21.1.11

os novos crentes e suas máquinas amestradas

Tenho um tanto de amigos e de colegas que, por vício de formação ou viés de alma, são entusiastas desta Era dos Algoritmos: estão certos de que estamos na soleira do dia em que os programas de computadores serão capazes de  equacionar os principais entraves da vida humana na terra. Os cada vez mais poderosos algoritmos construídos por matemáticos obcecados deverão nos disponibilizar crescente capacidade de processamento de informações complexas e, consequentemente, de previsibilidade do futuro. Os exemplos, dizem, já estão à solta: diga ao algoritmo com que gastas seu dinheiro que ele lhe confidenciará quanto tempo deverá durar o seu casamento; conte-lhe os detalhes de um roteiro de filme (ainda no papel!) que ele lhe dará a bilheteria; delegue seus tostões à sua administração, pois terás maximizado de forma sobrehumana os teus rendimentos.

Midas, perto dessas maravilhas, é pinto.

E, convenhamos, de fato os produtos desses "pensamentos maquinados" já nos ajudam em tantas esferas da vida que devíamos talvez aceitar resignados os presságios de um mundo completamente equacionado, livre de riscos e contratempos. Restaría-nos, talvez, surfar hedonisticamente sobre as suas delícias. Gozo do primeiro ao último minuto.

Porém, problemas filosóficos à parte - ex: como apreciar o bom, sem conhecer o ruim? - não tenho como compartilhas do entusiasmo dos amigos crentes quando o assunto é a economia.

Em primeiro lugar, porque, no limite, economia é tão somente 'política', isto é, seu objeto é o mundo que desejamos. Portanto, não se trata de equacionar problemas complexos entre a oferta e a demanda do presente, mas sim de eleger estratégias de desenvolvimento cujos resultados afetam heterogeneamente os distintos grupos sociais no futuro. Justificar porque uns se sairão melhor do que outros é questão de arte política, de convencimento ideológico, e não vejo algoritmo capaz de harmonizar as diferentes visões de mundo que habitam as mentes de uns e de outros. Mas, sei que muitos - principalmente no time dos crédulos - não se sensibilizam com a órbita da política. Imaginam que poderá ser pacificada, assim que os obstáculos da vida prática forem vencidos pelo poder das TI's.

Passemos então a um segundo argumento. Vamos baixar a bola e aceitar a economia como um simples jogo entre ofertantes e demandantes. Vamos também dar de barato que, não fossem as interferências exôgenas - políticas - e as imperfeições decorrentes de falhas informacionais, seria possível imaginar um super algoritmo capaz de indicar o nível ótimo de produção a preços ótimos  e que, portanto, deveria satisfazer ao conjunto dos viventes (pobre Midas!). Estaria vencido o problema econômico?

Suspeito que não. Chegaríamos a um velho paradoxo, que aos pensadores econômicos mais atentos  - lembro-me por exemplo de Schumpeter - já incomodava muito antes do desenvolvimento das maquinetas. A questão é que, se o tal super algoritmo for capaz de incorporar todas as variáveis que afetam os mercados e indicar, em tempo real, volumes e preços ótimos, estaria extinto o lucro (chamado de extraordinário) e não haveria mais motivação para o investimento capitalista. Nesse delirante mundo automatizado, qualquer mudança de parâmetro ou qualquer inovação tecnológica seria imediatamente incorporada ao algoritmo, dissipando seu potencial gerador de lucro e distribuindo  seus benefícios de forma homogênea e instantâneaao conjunto do mercado.

Um modo mais prático de pensar no problema é imaginar que o google desenvolva um aplicativo que permita processar a totalidade das variáveis que afetam a valorização das ações na Bolsa de NY. Ao disponibilizar seus resultados à internet, produziria uma paralisia geral dos negócios, visto que todos os agentes econômicos se posicionariam do mesmo lado do mercado (comprador ou vendedor).

Curioso, né não? Em nome dos mercados e da suas supostas impessoalidade e isonomia, descobriríamos que as leis de mercado só podem funcionar quando a diferença e as condições desiguais permitam vislumbrar vantagens exclusivas e, portanto, induzam à incessante troca de posições.

Outra possibilidade seria descobrirem que o tal algoritmo também responde pelo nome de 'socialismo'.

4 comentários:

  1. Brilhantes as considerações e perfeito o encadeamento lógico do argumento. Faltou esclarecer o motivo da extinção do lucro propriamente dito, e não somente do lucro extraordinário, no qual vc parece ter-se detido.
    Ou seja, explique-me melhor como é gerado o lucro, de onde ele procede, sob que condições ele ocorre, se é possível uma geração igualitária dos lucros e por que isso não é possível, por que os produtores, uns em relação aos outros, têm necessariamente de deter posições assimétricas no acesso à informação, como condição para obter lucro.
    Esclarecidas tais questões, considero o texto merecedor de figurar numa antologia do pensamento inteligente.

    Parabéns,
    Nivaldo Manzano

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  2. O lucro que seria extinto seria apenas aquele gerado pela especulação.
    O resultante da venda de algum produto ou serviço permaneceria intacto e, em princípio, seria interessante essa configuração. Todos ganhariam à custa do trabalho.

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  3. Grande Marcelo,
    Gostei! Para seguirmos neste exercício, onde dialogariam a economia civil e a mercantilista (liberal) após o fim do "lucro"?
    Abraços
    Rezende

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  4. Caro Anônimo, na teoria econômica ortodoxa (no mundo da microeconomia) o lucro extraordinário é aquele que decorre de alguma assimetria temporária que afeta o curto prazo. No longo prazo, só resta o lucro normal, que corresponderia à eficiência marginal do capital que, portanto, não serve de estímulo para o investimento inovador. É um mundo em que, no limite, são eliminadas as vantagens do pioneirismo. O ponto que chamo atenção é que, à medida em que os algoritmos avançam, o longo prazo chegará cada vez mais cedo e as motivações que movem o capital perderão significado.
    A não ser que imaginemos que os capitalistas agem por razões que não o interesse monetário, não há porque acreditar que haverá vida econômica num sistema onde as leis de mercado funcionem como supõe seus ideólogos.

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