29.12.09

o escândalo que não escandaliza

Nas festas de fim de ano, com a barriga estufada de perus, leitões, castanhas e muito mais, são recorrentes as seções de comentários lamentosos sobre a "putaria" que é esse país. O Sarney, o congresso, o Lula, o dedo do Lula,... tudo vale nesse exercício anual de cultivo a nosso espírirto de vira-latas, regado com boas doses de ressentimento.

Para as crianças que assistem do sofá, deve parecer que habitam a terra da sacanagem suprema: onde os homens de bem labutam e as ratazanas da política devoram os frutos do esforço alheio.

E talvez tenham razão, exceto pela natureza das ratazanas.

Conforme revela um estudo elaborado pela FIESP - e noticiado apenas pelo Jornal de Brasília em nota de nove linhas - somos o país em que se paga o maior spread bancário do mundo! É aqui, nesta terra de vira-latas, que se gasta com galhardia e altivez R$ 261 bilhões anuais para remunerar os bancos pelas suas operações de intermediação financeira (captar aplicações e conceder empréstimos).

Que me perdoem os udenistas, mas esta é a mais abjeta expressão da bonomia nacional. Cerca de 10% do nosso PIB é capturado pelos bancos em operação que aos olhos da grande maioria da nação é legítima e moralmente aceitável.

O mesmo estudo informa ainda que, caso fosse aplicado no país um nível de spread correspondente ao da média mundial, essa despesa deveria cair para R$ 71 bilhões (cerca de 1/4 da atual).

Se lembrarmos que o SUS custa ao governo cerca de 100 bilhões anuais ou que os investimentos públicos em infraestrutura (estradas, portos, saneamento, etc...) não chegam a 2% do PIB, como explicar o aperreio midiático com as despesas milionárias e inaceitáveis da mesa diretora do Senado e o silêncio sobre o manjar dos bancos?

Que falem os vira-latas!

8.12.09

a liberdade em marx

Depois de mais de um mês de recesso, volto à carga com as reflexões colhidas nos seminários do IPECH/Facamp.
Como anunciado anteriormente, estamos caminhando com os pensamentos do "jovem Marx", fazendo a leitura de "A Ideologia Alemã" e do "Manifesto".

Está claro que Marx buscava a transcendência libertária do indivíduo. Mas, de que liberdade falava e como alcançá-la são questões de trato bastante difícil:

Primeiro, porque não se trata de buscar uma liberdade idealizada. Como diz logo no início do capítulo II da Ideologia Alemã

"...não é possível conseguir uma libertação real a não ser no mundo real e com meios reais; ... não se pode abolir a escravatura sem a máquina a vapor. (...) a libertação é um ato histórico, não um ato de pensamento".

Segundo, porque se a libertação só é concebível através da atividade concreta (o Trabalho) e esta se processa num contexto de crescente divisão social do trabalho - esta, uma usina de desigualdades - então têm-se um processo contraditório em que os interesses particulares haverão de se subordinar aos interesses gerais (contradição que se expressa nas lutas travadas no seio do Estado). Noutros termos: a cooperação, que recorrentemente nos abre a possibilidade de superação das necessidades materiais, por sua potência, ganha autonomia (se naturaliza) e nos sacrifica a liberdade (nos aliena).

Essa dependência integral (do indivíduo em relação à sociedade), que caminha na direção de uma cooperação histórico-mundial dos indivíduos (divisão do trabalho em escala planetária), ao mesmo tempo em que leva ao limite os poderes de domínio de uns contra os outros, lança a oportunidade de controle consciente desse poder, libertando os indivíduos da "fixação a uma atividade social"e dando-lhes capacidade de fruição consciente e voluntária das atividades produtivas/criativas. É isso que chamará comunismo, uma sociedade que elimina a divisão social do trabalho e com ela a propriedade privada.

É impressionante o vigor do pensamento de Marx ante a realidade histórica atual. O caminhar dos modos de produção rumo a uma História Mundial parece evidente, assim como o poder resultante da intensificação do processo de divisão do trabalho o torna cada vez mais alheio aos indivíduos que lhe dão substância.

Contudo, do debate suscitado pela leitura de Marx, emerge como problema crucial a questão do controle consciente daquele poder emanado da divisão do trabalho. Como esperar que nos tempos atuais haja uma convergência de interesses entre os não-proprietários a ponto de reivindicarem o controle do Estado e, a partir dele, o interesse comunitário? É possível fazê-lo ante um mundo em que a "consciência" foi apropriada por interesses particulares, onde os meios de comunicação dissolvem os interesses de classe (derivados da divisão do trabalho) e reorganiza a sociedade de acordo com padrões de consumo?

Acredito que seguiremos por essas questões no caminhar dos Seminários. Por ora, é só.