1.9.12

cotas e meritocracia: tudo a ver

Não estou entre aqueles que se entusiasma com o discurso da meritocracia como critério exclusivo para a inclusão no ensino superior. Por duas razões, que me parecem óbvias:

1º) Por princípio ético: não acho que direitos fundamentais devam ser acessados por mérito. E, universidade, nos dias de hoje, não é mais uma questão de formação de quadros, nem apenas de preparação de uma elite dirigente, mas sim de garantia de acesso à vida digna. Se ao longo do século 20 nas sociedades avançadas foi possível universalizar a Educação Básica, no século XXI me parece possível e desejável que seja universalizada a Educação Superior.

2º) Falar de meritocracia pressupõe igualdade de oportunidades. Como ainda estamos anos-luz desse idílico mundo da abstração liberal, me parece fundamental e democrático que aqueles que nasceram e cresceram em condições desfavoráveis (famílias pobres, precárias condições de vida, acesso a escolas de baixa qualidade, etc) devem ter, sim, um benefício extra nas provas que dão acesso à universidade pública.

Dito isso, me disponho a dar de barato o argumento "meritocrático". Tudo bem, vamos aceitar a tese de que nas universidades públicas devem estar as melhores cabeças do país. Mas, então, como escolher as melhores cabeças?

Com uma prova - ou uma bateria delas - é possível selecionar os melhores ou os mais bem preparados?

Um aluno que estudou 12 anos numa escola pública com enormes deficiências, cujos pais não estudaram, portanto, não teve contato cotidiano com os temas da "sociedade letrada" e tira nota 6 numa prova de seleção é melhor ou pior do que um aluno que alcança nota 8, mas que estudou numa escola privada de elite, foi velejar na Escandinávia, vive num ambiente "culto", almoça, janta e come barrinhas de cereais entre uma aula de inglês e outra de judô? Quem desses dois é mais capaz? Qual deles é mais inteligente? Quem tem mais mérito? De quem a sociedade pode esperar o melhor quadro?

Eu, que sou professor universitário em uma faculdade privada, e que, graças ao Prouni, dou aulas para os dois extremos, estou convicto de que os alunos que superaram grandes adversidades e conseguiram se destacar no frágil sistema público de ensino de nosso país são aqueles que têm melhor desempenho, sobre os quais o "efeito acelerador" do ensino superior é mais evidente.

Além disso, é bom lembrar que estes heróis da sobrevivência, exemplos trágicos do darwinismo social, são muito mais numerosos do que os relativamente escassos bons alunos das escolas de elite e, portanto, suas presenças nas universidades públicas devem funcionar como um aditivo à dinâmica indolente que se esparrama pelas salas de aula do ensino superior atualmente.

Portanto, se é a bandeira da meritocracia que levantam aqueles que se opõe à política de cotas sociais nas universidades, é em nome da mesma bandeira (da qual já manifeste minha discordância) que eu defendo as cotas. Lamentavelmente, porém, justamente no estado mais rico do país, com as melhores condições de universalizar a educação e o conhecimento, os seguidos governos conservadores do PSDB vêm se opondo a aceitar as cotas em suas universidades, criando expediente diversionistas, desconsiderando as notas do ENEM, motivados pelo mesquinho interesse partidário (de não reconhecer mérito na política federal) e pelo ranço preconceituoso de uma elite que, sejamos francos, se enoja das classes subalternas.

Mérito neles! Que venham as cotas.

6 comentários:

  1. Anônimo1/9/12 19:40

    Ridículo. Formação universitária não é direito fundamental. Já o ensino básico, esse, sim, direito fundamental, o Brasil não consegue arrumar.

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  2. Caro Anônimo, gostaria de lembrar-te que em muitos países o ingresso no ensino superior é sim universal e o mérito é avaliado ao longo da graduação e não no vestibular.

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  3. Anônimo2/9/12 20:11

    Eu não estou preocupado se os alunos cotistas vão ou não ter um desempenho pior do que os não cotistas. A morte na minha opinião, se resume na perca de características fundamentais de universidades de qualidade: meritocracia e autonomia. A universidade deixa de focar no aspecto científico para virar ferramenta política do governo.

    Daqui a pouco teremos cotas no IMPA, LNCC e INPE.

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  4. Anônimo2/9/12 20:14

    Digo a morte da universidade pública.

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  5. Questão de opinião, talvez, mas estudo em uma universidade pública, e a realidade que vejo é bem diferente do que foi descrito no texto. Os alunos de escolas públicas, "cotistas", não apresentam desempenho superior àqueles que vieram das particulares; a bem da verdade, a grande maioria destes possui uma renda razoável, e teve acesso a cursos preparatórios, sendo que muitos apenas não tiveram uma educação básica de qualidade por irresponsabilidade da família, que priorizou outros aspectos, como carros ou casas.

    Mesmo desconsiderando o que eu disse, pois pode ser uma situação isolada, acredito que o sistema de cotas nas universidades públicas apenas estende ao ensino superior os problemas não resolvidos na educação básica; como resultado direto, temos profissionais diplomados porém inaptos, com direito a dizer "Sou formado por esta universidade!", porém sem o conhecimento ou autonomia necessários para exercer de forma adequada sua profissão; para não citar o declínio da qualidade geral das próprias instituições.

    Sou a favor da meritocracia como critério de seleção; claro que, em um mundo ideal, todos teriam as mesmas oportunidades. Mas, no mundo em que vivemos, acredito que apenas desta maneira os futuros profissionais, mais aptos, possam corrigir as falhas básicas que levam à criação de cotas.

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