28.9.09

uma pequena cereja

Numa semana de breve interregno nas leituras para os Seminários do IPECH, aproveito para postar uma carta (na verdade um cartão postal) escrita por Nietzche a um amigo, comentando sobre o seu espanto ao perceber em Espinosa um precursor de suas idéias.





Nietzsche
A Franz Overbeck na Basiléia (cartão-postal).
[Sils-Maria, 30 de julho de 1881]

Estou inteiramente espantado, inteiramente encantado! Tenho um
precursor e que precursor! Eu não conhecia quase nada de Espinosa;
que eu agora ansiasse por ele foi uma “ação do instinto”. Não só, que
sua tendência geral seja idêntica à minha—fazer do conhecimento o
afeto mais potente—em cinco pontos capitais de sua doutrina eu me
reencontro, este pensador, o mais fora da norma e o mais solitário, me
é o mais próximo justamente nestas coisas: ele nega o livre-arbítrio
—; os fins —; a ordem moral do mundo —; o não-egoísmo —; o mal
—; se certamente também as diferenças são enormes, isso se deve
mais à diversidade de época, de cultura, de ciência. In summa: minha
solidão, que, como sobre montes muito altos, com freqüência
provocou-me falta de ar e fez-me o sangue refluir, é ao menos agora
uma dualidão.—Maravilhoso! Aliás, meu estado de saúde de forma
alguma corresponde às minhas esperanças.Tempo excepcional também
aqui! Eterna variação das condições atmosféricas! — isso me leva
ainda a deixar a Europa! Preciso ter céu limpo durante meses, senão
eu não consigo avançar. Já 6 acessos graves, com duração de dois a
três dias!!

20.9.09

bentham, o precificador


Não sou capaz de dizer com exatidão quando foi que me defrontei com o neologismo "precificar". Não deve fazer mais do que dez anos, provavelmente menos. Mas me lembro bem do espanto que tive ao perceber a boçalidade do conceito. Inspirados pela euforia ideológica que emanava dos mercados financeiros, economistas passaram a empregar o termo para designar a ação de estabelecer um preço hipotético para coisas, fenômenos ou processos que não estão no mercado, mas que segundo esse "exercício" podem ser hierarquizados numa escala de valores monetários, de fácil interpretação e comparação.

Por exemplo, através de pesquisas de opinião e de aproximações estatísticas, a 'precificação' permite estabelecer o "preço" hipotético da Mata Atlântica ou do Pelourinho. Uma vez decifrados, pode-se compará-los com os custos para preservá-los e verificar sé é economicamente aceitável despender recursos para salvá-los. Se o "preço" for inferior ao custo de preservação, conclui-se que a sociedade não considera razoável gastar o montante de dinheiro com estes patrimônios e que, portanto, devem permanecer ao deus dará. Outro exemplo clássico da aberração do método é a tentativa de comparar os custos das políticas de saúde para crianças ou para idosos, vis-a-vis o preço (o benefício) de mantê-los vivos. Como obviamente, a vida de uma criança "vale mais" que a de um velho, conclui-se que os recursos públicos devem custear primeiro a saúde das crianças. Por assustador que pareça, Banco Mundial, órgãos da ONU, assim como órgãos governamentais brazucas, aplicaram com afinco tais sistemáticas nos anos recentes, seduzidos pela suposta objetividade do método.

Esqueceram-se que os preços mal servem para medir as coisas simples, seja porque existem Preços com "P" maiúsculos (como a taxa de câmbio, a taxa de juros ou os salários) que contaminam e "desvirtuam" os demais preços, seja porque os ditos 'preços de mercado' dizem mais das condições da oferta e da demanda do que do valor intrínseco do bem. Ou seja, pode-se dizer que um bem vale pouco (paga-se pouco por ele), não porque seja um bem desinteressante, mas porque as restrições financeiras do momento são de tal ordem que inviabilizam a "compra" do bem. Além disso, e muito mais importante, é o fato de que muitos dos bens para o qual se volta o apetite dos precificadores estão 'fora do mercado' justamente porque têm um valor absoluto (e não relativo, como ocorre no sistema de preços), cuja existência ou execução não deve depender das circunstâncias orçamentárias, determinadas em última instância no plano político e não econômico.

Enfim, a "precificação", tão em voga ultimamente, se algo mede, me parece ser a vulgaridade e a pequenez de nossos dias. Quem diria? Depois de tantas e boas reflexões acadêmicas, alguns séculos de riquíssimos debates econômicos, sociológicos e filosóficos, nossa sociedade adota como mântra-síntese os argumentos rastaqueras de Jeremy Bentham, obscuro filósofo inglês que viveu entre 1748 e 1832, cujas idéias serviram à construção do 'utilitarismo', reduzindo a dimensão econômica ao cálculo utilitário.

Para ilustrar a paternidade e a crueza a que me refiro, segue um pequeno trecho de J. Bentham, extraído de um manuscrito seu, datado de 1782, sete anos antes da Revolução Francesa. Notem como a "precificação" já estava lá, prontinha para ser "vendida" à sociedade que cumprisse a tarefa de retirar da cena outros princípios para a valoração das coisas da vida:

"Tendo em meu bolso uma coroa (moeda) e não tendo sede, se eu hesitar entre a compra de uma garrafa de vinho tinto para refrescar a mim mesmo e despender a coroa para prover sustento de uma família que, na falta de toda assistência, está prestes a perecer, tanto pior para mim: mas está claro que, por mais que eu continue a hesitar, os dois prazeres, por um lado a sensualidade, por outro, o da simpatia, teriam para mim exatamente o mesmo valor de cinco shillings (frações da moeda), seriam exatamente iguais. Peço aqui uma trégua a nosso homem de sentimento e afeto, durante o tempo em que, por necessidade e somente por necessidade, eu falo e exorto a humanidade a falar uma linguagem mercenária. O termômetro é o instrumento para medir a temperatura; o barômetro é o instrumento para medir a pressão do ar. Quem estiver insatisfeito com a exatidão desses instrumentos deverá encontrar outros mais exatos, ou então, dizer adeus à filosofia natural. Dinheiro é o instrumento para medir a quantidade de prazer ou de dor. Quem estiver insatisfeito com a exatidão desse instrumento deverá encontrar outro mais exato, ou então dizer adeus à política e a moral. Portanto, que ninguém se surpreenda ou se escandalize ao me ver, ao longo desta obra, avaliar todas as coisas mediante o dinheiro. Somente desta maneira é que podemos obter partes alíquotas para nossas medidas. Se não pudermos dizer que uma dor ou um prazer vale tanto em dinheiro, do ponto de vista da quantidade, será vão dizer qualquer coisa sobre isso, não haverá nem proporção nem desproporção entre os castigos e os crimes."

12.9.09

leviathan no banco central


Nesta semana, seguimos investigando o ambiente intelectual que cercava a Cambridge de Keynes, no início do século XX.

Sob a batuta do Prof. Sílvio Rosa e a varinha de condão do grande Prof João Manuel puxou-se uma linha que, partindo de Hobbes, conduz ao desenvolvimento do conceito de "cálculo racional", indevidamente usurpado pelos utilitaristas, como J. Bentham e S. Mill (pai e filho), do campo da teoria política para o da teoria econômica.

Não ousarei reproduzir aqui a trajetória percorrida pelos professores, mas motivado pelo assunto, arrisco abaixo algumas considerações sobre o pensamento de Hobbes que me parecem especialmente profícuas para o debate econômico que deverá nos acompanhar ao longo dos Seminários - vale dizer que muito me ajudou a leitura de "A Física da Política: Hobbes contra Aristóteles", livro de Yara Frateschi, filósofa e professora da Unicamp.

Jejuno nos temas da filosofia, sigo pé ante pé, sob grande risco de ainda assim errar:

(1) Hobbes procurava refutar a idéia clássica (Aristotélica) de natureza política do homem (homem = animal político). Para Hobbes, o homem age apenas e tão somente pelo "princípio do benefício próprio", pelo qual busca evitar a dor e realizar seus desejos (reduzidos a necessidades);

(2) Não há substância, nem sequer uma "razão reta" ou uma vocação à sociabilidade a priori a habitar o indivíduo; sua conduta segue apenas as regras de sobrevivência e portanto não há limites para a sua ação, desde que esta lhe proporcione benefícios tangíveis e imediatos;

(3) Portanto, aqui a racionalidade é reduzida à "razão calculadora", que se orienta a partir de referências externas (sensações, medos, memórias, necessidades), imaginadas (especuladas) como fontes de prazer e dor;

(4) Consequentemente, não se pode conceber conceitos como "escolha" ou "livre-arbítrio". O homem aqui apenas "delibera" para agir, sempre em benefício próprio, sem qualquer freio moral, social ou divino.

(5) Nesses termos, não tem cabimento supor que haja uma tendência de convergência entre a busca pelo benefício próprio e o bem comum.

(6) Pelo contrário, o "estado de guerra" deverá se impor como tendência, a luta de todos contra todos, sem qualquer possibilidade intrínseca (natural) de superação desta condição.

Qual a saída? Como escapar da guerra de todos contra todos?

(1) Não há saída individual;

(2) Não cabe - pois não há a priori e porque a razão calculadora é ineficaz - buscar "educar" os indivíduos para que aprendam a fazer coincidir seu interesse pessoal com o coletivo;

(3) É preciso lançar mão de um "artifício" capaz de atribuir valor aos objetos (referências/acontecimentos) externos.

(4) Este artifício é a instituição do Estado (de uma autoridade soberana), habitada por alguém falível e egoista como todos nós, mas dotada do poder delegado para fazer cumprir os "pactos sociais" que conseguimos imaginar como necessários para evitar a dor, mas para os quais não temos como garantir o cumprimento a partir da ação individual.

Até aqui, tudo bem. A "mecânica" filosófica de Hobbes, além de genial simplicidade, é intelectualmente confortável: reduz a política à sua dimensão pacificadora (sem maiores divagações sobre a substância dos indivíduos, quanto mais das classes) e larga no colo da humanidade a tarefa gigantesca de constituir o artifício político (Estado) capaz de dar sentido à sociedade, tal qual uma "comunidade de valores".

Bingo!

O problema é que, da robusta argumentação de Hobbes, retiraram a matéria-prima para calçar linhas de pensamento das mais diversas, muitas das quais, embora falaciosas, lograram enorme sucesso perante o público.

É esse o caso do chamado utilitarismo, que foi buscar na 'razão calculadora' as bases da 'racionalidade utilitária', segundo a qual os homens, empenhados em obter a máxima utilidade individual de suas ações, levam a uma transformação material que, no limite, beneficia a todos.

Ora! Jogaram a criança com a água do banho. Dizer que existe uma "razão calculadora" não implica de modo algum supor algum automatismo que levará ao progresso de nossa sociedade. Aceitar a razão calculadora, pelo contrário, nos alerta para a inescapável necessidade de construção consciente de uma instância soberana e artificial, cuja tarefa é coagir o indivíduo, subordinando sua busca pelo benefício próprio ao interesse comum.

Palpite meu: Keynes, embora não provenha de uma tradição hobbesiana, chega por outras vias (que certamente ainda estudaremos ao longo do tempo) a propor uma solução semelhante, porém talvez mais sofisticada, para justificar a necessidade da ação soberana do Estado ante as forças cegas do mercado. A idéia de uma "utopia monetária", apontada frequentemente pelo Prof. Belluzzo como o modelo de organização econômica da sociedade imaginada por Keynes, é, muito provavelmente, um exemplar - mediado pelos nexos financeiros - do artifício soberano de que falava Hobbes.

Dito de outro modo, me parece que Keynes, ante a constatação de que vivemos em uma "economia monetária de produção", onde o dinheiro deixa de ser meio e se transforma em fim (como já apontava a fórmula D-D' de Marx), enxerga no controle soberano da moeda e das decisões de investimento a única possibilidade de transcêndência sob a égide do capital.

PS: encontrei um artigo bastante interessante da Profª Yara Frateschi, elucidando algumas passagens controvertidas do pensamento de Hobbes relativas aos conceitos de racionalidade e de moralidade. Para acessar o texto, clique aqui.

6.9.09

mais escaninho que pífano


Meus caros, por conta de uma nova jornada em que acabo de embarcar, pretendo mudar um pouco o espírito deste blog. Acontece que há quatro semanas estou participando de um seminário de estudos sobre Keynes e Marx (nesta precisa ordem) que deverá se estender por dois anos. Como o tema é dos mais interessantes e a pauta extensa, sei que não terei fogo suficiente para as divagações que até agora moviam esse blog.
Ante o impasse, a saída que encontrei foi trazer pra dentro do blog - ou pra fora das quatro linhas - algumas das reflexões que estiverem rolando nas sessões (sempre às quartas feiras) do Seminário. Mato com isto dois coelhos: continuo soprando a chama do blog e ainda me arrisco a fazer uma experiência que há tempos me tentava, mas para a qual faltava o mote. Me refiro à possibilidade - aberta com a internet - de contribuir, ainda que muito modestamente, para que mais gente tenha acesso às boas e raras reflexões que acontecem em alguns rincões das universidades brasileiras.

É verdade que os temas econômicos não têm o mesmo apelo que os temas de literatura, que fervilham pelos Clubes de Leituras espalhados na blogsfera. Porém, não custa tentar. Na pior das hipóteses, me ajudará a botar as idéias no lugar e quem sabe divulgar um roteiro de estudos para alguém que se interesse pelo assunto, mas que pelas circunstâncias da vida não pode estar em um seminário como esse.

Dito isso, algumas questões de ordem:

1º) Os posts relacionados ao seminário serão arquivados sob o tema "Seminários do IPECH".

2º) IPECH significa "Instituto de Pesquisas e Estudos em Ciências Humanas", instituição vinculada à Fundação FACAMP, que tem na sua direção os Professores João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.

3º) O que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade. Não tenho procuração de ninguém, nem represento ou falo pelos professores que coordenam ou participam do Seminário.

4º) Tentarei publicar um post semanal tratando da sessão da quarta-feira anterior. Poderá ser na quinta, na sexta, mas certamente deverá estar no ar durante o fim de semana. É claro que a sisudez poderá ser intercalada por posts sobre outros assuntos, afinal, o Palestra estará sempre nas cabeças, os mídia-ligeira permanecerão babando contra o Lula (dá-lhe Pré-Sal), e sempre haverá um filme bom ou um boteco inesperado a ser compartilhado.

5º e último) Do que trata o seminário: os professores Belluzzo e João Manuel (idealizadores do seminário) propõem a leitura de Keynes e Marx fugindo à tentação de enquadrá-los a modelos formais ou de retirar deles leis gerais que aplaquem nossa ansiedade de compreensão e quiçá "solução" do capitalismo. Não se pretende, portanto, buscar qualquer trajetória mecânica, endógena, que nos conduzirá a uma sociabilidade melhor. No limite, trata-se apenas de encontrar a partir de Keynes e de um tanto de Marx uma perspectiva que coloque a ação política - provavelmente o Estado - como possibilidade de transcendência desta sociedade alienada pelo trabalho, pelo consumo ou pelo amor ao dinheiro.

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As primeiras sessões:

Durante esse mês de agosto, partimos da leitura de alguns textos de Keynes (As consequências econômicas da paz - 1919; O fim do Laissez Faire - 1926; As possibilidades econômicas de nossos netos - 1930; Minhas primeiras crenças - 1938), buscando entender melhor quais as influências filosóficas, culturais e institucionais que contribuíram na formação de Keynes - não apenas o economista, mas também o pensador "inconformista" e o pragmático funcionário do alto escalão do governo inglês.

Da leitura destes artigos, destaco os seguintes pontos:

1) Keynes tinha uma impressionante capacidade de entender o seu próprio tempo. No texto de 1919, em que ele explica os motivos que o levaram a abandonar a equipe inglesa nas negociações de paz, ao termino da primeira guerra, ele expressa com clarividência as preocupações com o futuro da Europa, antevendo fenômenos disruptivos a partir da Alemanha. Impressiona também a segurança que tinha para enxergar as determinações das variáveis econômicas num mundo que havia destruído as pontes com o passado (o padrão ouro, a hegemonia inglesa) e que ainda nada tinha colocado no lugar.

2) Em " O fim do Laissez Faire", Keynes já àquela época manifesta a fragilidade e a impotência da abordagem econômica tradicional - dita neoclássica - que via na economia de mercado e no individualismo utilitário a rationale capaz de equacionar o problema econômico ou de harmonizar interesses privados a objetivos sociais. Nesse texto, primoroso na desconstrução do castelo neoclássico, cuja arquitetura ele revela ser mais dos filósofos e divulgadores do que dos economistas, Keynes parece ter sido pego pela história. Ao considerar o laissez-faire como letra morta, Keynes talvez não tenha sido visionário o suficiente para imaginar a ressurreição do liberalismo no último quarto do século 20. Mrs Thatcher, Reagan, FHC e companhia não eram personagens críveis no futuro concebido pelo economista inglês.

3) Já a leitura, em paralelo, dos textos de 1930 e de 1938 traz à luz os pilares fundamentais do pensamento de Keynes. Por um lado, quando trata das "posibilidades econômicas de nossos netos" (escrito em 30), tentando imaginar o que seria deste mundo no início do século 21 (hoje!), Keynes demonstra seu otimismo com a dinâmica do capital, cuja força criadora seria capaz de reduzir dramaticamente o tempo dedicado ao trabalho, o fardo do labor, abrindo a porta para assuntos que deveriam ser os objetos primeiros da vida humana: a estética, o amor, a fruição do presente, "os fins acima dos meios". Olhando para os duzentos anos pretéritos do capitalismo e sua impressionante capacidade de acumulação (isto é, o crescente aumento da produtividade), Keynes conclui com sensatez que o "problema econômico", com o qual nos ocupamos desde que saímos do pântano, "não constitui o problema permanente da raça humana..." "pela primeira vez o homem enfrentará o seu problema real e permanente - como empregar a liberdade..., como ocupar o lazer que a ciência e o juro composto lhe terão conquistado, para viver bem, sabia e agradavelmente."

E, de fato, pelo menos no que se refere a atual capacidade de produção, as previsões de Keynes sem dúvida se fizeram cumprir. O dito "problema econômico", a secular luta pela produção escassa, que tanto aflige os economistas (de ortodoxos a marxistas), não é mais um problema real, mas apenas um mote da política e da moral de nossos dias. Superamos a escassez! Se vivemos ainda uma luta pela apropriação do produto, é porque ainda não aprendemos a viver e pensar este novo mundo.

E com boa dose de ironia, Keynes reserva o último parágrafo do texto para enquadrar os economistas nessa nova era que vislumbrava:

"...não nos permitamos superestimar a importância do problema econômico... Esse problema deve ser atribuído a especialistas - da mesma forma que a odontologia. Se os economistas pudessem dar um jeito de serem considerados como pessoas humildes e competentes, num mesmo nível que os dentistas, seria excelente!"

Por outro lado, como contraponto a esse texto de tom mais otimista, em que sugere a gradativa liberação do homem em relação aos problemas materiais, da sobrevivência, a leitura de "Minhas primeiras crenças", de 1938 é bastante interessante, pois nele Keynes busca refletir sobre outros desafios, certamente ainda maiores, de nossa contemporaneidade.

Recuperando a experiência e as leituras que fazia junto com o grupo de "Blummsbury", ele resgata a importância da Filosofia Moral, em especial a partir de G.E. Moore, na construção de uma vertente de indiviualismo radical que permitiu a ele e seu grupo passarem quase ilesos por dois poderosos campos magnéticos do pensamento ocidental do século 20: o socialismo marxista e o utilitarismo de Bentham e dos economistas neoclássicos. Descartando a moral vigente à época - seja a burguesa, seja a solidária, de matriz religiosa e socialista - o que inspirava aquele grupo era a radical defesa da moral "interna", que deveria fazer o sujeito agir, não de acordo com a utilidade/resultado (individual ou social) das suas ações, mas sim de acordo com as suas demandas ou aspirações imediatas, levando em conta apenas e tão somente o absoluto compromisso daquele ato com suas crenças e desejos mais profundos (uma "religião pagã").

É importante notar que esta filosofia um tanto radical que emanava de Moore e fazia a cabeça da rapaziada em Cambridge, era matizada em Keynes, no sentido de servir de pano de fundo para a concepção de uma sociedade melhor (ideal?) e não um código de conduta individual. Aliás, ao final do texto, Keynes lamenta que a experiência de Blummsbury, apesar do êxito de resistir a outras influências apaixonadas daquele tempo, não tenha sido capaz de encaminhar uma discussão mais vigorosa sobre a sociedade, ficando restrita à dimensão do indivíduo - o que afinal, certamente ele sabia, seria uma contradição com as próprias motivações daquele grupo.

Paro por aqui, pois neste dia 10 teremos mais uma sessão dedicada a esse texto de Keynes. Portanto, volto a ele no próximo post.

2.9.09

outro blogcídio


Agora foi a vez de José Saramago saltar das teclas, deixando seu blog à deriva, tal qual uma ilha de deliciosos posts esquecida em meio ao oceano. Tá certo que a causa é nobre - quase sempre o é, são os projetos de mais fôlego - mas é perda que não merecíamos. Nem bem nos recuperávamos do vácuo deixado pelo degredo auto-imposto de Idelber de "O Biscoito", agora mais esta. Espero que não estejamos diante de qualquer Lei Geral da blogosfera.

Saravá!