, a família recebe um bônus mensal em dinheiro para que possa ter melhores condições de acesso à rede de serviços sociais;
- Após esse período de dois anos (conhecido como Programa Puente), as visitas do Agente Social se tornam menos frequentes e o bônus diminui de valor.
- Além disso, existem programas similares para alguns públicos específicos: idosos que vivem sem companhia de familiares; crianças de 0 a 4 anos, para as quais são aprofundados os diagnósticos e as intervenções, considerando desde aspectos de saúde, como também cognitívos, psicológicos, etc.; crianças cujo pai ou mãe estejam presos, garantindo não só apoio psicosocial à família, mas também auxiliando no estabelecimento e manutenção do vínculo dos filhos com o pai preso - o mais interessante, é que o Apoiador Familiar ajuda a família a elaborar um caderno de mensagens que vai dos filhos para o pai preso e vice-versa, de tal forma que se mantenham em contato durante o cumprimento da pena. Assim, tanto filhos podem ter o sentimento de perda diminuído, quanto os país na prisão permanecem vinculados à família, ajudando na superação da solidão e ampliando as possibilidades de reinserção na sociedade.

Enfim, é muito interessante olhar de perto a tal "focalização" a la chilena. A meu ver, não se trata de limitar  o acesso universal, como pode sugerir uma análise mais apressada. Trata-se de ir à unidade familiar e estabelecer, caso a caso, os nexos necessários para que o seu desenvolvimento - em amplo sentido - seja o melhor possível. Creio que essa abordagem é especialmente importante para países como nosotros, que partem de uma estrutura social muito heterogênea, em que a simples garantia de direitos e serviços universais não é condição suficiente para que a oferta dos serviços públicos seja acessada de maneira equânime pelos distintos grupos sociais.

E fica a dúvida quanto ao novo governo. Há uma evidente tensão entre os gestores, quanto a sinais de reformas "market friendly" em andamento. Os próximos meses deverão ser especialmente reveladores dos novos ventos. A conferir.

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