10.7.11

yamaga, ainda que fosse apenas pelo aroma

Quem acompanha a mais tempo este blog, deve ter notado que, sob o tema "cinza is beautifull", reúno os posts que tratam de lugares notáveis garimpados no enrosco das grandes cidades.

Pois, ontem, descobri mais um: o Yamaga.

Permitam-me, porém, um preâmbulo, um antepasto.

Vinte anos atrás, tranquei a faculdade e fui com minha namorada - hoje minha companheira e mãe de meus filhos - passar uma temporada em Londres. Sem falar inglês, o primeiro emprego que consegui foi como lavador de cumbuca num restaurante japonês.

Mas não era um restaurante qualquer. Era, talvez, o japonês mais "in" da cidade. A começar pela porta de entrada, sem nenhuma placa ou qualquer indicativo de que se tratava de um restaurante. Apenas uma porta preta que dava acesso ao subsolo de uma também solene loja da Maserati. Para frequentar o lugar, só com a indicação de alguém e reserva prévia. Do lado de dentro, doze mesas apenas, cada qual em sua salinha de tatame. As garçonetes, importadas do Japão, não falavam inglês. Só o gerente conhecia o idioma. Na cozinha, quatro ou cinco japoneses de facas na mão e calçados naqueles tamancos de madeira que se apoiam em duas traves. Ao lado, num beco de 2m², eu, o único ocidental, ante uma pia enorme, abarrotada dos mais variados utensílios de bambu e as infinitas cumbucas.

Era ali que eu passava meus dias, sem precisar de qualquer idioma, apenas gesticulando com a cabeça e sentido os aromas que cruzavam a janela através da qual as pequenas gueixas me passavam as cumbucas. Todos os dias, invariavelmente, chegava à minha janelinha alguma cesta de tempurás com um ou dois enormes camarões empanados, desprezados por algum cliente esnobe ou sem tempo para os prazeres. Pois eram os melhores camarões da terra.

Volto ao dia de ontem, Rua Tomás Gonzaga, bairro da Liberdade. Por indicações de amigos, sempre que estou por lá, vou ao Hinodê ou ao Gombe, dois tradicionais restaurantes japoneses apreciados pelos paulistanos. Mas, ontem, titubeamos e resolvemos nos arriscar por um local desconhecido. Por uma fresta de porta enxergamos um balcão (sushi-bar) que nos chamou a atenção. Era o Yamaga, nº66.

Sentamos, claro, no balcão, de bela e confortável madeira branca. À nossa frente, um japonês esquálido, com sete olhos, quatro braços, dezoito facas, um copo de uísque. Fui lhe pedir o cardápio e tomei um "moça traz". Virei para o lado, em busca da moça, e tomei uma baforada da cozinha.

Direto do hipotálamo me veio a lembrança do restaurante de Londres. Tantos anos depois, tantos japas visitados, me reencontro com aqueles aromas que me traziam as cumbucas.

Entusiasmados, pedimos um "combo" cada um - lá o combo é individual. Enquanto aguardávamos, apreciávamos o ambiente, os nomes de clientes cativos nas garrafas de uísque na prateleira: Sr. Park, Sr. Nakagawa, Sr. Hidetoshi, outro Naka e, acima, no canto esquerdo, Sr. Jacard - ao que me seguiu um frio na espinha.

Do centro de seu pequeno reino, o Sr.Toshiso Nonogushi comandava com poderes absolutos todas as ações da casa: "Pati, limpa mesa 3"; "Roberta, leva Teishoku"; "Pati, pega gelo Chefe". E a Pati: "O Chefe tá vermelho como um camarão". E ele: "Chefe uísque". Isso tudo, sem tirar a mão esquerda da panela de arroz, de onde preparava os bolinhos para depois cobri-los com as fatias de peixe. Aliás, no Yamaga, não são exatamente "fatias". Mais correto seria chamar de pedaços, pois o Sr. Toshiso serve o peixe em bitelos mais grossos, com estranhos cortes na diagonal - feito que só é possível graças à qualidade do peixe. Segundo ele, o segredo está na hora de comprar o peixe ("tem que ser gordo"), tarefa que, evidentemente, cabe apenas a ele.

E de fato, o peixe servido no Yamaga é muito superior ao que se come em outros lugares. Chega a ser intrigante. Como é que uma comida tão simples, com pouquíssimos ingredientes e servida crua, pode variar tanto?

E o tempurá? Ahhh, o tempurá.....