31.3.11

'carne de vaca', uma expressão anacrônica

Segundo os entendidos, a dita carne de vaca - tão abundante em nossas paragens que virou expressão a indicar algo rotineiro e sem qualidades especiais - deve se tornar uma iguaria, coisa como caviar ou escargot. O despertar dos orientais para o mundo do consumo, dizem, tornará o bife cada vez mais caro e raro; o jeito será revisitar as partes menos nobres do gado, que vínhamos esnobando nas últimas décadas.


Nessa toada, por exemplo, ressuscitei recentemente, com grande sucesso aqui em casa, a saudosa brachola - aquele bife enrolado e cozido no molho de tomate - que faz a alegria de qualquer espaguete, ou mesmo de um desenganado arrozinho. Na mesma linha, outro prato candidato à emergência é o Ossobuco. Saboroso, saudável e barato, têm a vantagem de também distrair a clientela. 


Pois, aproveito a boa hora para compartilhar uma receita de Ossobuco que me chegou clandestina. Antes, porém, um aviso: assim que o Camboja completar a sua industrialização, repasso a receita de sopa de pedras (he, he, he.....)




Ossobuco braseado
Por Licínia de Campos 
Nutricionista, integrante do comitê técnico do Serviço de Informação da Carne (www.sic.org.br)


Ossobuco em italiano significa osso com um furo, uma referência ao orifício preenchido de tutano localizado no centro da peça, retirada do corte transversal da perna traseira do bovino. É um corte que contempla músculo, osso e tutano e confere ao prato alto nível de valor nutricional e cálcio. É uma especialidade milanesa, braseada com hortaliças, vinho branco e caldo. Quase sempre leva como guarnição a gremolata, que é um tempero à base de salsinha, dente de alho picado bem miúdo e uma colher de chá de casca de limão siciliano ralada, que deve ser salpicado por cima da carne. 
Há dois tipos de ossobuco: na versão mais antiga, o ossobuco in bianco é aromatizado com canela, folha de louro e gremolata; já na versão moderna, e mais popular, inclui tomates, cenouras, salsão e cebola, c om a gremolata opcional.
O ingrediente básico desse prato é relativamente barato e muito saboroso. Como o processamento é feito por braseamento, o corte rijo se torna macio. O que significa brasear? Do termo francês braiser, é uma combinação de métodos de cocção, que utiliza calor seco e úmido. Normalmente, o alimento é refogado em alta temperatura e depois finalizado em uma panela com tampa (ou pressão) com quantidade variável de líquidos. O brasear se baseia em calor, tempo e umidade para quebrar o rijo tecido conectivo, o colágeno da carne, revelando-se um método ideal para cozimento de cortes rijos. O cozimento lento ou em panela de pressão são expressões do brasear, como por exemplo, o lagarto assado de panela. 
A maioria dos braseados segue os mesmos passos básicos. O alimento a ser braseado é primeiramente selado, até ter sua superfície dourada e seu sabor incrementado. Se o alimento não liberar seus próprios sucos, acrescenta-se então uma pequena quantidade de líquido, que inclui quase sempre um elemento ácido, como tomates, cerveja ou vinho, adicionado à panela, e complementado com caldo. A panela é então tampada e o alimento cozido em fervura bem lenta, até a carne ficar tenra. O líquido resultante do cozimento é finalizado para criar um molho. 
Um braseado de sucesso deve intermediar os sabores dos alimentos cozidos com o líquido do cozimento. Esse método de cocção dissolve o colágeno da carne em gelatina, enriquecendo e dando corpo ao líquido. Brasear é um método econômico, pois permite o uso de cortes rijos e mais baratos e eficientes, pois emprega uma só panela para cozinhar uma refeição completa.
Por causa de sua origem italiana, o ossobuco in bianco é tradicionalmente servido com risotto alla milanese, mas o corte bovino também pode ser acompanhado por purê de batatas ou polenta. Algumas vezes é servido com macarrão. 
Uma receita simples do ossobuc o alla milanese pode ser feita com seis ossobucos aparados, com cerca de 250 gramas cada, uma colher de chá rasa de sal, uma pitada de pimenta do reino, um quarto de xícara de farinha de trigo, uma colher de sopa de azeite de oliva, uma xícara de cebola média picada, meia xícara de cenoura bem picada, meia xícara de salsão bem picado, duas fatias de toucinho cru em cubos, uma xícara de vinho branco seco, uma xícara de caldo de legumes, 450 g de tomates inteiros sem pele, picados.
O ossobuco deve ser temperado com metade do sal e a pimenta e empanado na farinha de trigo. Numa panela despeja-se uma colher e meia de azeite e se refogam, em fogo médio, três ossobucos, dourando-os de todos os lados. Devem ser retirados da panela após 8 minutos e reservados numa travessa. Repete-se o procedimento com mais uma colher e meia de azeite, desta vez, adicionando-se a cebola, cenoura, salsão e o toucinho, refogando-os por 5 minutos ou até as hortaliças ficarem macias . Em seguida, adiciona-se o vinho branco, cozinhando-se por mais cinco minutos ou até o líquido quase evaporar. Adiciona-se o sal restante, o caldo e os tomates. Volta-se com o ossobuco à panela, até o caldo ferver. Tampa-se a panela, abaixa-se o fogo e cozinha-se em fervura lenta por duas horas ou até a carne ficar macia. 
Essa receita é uma reformulação da receita tradicional e tem por objetivo torná-la mais leve e menos calórica (358 kcal). Mesmo assim, não considero a receita original altamente calórica (cerca de 450 kcal). É um mito achar que o ossobuco é muito calórico. É um corte extremamente nutritivo e por ter o tutano, é rico em colágeno, que é responsável pela reposição de tecido muscular para crianças, adolescentes e idosos.

enfim, o pós-autismo?

Embora a data não inspire comemorações, segue uma análise alvissareira sobre a renovação das idéias econômicas

Por Luiz Nassif

O fim dos "cabeças de planilha"

Na semana passada, o seminário “Repensando a política macroeconômica”, organizada pelo FMI com os economistas David Romer, Joe Stiglitz e Michael Spence e com seu economista-chefe Olivier Blanchard ,decretou oficialmente o fim da era dos “cabeças de planilha” - tipo de analista que contaminou o mercado financeiro nas últimas décadas, com simplificações que desmoralizaram o que se entendia por ciências econômicas.

Munidos de suas planilhas, e com conhecimento insuficiente em política, análise setorial, ciências sociais, psicologia social, e mesmo correlações básicas de economia, esses economistas julgaram ter descoberto o equilíbrio universal, o fim dos riscos sistêmicos. Qualquer questionamento à sua falsa ciência era tratado com superior desprezo.

O encontro promovido pelo FMI é a pá de cal nesse tipo de pensamento cabeção, primário, manipulador, insuficiente.

Um dos princípios era a visão monofásica de que cada instrumento de política econômica deveria visar apenas um objetivo.
Por exemplo, para inflação em alta, aumento das taxas básicas de juros. Esse aumento impactava a dívida pública, apreciava o real, causava desequilíbrio nas contas externas que, mais à frente, provocava uma maxidesvalorização do real que comprometia o próprio combate à inflação.
Pouco importava: juros só devem se preocupar com a inflação.

Às vezes o aquecimento do consumo se dava em um setor específico. A situação poderia se resolver com uma restrição ao financiamento àquele setor. Mas as “boas práticas” diziam que apenas os juros poderiam ser.

Anos atrás, monetaristas brasileiros – da melhor escola de Chicago – alertavam para os erros da política de metas inflacionárias.
Define-se uma meta, mede-se a expectativa dos agentes econômicos. Se estiver acima da meta, aumentam-se os juros. Os monetaristas alertavam que nesse modelo não se levava em conta o excesso de liquidez (de moeda) na economia.
Consequência: esse excesso formou bolhas especulativas por todos os poros do sistema financeiro internacional, resultando na grande crise de 2008.

Esse pensamento manipulador criava um agente financeiro imaginário, racional que por si só seria capaz de coibir qualquer abuso do sistema financeiro internacional, permitindo abrir mão de qualquer regulação. Se uma instituição abusasse, se algum ativo estivesse muito caro, os investidores simplesmente trocariam por outras instituições ou ativos, regulando automaticamente o mercado.
Era uma miragem, como se todo investidor fizesse cálculos complexos, análises de risco, arbitragens.

Nas instituições financeiras, havia cálculos infernais mostrando que quando despencasse a cotação do ativo 1, haveria um aumento na cotação do ativo 2, de tal maneira que aplicando em ambos o risco tenderia a zero.
Imbecis, sem nenhuma noção do que uma crise sistêmica provocava no mercado. Quando sobrevinha a crise, caía o ativo 1. Para cobrir sua posição naquele mercado, o banco vendia o ativo 2, provocando também sua queda e assim por diante.

Havia muito mais erros nessas formulações. Nunca foram combatidos porque criaram uma cadeia improdutiva de juros e especulação.
Só a crise para repor o conhecimento econômico no seu devido lugar

27.3.11

passagens de ônibus: fim da picada ou começo da mordida?

Sabemos todos que as grandes cidades brasileiras estão travando por conta do uso irracional do automóvel particular. O mais grave, contudo, é que sabemos disso há décadas, e continuamos comprando carros, construindo avenidas e viadutos e, sabendo cada vez mais.

Ao longo dessas décadas, enquanto agonizamos encalacrados, pudemos ouvir no radio os analistas econômicos dizerem que o setor público é um péssimo gestor e que subsídios de qualquer natureza devem ser banidos: produzem distorções nos sistemas de preços, dão fôlego a empresas incompetentes e constituem uma via azeitada para a corrupção. Recado: os serviços de utilidade pública devem ser transferidos, na forma de concessão, a empresas privadas e os preços devem ser determinados de acordo com as regras de mercado, isto é, devem cobrir os custos efetivos e ainda garantir uma margem de lucro que seja empregada em novos investimentos e ainda remunere o capital. Simples, cristalino, imune aos desvios morais e ao apetite particularista que caracteriza a alma humana.

Só que o simplismo dos economistas de rádio, o espírito sabujo dos mídia-ligeira, faz questão de esconder que, embora de fácil digestão, as leis de mercado falham tremendamente quando é preciso conciliar interesses de curto e de longo prazo ou quando se trata de definir o preço de um bem público - como é a passagem de ônibus. Exemplos: para a empresa de ônibus, quanto mais cheio o ônibus, maior a rentabilidade - para o cidadão e a cidade, pior; se o ônibus é caro e lotado, o cidadão lutará para conquistar um carrinho - comprando o carro, entupira mais a cidade, elevando o tempo dos trajetos, aumentando o custo para as empresas de ônibus que buscarão aumentar as passagens, dando novo impulso para o cidadão comprar um carro; etc..., etc...

Mas os problemas não são apenas esses. O preço das passagens não pode ser tratado como um custo individual a ser arcado pelo consumidor-cidadão numa relação mercantil com o empresário de ônibus. Custos elevados de transportes resultam em gigantesca e incomensurável ineficiência para o conjunto da sociedade: além da obvia perda de tempo de quem gasta horas do dia encalacrado, recursos que poderiam ser despendidos em outras atividades são sugados pelo realismo tarifário do transporte público.

Um exemplo escandaloso dessa irracionalidade se encontra, por exemplo, no peso dos custos de transportes nos cursos de qualificação profissional. Como sabem bem os mídia-ligeira, há no país uma urgente necessidade de capacitação da mão-de-obra, fato que não só restringe o nosso desenvolvimento, como dificulta o acesso dos mais pobres ao mercado de trabalho, obstruindo a ascensão social. Pois bem, os governos, utilizando recursos que provém da folha de pagamento das  empresas, financia, através de diferentes órgãos (MTE, MEC, Sistema S, etc), inúmeros cursos profissionalizantes voltados às populações  mais vulneráveis. Com isso, pagam-se professores, materiais didáticos, aluguel de salas de aula, lanches, despesas administrativas e... , em alguns poucos casos, vale-transporte. Quando faltam recursos para o transporte, a evasão nos cursos cresce significativamente, afetando principalmente os que mais precisam. Ficam os remediados, somem os lascados. Quando é pago o vale-transporte, de 30 a 50% dos recursos são empregados na compra das passagens, em detrimento do pagamento a professores e outros recursos pedagógicos.

Alguém haverá de dizer: mas não se pode oferecer desconto nas passagens de ônibus?

Em coro, gestores públicos e privados ecoarão os dogmas ensinados pelos mídia-ligeira, condenando os subsídios, lembrando que o sistema já carrega o peso dos descontos a idosos e estudantes secundaristas. Tudo em nome da eficiência alocativa, da racionalidade microeconômica do mercado de transportes.

Não fosse tão arraigada e difundida esta miopia, faria todo o sentido do mundo arrecadar tributos sobre outras fontes (grandes fortunas, pedágios urbanos, heranças, renda superior a 50 salários-mínimos, movimentação bancária, etc...) e subsidiar as passagens dos transportes coletivos, baixando o seu preço de forma radical. Numa só tacada, desafogaríamos o bolso dos que mais necessitam e reduziríamos a pressão sobre o trânsito das grandes cidades.

Haja ideologia!

25.3.11

zizo vivo

Hoje vou de mata atlântica. De um pedaço dela, de sua porção localizada no extremo sul do estado de São Paulo, na bela região do Ribeira. Mais precisamente, no município de São Miguel Arcanjo.

A história começa no acinzentado ano de 1969, entre os meses de setembro e outubro. D. Quinha, mãe de oito, é avisada que o corpo de seu filho de 24 anos foi encontrado morto a bala na cidade de São Paulo. Era o Zizo, que tinha partido para estudar engenharia na USP. "Abatido" feito caça.

29 anos mais tarde, em 1998, uma segunda notícia de Zizo chega a São Miguel: a justiça brasileira determinara uma indenização de R$ 120 mil por reconhecer que Luiz Fogaça Balboni fora assassinado pelas forças do Estado, isto é, pelos capangas do Delegado Fleury.

Que surpresa! D. Quinha, seu marido Luiz e os sete irmãos, jamais souberam as razões da morte de Zizo. Fora encontrado morto a bala, ponto. Mas agora a história de Zizo volta à tona. Através dos autos processuais, descobrem que Zizo havia entrado para a clandestinidade - militava  na ALN - e que foi morto durante uma ação de "expropriação" a uma agência bancária na Alameda Santos, São Paulo. Seu parceiro na operação sobreviveu, foi interrogado e contou os detalhes: chegaram ao ponto de encontro na hora marcada, mas identificaram um carro suspeito parado próximo à agência. Tentaram fugir, mas os caras saíram atirando. Zizo foi atingido e seu parceiro escapou. Ferido, preso e levado ao hospital, Zizo morreu.

Com quase trinta anos de atraso, D. Quinha descobre seu filho. Que orgulho! Agora finalmente entendia porque, na última vez em que o Zizo esteve em casa, pediu à mãe que cantasse 'Sussuarana'. Era a morte que sussurrava.

Família larga, terra pequena, todos se sensibilizaram ao conhecer a heróica história de Zizo. Como mantê-la viva? Como devolver a Zizo uma parte do sonho que o embalou?

A indenização!

Tinham R$ 120 mil. Divididos, ajudariam pouco na vida de cada um dos irmãos. Preferiram comprar um pedaço de mata virgem. Zizo e seus irmão passaram a infância enfronhados naqueles matos, e nada melhor do que um pedaço de mata para guardar viva a história de Zizo.

Assim, com o dinheiro da indenização e muita colaboração e dedicação dos familiares, criaram então o Parque do Zizo, uma reserva particular de mata atlântica, com 300ha, que recebe escolas e turistas para compartilhar o mundo e os sonhos do Zizo - que, dizem, vez ou outra assobia por lá junto com a passarinhada.

23.3.11

promiscuidade 24 quilates

Finalmente consegui assistir ao documentário Inside Job, de Charles Ferguson.

Excelente!

Todos que têm algum interesse em compreender as forças que movem a sociedade e a economia contemporânea devem assistí-lo.

Reunindo um conjunto de entrevistas com personagens-chave da chamada crise do subprime que se alastrou a partir do setor bancário dos EUA em 2008, o arguto Ferguson conseguiu depoimentos inacreditáveis, nos quais renomados economistas se portam como sacos de batatas, gaguejam e perdem a compostura ante um repórter que apenas os coloca diante de sua própria criatura.

É muito didática a explicitação dos canais de promiscuidade que soldaram com absoluta eficácia os interesses financeiros e as instituições reguladoras (incluso governos). E àqueles que vivem a apontar o dedo para a corrupção política, certamente será ainda mais relevante conhecer a monstruosa corrupção branca que está na base da arquitetura financeira que dá fôlego aos bussines de hoje.

Abundam calhordas e sujeitos inescrupulosos que recebem gorjetas de centenas de milhões de dólares; mas o filme tem o mérito de deixar claro que não se trata apenas de uma questão moral ou de um desvio de conduta localizado no tempo. Fica evidente que se trata de um problema estrutural do capitalismo atual: sem uma regulamentação que restrinja fortemente a livre movimentação de capitais, não parece possível imaginar que a sociedade pare em pé.

PS: 
(1) entre outras coisas, o filme demonstra também o embuste que é o governo Obama, completamente entregue aos mesmos personagens que desde os anos oitenta se encarregam de alimentar a banca. 
(2) Louve-se os movimentos iniciais do governo Dilma que, pela primeira vez desde a redemocratização, montou uma diretoria do Banco Central constituída 100% de servidores da instituição. É o mínimo que se espera para a equipe de um órgão que, entre outras, tem a missão de vigiar o sistema financeiro.

A imagem acima é do fotografo Chema Madoz 

20.3.11

direto do parachoque

"Quanto mais velho eu fico,
mais rápido eu era"

17.3.11

o mais cabaço dos suingues

Os anos 80 foram pródigos em extravagâncias sentimentaloides. Nas roupas, nos cabelos, nas músicas, abusava-se dos recursos artificiais e dos sentimentos fáceis para marcar a contra-reforma dos costumes e assim, talvez, expurgar o que restava de hippie ou de punk no sangue das gentes.

E foi justamente naquela década que vivi a adolescência e, confesso, ouvi e gostei de músicas que só o velho esquema dos jabás das FMs explica (será?). De Radio Taxi e sua Pequena Eva a Supertramp e outros do gênero, era um ramerame atrás do outro. Raspando o tacho daqueles tempos tristes, de agonia da ditadura, em que nem o Palestra Itália ajudava, e quando a revista Playboy mostrava apenas os seios, creio que o símbolo maior do suingue insosso e bem comportado foi o grupo The Alan Parsons Project, uma espécie de trilha sonora para tardes de chuva e de braço direito cansado.

Segue, não sei bem por que, um vídeo do grupo

15.3.11

terremoto econômico racional

Enquanto japoneses se dedicam à terrível tarefa de contar os mortos e dimensionar a catástrofe, economistas em terra firme já começam a 'precificar' os impactos da tragédia sobre o futuro. De olho no balancete, ativo contra passivo, já tem gente imaginando a prosperidade que virá, decorrência lógica do esforço de reconstrução que obrigatoriamente acontecerá assim que as chacoalhadas diárias amainarem.

De fato, considerando que o Japão possui reservas mais do que suficientes para cobrir os prejuízos e que, ademais, tem condições de se endividar a custos bastante baixos, é de se esperar que, passado um período de susto e queda da produção, as taxas de investimentos deverão saltar a níveis elevados, com importantes impactos sobre a produtividade e o nível de atividade no país. Como nas tragédias de Eurípedes, depois de 20 anos de estagnação, sobre a tumba de milhares de compatriotas, os Japoneses deverão retomar a proeminência econômica que tiveram em épocas passadas.

Mas, esse roteiro de tombo seguido de retomada não só é manjado, como tem sido responsável por boas, embora amargas, lições de macroeconomia - esta mesma, aliás, é filha direta do cataclisma econômico que atingiu o centro da economia mundial nos anos 30 do século XX.

A questão crucial, entretanto, é saber por que os governantes e seus assessores econômicos não se antecipam aos desastres e lançam mão dos instrumentos de política econômica de que dispõem para mover os paquidermes cansados nos quais costumam se transformar as economias ditas maduras?

Como entender que patotas como as de Obama, Summers, Zapattero, Geithner, Strauss Kann, Trichet, etc. não se habilitam a mexer os pauzinho e mover os capitais empossados rumo aos investimentos produtivos?

Em nome da metafísica dos mercados equilibrados, do benfazejo sopro da livre escolha que antes deprime do que bem aloca os recursos na produção, - gerando renda e trabalho - esses senhores de renome se omitem covardemente de suas atribuições de 'condottieri', preferindo o gradualismo do cotidiano chinfrim e, quem sabe, uma tragédia redentora como a que atinge agora o Japão.

Haja ideologia!

12.3.11

mantega à direita de sarkozy

Assim como nos anos 70 o mercado de petróleo serviu de veículo para processos especulativos que absorviam e se alimentavam da liquidez internacional - denominada em eurodólares - a onda de valorização das commodities que assusta o mundo hoje parece cada vez mais ser um processo de mesma natureza, agora porém amplificado pelo avanço da liberalização financeira desde aquela remota década de 70.

Em artigo publicado no site Carta Maior (clique aqui), o Prof. Belluzzo demonstra com brilhantismo os intrincados nexos que vinculam a explosão dos preços dos alimentos à frouxidão bancária e à lassidão monetária que faz o moinho girar e mata gente de fome pelos cantos do planeta. A habitual educação do professor, no entanto, provavelmente impediu que ele fizesse menção ao fato de que lamentavelmente o Ministro Guido Mantega votou contra a proposta de Sarkozy, que sugeria ao G20 criar mecanismos que restringissem as especulações com commodities. Mantega, por oportunismo ou miopia, foi a favor do livre jogo dos mercados, esses mesmos que provocam tsunamis sobre a atividade produtiva.

10.3.11

sus: muito está feito; muito por se fazer

Gastão Wagner analisa a pesquisa sobre o Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre Saúde do IPEA
Entrevista concedida ao site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).
Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) sobre saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foi divulgado recentemente e revela que a população, sobretudo a parcela que usa os serviços da saúde pública, avalia positivamente o SUS.  De acordo com o estudo, isso não significa que os usuários do sistema não tenham críticas; eles querem, por exemplo, mais profissionais atuando. Nesta entrevista, o médico e professor do departamento de saúde coletiva da Unicamp, Gastão Wagner, analisa os dados da pesquisa e conclui: os indicadores "confirmam que o SUS é uma política pública importante e prioritária e que os governos precisam dar mais atenção à saúde". Para ele, os dados indicam também qual deve ser a prioridade para os gestores do SUS: a Estratégia Saúde da Família, em um sistema mais integrado e regionalizado.

O Sips sobre saúde, divulgado pelo Ipea recentemente, mostrou, que de uma forma geral, a população avalia positivamente o SUS. O que esse dado revela sobre a importância de  um sistema universal de saúde no Brasil?
Esse dado e alguns outros demonstram a importância do SUS para assegurar o direito à saúde e o atendimento de uma parte importante da população. Mostra também como, apesar dos problemas, o SUS consegue desempenhar um papel positivo. Isso confirma que o SUS é uma política pública importante e prioritária e que os governos precisam dar mais atenção à saúde.

De acordo com a pesquisa, a população considera como pontos positivos do SUS o fato de o atendimento ser gratuito e universal, mas estes são justamente os princípios do Sistema. A partir desse dado, podemos analisar se de fato a população entende a saúde como um direito?
A pesquisa não investigou isso, não fica claro se a população toma a saúde como um direito. Então, não podemos tirar uma conclusão sobre isso, mas há alguns dados interessantes. A população, ao mesmo tempo que elogia, também aponta problemas no SUS: a falta de médicos, as filas, a espera, a dificuldade de acesso a especialistas e exames. Além disso, a pesquisa confirmou o dado de que quem usa o SUS confia mais e o valoriza mais do que a classe média e a elite que não usam, que têm um preconceito sobre o SUS. Outro aspecto interessante é que quem usa o SUS avalia melhor a Saúde da Família do que os outros serviços; depois vem o atendimento especializado, e lá em baixo está o atendimento em pronto-socorro e postos de saúde tradicionais. Isso demonstra que a população não é tonta. Na Saúde da Família faltam médicos, mas quem tem acesso sabe que o atendimento tende a ser melhor, de mais qualidade do que o do pronto-socorro. Eu achei isso muito significativo, e é uma coisa que várias autoridades vêm negando, em vários estados do Brasil: cidades como Rio de Janeiro e São Paulo têm priorizado a extensão do acesso através do pronto-atendimento em vez de uma atenção primária decente de Saúde da Família. Essa pesquisa é um sinal de alerta. Se por um lado há falta de médicos, não adianta encher de pronto-atendimentos, não adianta colocar médico de plantão 12 horas fazendo consultas feito loucos e dando remédios.

E como o senhor avalia as prioridades do Brasil para o SUS hoje? Qual o lugar da Estratégia da Saúde da Família nacionalmente?
Eu sinto que na última campanha nacional [eleições 2010], em vários estados, a ênfase maior de vários governadores foi nas tais Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs. A presidente prometeu 500 unidades pelo Brasil, e essa é a política que predomina também na prefeitura de São Paulo e no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a Saúde da Família tem muita dificuldade de inserção do médico, de carreira, problemas de expansão, chegou aos 40 %, 50 % de expansão e não sai disso. Tem um problema de expansão muito grande aqui no Sul, no Sudeste e no Centro-oeste. Nesse sentido é que a pesquisa é um alerta muito importante, mas eu creio que o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais de saúde ainda não deram uma solução adequada para a qualificação e expansão da Saúde da Família. Há um impasse de financiamento, de modelo, que está muito rígido, com problemas de pessoal. Mas a pesquisa indica que o caminho é por aí e que a Saúde da Família tem que ser priorizada.

Uma das principais melhorias sugeridas pela população na pesquisa é o aumento do número de médicos. Como o senhor avalia a política atual do país para a formação e manutenção desses profissionais atuando no SUS?
A Estratégia de Saúde da Família, onde falta muito médico também, e até os ambulatórios ficaram a cargo das prefeituras, e as prefeituras sozinhas, sem uma política de apoio financeiro, aposentadoria, de educação permanente, de formação do Ministério da saúde e das secretarias estaduais, não conseguem resolver esse problema da política de pessoal. Se deixarmos cada município se virar, se não conseguirmos fazer concursos de carreiras pelo menos estaduais, com fundos e financiamentos entre o Ministério e as secretarias estaduais e com gestão municipal, teremos muita dificuldade de consolidar a Saúde da Família, e também os ambulatórios de especialidades. Está faltando psiquiatra nos Caps [Centro de Atenção Psicossocial] e não se consegue profissionais; faltam também anestesistas nos hospitais, profissionais na terapia intensiva, inclusive pediatras. E não é falta de formação , porque temos expansão desse mercado: bastante enfermeiros, bastante médicos, bastante odontólogos. A dificuldade é a carreira do SUS que não está atrativa, porque é muito irregular, há muita contratação ilegal, precária, salários abaixo do mercado. Então, estamos tendo uma dificuldade de fixação, não é nem o número de profissionais. O que falta, do ponto de vista da formação, é a residência., As vagas de residência na Saúde da Família, multiprofissionais para médicos e enfermeiros principalmente, está muito abaixo do necessário. Então, como a Saúde da Família é uma política fundamental , é preciso investir muito em residência nessa área, aumentar seis, oito vezes o número de alunos. Mas, para fazer isso tem que melhorar o mercado, tem que ter capacidade de absorção, tem que criar o interesse para os profissionais se dedicarem a essa carreira do SUS. Outra coisa é que a Estratégia de Saúde da Família está muito isolada da rede; fala-se muito hoje em rede, mas a Saúde da Família fica num canto. No mundo inteiro, para se fixar um médico, o médico de família - que se chama generalista por aí afora - tem prioridade para dar o plantão no pronto-atendimento, para participar da enfermaria, porque uma porcentagem pequena dos médicos pensa em trabalhar a vida toda na atenção primária. Então, as estratégias são de trabalhar com a ideia de sistema, de rede: fazer com que não só os pacientes, mas também os profissionais e as equipes circulem. No Brasil se fala muito em rede, mas como a Saúde da Família está a cargo dos municípios e os hospitais e centros de referência são das secretarias estaduais, nós não temos rede de fato, a integração é muito baixa, isso tudo tem dificultado. Mas considero a pesquisa uma boa avaliação do SUS, indica rumos e indica que o que foi feito está tendo um resultado positivo reconhecido pela população.

Atualmente, há processos em curso de mudança de gestão do SUS e administração do sistema pelo setor privado. Mas isso enfrenta resistência por parte de grupos organizados de trabalhadores e pesquisadores da saúde que veem estes processos como tentativas de desmantelamento e privatização do SUS. Essa avaliação da população revelada pelo Sips da importância do SUS ser gratuito pode se contrapor a essa corrente de privatização?
Defender a gratuidade e o caráter público em alguma medida é positivo. Mas isso não indica que a população rechace a privatização, até porque, na verdade, é uma semiprivatização, porque uma fundação privada e uma organização social não têm direito de cobrar da população. Elas têm dupla porta, outras coisas, mas o grosso do atendimento das Organizações Sociais [OSs] no Rio e em São Paulo, por exemplo, é gratuito.  Os hospitais também continuam gratuitos, então, essa privatização tem mais a ver com a gestão.

E como o senhor avalia estes processos de mudança de gestão do SUS com as OS e fundações de direito privado?
Tem aí um aspecto ideológico que faz parte do programa neoliberal e liberal, que é de diminuir a área estatal, pública, com um certo descrédito na gestão estatal e pública. Existe esse lado ideológico, mas tem também um lado que são a inércia e a incapacidade do SUS de fazer a sua reforma administrativa, de construir as suas carreiras, com avaliação, pagamento adequado, progressão por mérito, criação de rede, integração. São 20 anos de SUS e nós avançamos muito pouco na reforma de gestão. A atenção primária continua isolada, cada hospital é autônomo. Aí no Rio de Janeiro, por exemplo, o Hospital Geral de Bonsucesso não tem nada a ver com a Rede Teias de Manguinhos. O Hospital é estatal, a rede Teias é uma OS, mas é uma organização social da Fiocruz, pública e não tem nada a ver. E essa não é uma exceção, é a regra em todo o país. Então, essa inércia vai dando impaciência na população, que quer um desempenho de gestão adequado, quer produtividade, qualidade, quer diminuir fila, e boa parte da fila no Brasil é problema de gestão, não é nem de capacidade instalada. Não temos avaliação de risco, não há ninguém que se responsabilize para garantir o acesso imediato de quem tem um diagnóstico de risco, por exemplo. Então é muito mais um problema de gestão, ainda que haja um problema de acesso também. Não tem informatização da rede até hoje unificada, é um absurdo isso, o quanto já gastamos em informatização! Alguém que está na Saúde da Família, por exemplo, não sabe onde há vaga para tratar de câncer e também não tem acesso imediato se ele achar que tem o diagnóstico, como acontece em Portugal, na Espanha, em vários outros países. Então, a alternativa a essa privatização, que é apresentada como alternativa gerencial, é avançarmos nas diretrizes do SUS, não apenas na universalidade e gratuidade, mas na regionalização, nar avaliação de risco. O SUS municipal não tem saída, ele precisa ser regionalizado, com vários municípios, uma rede unificada, gestão unificada, se não vamos fragmentar o SUS mais ainda com essas OSs, fundações. E isso não é uma saída.

Mas como garantir que, mudando a gestão para que ela seja mais regionalizada, os problemas de desintegração não persistam?
Criando uma rede única. O hospital aí de Bonsucesso [Rio de Janeiro], por exemplo: ele tem que estar dentro da gestão regional de toda a rede básica do entorno. Alguém tem que comandar isso tudo, fazer o planejamento, avaliação e tem que prestar contas para o mesmo gestor regional. Temos que ter carreiras. O médico de família poderia dar plantão no pronto-socorro desse hospital ou nas UPAs dessa região, o enfermeiro também. O SUS, apesar do nome, sistema único, é um sistema fragmentado, não é bem um sistema, é um semi-sistema com um grau de fragmentação muito grande, que as OSs e fundações estão ampliando. A gente já tinha a fragmentação município, estado, Ministério da saúde, e também dentro do município, onde a diretoria de atenção primaria é uma, de hospitais é outra, de aids é outra, de saúde mental é outra. E no estado é a mesma coisa. A gestão do SUS tem que ser territorial, regional, no mundo inteiro é assim. A atenção primária senta junto com os hospitais no mesmo território e região, a saúde mental da mesma região. O pessoal fica falando em rede de saúde mental, em rede de linha de cuidado, mas não é isso. E aí, como temos muita deficiência de gestão, de carreira, de regionalização, aparece uma saída mágica que é: ´vamos colocar mecanismos de gestão privada, de OSs, de fundação privada, contratação por CLT, quem não trabalha a gente põe para fora´. Isso aumenta o poder do gestor, óbvio; diminui o poder das corporações; e aí fazem metas, produtividades, os pacientes têm que ficar internados só quatro dias na clínica médica, se passar disso perde-se dinheiro, os médicos perdem dinheiro, as enfermeiras, o hospital. Então, pegam meta da gestão privada, de fábrica de automóvel, de banco, de restaurante e colocam no setor saúde tentando responder a esta crise de gestão que tem outra complexidade. Então, são duas alternativas que estão em jogo.

Como este quadro interfere no crescimento da mercantilização da saúde?
Aconteceu uma coisa no Brasil que fiquei surpreendido, mas com o crescimento econômico é esperado. Como o SUS está empacado, o setor privado, de saúde suplementar, cresceu muito, ele tem 50% do recurso financeiro. Então, para fisioterapeuta, médico, enfermeiro, o SUS não é o único mercado de trabalho. Por isso essa falta de gente,  ainda que seja pouca gente para ser atendida - cerca de 24% da população brasileira - há muito dinheiro. É a mesma quantidade de recursos do SUS, que é distribuída para os profissionais de saúde trabalharem atendendo menos gente, com menores condições de trabalho. Então, esse crescimento do setor privado é preocupante, ameaça o SUS e ameaça inclusive do ponto de vista ideológico e cultural. Quem não está ainda no seguro privado tem sonho de entrar. Aí na Fiocruz deve ter um plano privado de saúde, o Ministério da saúde tem também, este é um sentimento da nova camada de trabalhadores, das chamadas classe C e D. Apesar de o pessoal gostar de o SUS ser gratuito, do ponto de vista da luta cultural e ideológica, estamos mais fracos.

E como se contrapor a esse processo do ponto de vista político e ideológico?
Tem que melhorar o SUS, divulgar direito as formas de atendimento e resolver todas essas coisas que eu estou falando. Eu falei da necessidade de se priorizar a Estratégia de Saúde da Família, mas eu vou falar uma coisa que dificulta essa legitimidade cultural: o governo brasileiro designa quem é o seu enfermeiro e médico de família, então, a liberdade de escolha é muito baixa. Na Inglaterra e na Espanha, a população pode escolher na região, no distrito de saúde, entre 20 e 30 equipes. Outro exemplo: nós queremos que o pré-natal seja feito na Saúde da Família, só que o médico de família não faz o parto. Quem hoje em dia, que vai adquirindo cidadania e consciência, não quer que o médico que fez o pré-natal seja quem acompanhe o parto? O SUS tem que pensar nisso. Nós não estamos mais trabalhando apenas com miseráveis, mas com pessoas que começam a lutar por qualidade de vida, por humanização. Um dos programas prioritários do governo federal agora é sobre a saúde materno-infantil, com a intenção de priorizar esse atendimento. Está correto, tem que priorizar mesmo, mas não pode ser só o acesso. Como é que o médico que faz o pré-natal poderá acompanhar a maternidade? Como é que o SUS irá pagar? Com a visão que nós temos de quatro horas de trabalho, jornada, bater ponto, salário fixo, fica difícil, porque em todos os países com sistemas universais, o honorário é variável, se o profissional faz três partos ganha tanto, se faz um só por mês, ganha outro tanto. Então, é preciso pensar em outras coisas para criar legitimidade cultural sem privatização; é todo um caminho a ser feito.

E como a população desses países vê o sistema de saúde?
Isso varia muito de país para país e varia também conforme a época. Tem época que o sistema avança, recua, isso é dinâmico, mas em geral os sistemas nacionais europeus e o cubano são muito bem avaliados. E quando há alguma ameaça, a opinião pública e os trabalhadores defendem o sistema contra alguma restrição. As pesquisas são muito variáveis. Na Inglaterra é lei, eles fazem a cada quatro anos um relatório que se chama Black report, um "informe negro", eles chamam de negro porque fala dos problemas do sistema, mas isso para defender o sistema. A população fala, há também dados técnicos, de infecção hospitalar, filas, tempo de espera, mortalidade, divulgam tudo e tornam tudo transparente exatamente para defender. Esconder os problemas, ao contrário do que muito marqueteiro pensa, não ajuda o amor da gente pelas políticas públicas. Então, esse hábito seria uma outra forma de o SUS ganhar legitimidade. Por exemplo, abrir as filas, quais são as filas? Onde tem fila? O que se pode fazer para acabar com elas? Tornar transparente uma por uma e isso virar um problema público. Qual é a fila para o câncer de mama? Qual é a fila para o diagnóstico, para o tratamento? Qual é a fila para reabilitação física do AVC [Acidente Vascular Cerebral]? Então, acho que todos estes são mecanismos de legitimação, de vincular a gestão à qualidade e à ideia de controle social. Esta ideia na teoria é muito forte no SUS, mas ficou limitada às conferências, com a militância profissional, que são os mesmos de sempre, que perdeu potência, e isso é outro problema.

E as conferências tem tido resolutividade?
Elas perderam muito peso, a minha análise é que da 11ª para cá elas são quase um risco n´água, uma coisa da burocracia interna, perdeu muita força política, inclusive de interferir na gestão, na sociedade. Este ano é ano de conferência, o conselho nacional está em discussão, vários conselhos municipais estão emperrados, outros funcionam. Então, temos que pensar o que fazer, e, por exemplo, este Black report é uma forma de controle social fundamental, sai dos conselheiros e vai para a sociedade inteira. Esta pesquisa do Ipea tem este papel, precisa ser divulgada e comentada, tanto os aspectos positivos quanto os negativos.
Entrevista publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).