4.11.09

l'Etat n'est pas moi

Com seu artigo "Para onde Vamos?", publicado originalmente no Estadão do último domingo, FHC conseguiu atritar as moléculas da desesperançosa oposição. A repercussão foi grande, muitos comentaram suas teses (clique aqui e aqui) e, de um modo geral, há concordância quanto ao movimento do ex-presidente: dotar a oposição de um último mote eleitoral - ou, quiçá, de um candidato.

Mas gostaria de explorar um aspecto que não encontrei nas análises que li. FHC acusa Lula de insidiosamente estar minando nossa democracia com o "DNA do autoritarismo popular". Seu argumento é simples: com dinheiro público, Lula soldou uma hegemonia política que põe em risco os valores democráticos de nossa república: "Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam."

Para atiçar ainda mais as índoles lacerdistas, FHC nomeou a hegemonia lulista de "subperonismo" e não deixou de compará-la à experiência do mexicano PRI.

Provocações e udenismo à parte, diria que FHC, o analista político, tem boa dose de razão ao enxergar de forma acurada as forças que dão sustância ao robusto arranjo político construído por Lula - sua análise é manca apenas quando se esquece de mencionar a banda financista, bem servida tanto por Lula quanto por ele.

Não é no diagnóstico, portanto, que o ex-presidente se equivoca. Seu problema está nas conclusões que tira ao identificar uma forte hegemonia política no país, como se o fato de existirem vencedores e beneficiários do arranjo político em pauta denotasse carência de legitimidade ou déficit democrático. A mencionada aliança entre Estado, sindicatos, fundos de pensão e empresas nacionais não só parece bastante promissora quando se busca a retomada do desenvolvimento sustentado e socialmente justo, como foi consagrada em diversos outros países mundo afora (Alemanha, Suécia, Inglaterra, França, entre outros), e até mesmo no México do PRI e na Argentina peronista, por que não?

O problema que aflige FHC é que nesse arranjo 'subperonista' não cabe o iluminismo cosmopolita, modernoso e rentista com o qual sonha e faz sonhar. No mundo de Lula , que parece suscitar-lhe asco ("Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”), resta pouco espaço para gente de sua estirpe, que faz política no Fasano e se assusta com o varejão da fartura onde Lula faz e acontece.

Não vejo, nisso tudo, algo que de fato possa vir a ser um mote à oposição. FHC, a seu modo, dá seu grito de agonia, incapaz de assistir da calçada o peão Lula arquitetar uma hegemonia de tal envergadura e potência. Ressentido, resta-lhe abominar a obra e desconstruir o artista. Diz ele:

"(...) nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal."

Lamentável, Professor!