27.3.11

passagens de ônibus: fim da picada ou começo da mordida?

Sabemos todos que as grandes cidades brasileiras estão travando por conta do uso irracional do automóvel particular. O mais grave, contudo, é que sabemos disso há décadas, e continuamos comprando carros, construindo avenidas e viadutos e, sabendo cada vez mais.

Ao longo dessas décadas, enquanto agonizamos encalacrados, pudemos ouvir no radio os analistas econômicos dizerem que o setor público é um péssimo gestor e que subsídios de qualquer natureza devem ser banidos: produzem distorções nos sistemas de preços, dão fôlego a empresas incompetentes e constituem uma via azeitada para a corrupção. Recado: os serviços de utilidade pública devem ser transferidos, na forma de concessão, a empresas privadas e os preços devem ser determinados de acordo com as regras de mercado, isto é, devem cobrir os custos efetivos e ainda garantir uma margem de lucro que seja empregada em novos investimentos e ainda remunere o capital. Simples, cristalino, imune aos desvios morais e ao apetite particularista que caracteriza a alma humana.

Só que o simplismo dos economistas de rádio, o espírito sabujo dos mídia-ligeira, faz questão de esconder que, embora de fácil digestão, as leis de mercado falham tremendamente quando é preciso conciliar interesses de curto e de longo prazo ou quando se trata de definir o preço de um bem público - como é a passagem de ônibus. Exemplos: para a empresa de ônibus, quanto mais cheio o ônibus, maior a rentabilidade - para o cidadão e a cidade, pior; se o ônibus é caro e lotado, o cidadão lutará para conquistar um carrinho - comprando o carro, entupira mais a cidade, elevando o tempo dos trajetos, aumentando o custo para as empresas de ônibus que buscarão aumentar as passagens, dando novo impulso para o cidadão comprar um carro; etc..., etc...

Mas os problemas não são apenas esses. O preço das passagens não pode ser tratado como um custo individual a ser arcado pelo consumidor-cidadão numa relação mercantil com o empresário de ônibus. Custos elevados de transportes resultam em gigantesca e incomensurável ineficiência para o conjunto da sociedade: além da obvia perda de tempo de quem gasta horas do dia encalacrado, recursos que poderiam ser despendidos em outras atividades são sugados pelo realismo tarifário do transporte público.

Um exemplo escandaloso dessa irracionalidade se encontra, por exemplo, no peso dos custos de transportes nos cursos de qualificação profissional. Como sabem bem os mídia-ligeira, há no país uma urgente necessidade de capacitação da mão-de-obra, fato que não só restringe o nosso desenvolvimento, como dificulta o acesso dos mais pobres ao mercado de trabalho, obstruindo a ascensão social. Pois bem, os governos, utilizando recursos que provém da folha de pagamento das  empresas, financia, através de diferentes órgãos (MTE, MEC, Sistema S, etc), inúmeros cursos profissionalizantes voltados às populações  mais vulneráveis. Com isso, pagam-se professores, materiais didáticos, aluguel de salas de aula, lanches, despesas administrativas e... , em alguns poucos casos, vale-transporte. Quando faltam recursos para o transporte, a evasão nos cursos cresce significativamente, afetando principalmente os que mais precisam. Ficam os remediados, somem os lascados. Quando é pago o vale-transporte, de 30 a 50% dos recursos são empregados na compra das passagens, em detrimento do pagamento a professores e outros recursos pedagógicos.

Alguém haverá de dizer: mas não se pode oferecer desconto nas passagens de ônibus?

Em coro, gestores públicos e privados ecoarão os dogmas ensinados pelos mídia-ligeira, condenando os subsídios, lembrando que o sistema já carrega o peso dos descontos a idosos e estudantes secundaristas. Tudo em nome da eficiência alocativa, da racionalidade microeconômica do mercado de transportes.

Não fosse tão arraigada e difundida esta miopia, faria todo o sentido do mundo arrecadar tributos sobre outras fontes (grandes fortunas, pedágios urbanos, heranças, renda superior a 50 salários-mínimos, movimentação bancária, etc...) e subsidiar as passagens dos transportes coletivos, baixando o seu preço de forma radical. Numa só tacada, desafogaríamos o bolso dos que mais necessitam e reduziríamos a pressão sobre o trânsito das grandes cidades.

Haja ideologia!

2 comentários:

  1. Marcelo, concordo com seu diagnóstico mas não concordo com a solução proposta, talvez não tenha entendido sua solução. Com certeza melhorar o transporte público gera benefícios para a sociedade como um todo e para os indivíduos também. O problema principal é que o custo indireto (poluição, engarrafamento, tempo) é cobrado de forma não justa pois tanto quem está de carro pessoal quanto quem está no ônibus sofre com o aumento dos carros, não criando uma razão para migrar para o transporte público. A solução para o transporte público para pela implementação de faixas exclusivas para ônibus, redução de estacionamentos em áreas centrais, cobrança de multa para estacionamento irregular, implementação de mais ruas de pedrestes e ciclovias, uso de estações de embarque de ônibus otimizadas com ônibus de portas largas (como metrô), implementação de paradas seletivas (nem todos os onibus param em todas as paradas), obrigação das linhas cumprirem horários, melhoria dos ônibus (no Rio tem ônibus comum com ar-condicionado e tv), integração com outros modais (metro, vans, táxis, trems). Também pela revisão do planejamento urbano para reduzir o crescimento horizontal das cidades e favorecer o crescimento vertical, adensando e viabilizando mais os transportes coletivos. Tudo isso não é subsídio direto à passagem, mas melhora significativamente o transporte. Com tudo isso implementado, o preço da passagem determinado pelo mercado poderá ficar acima do que o muitas pessoas podem pagar, e nesse caso implementa-se um vale transporte para essas pessoas que os empresários de ônibus trocariam por dinheiro. Os trabalhadores com carteira continuam recebendo das empresas o vale transporte. Sou a favor que não exista gratuidade para nenhum grupo, nem idosos nem estudantes, ambos receberiam um cartão com direito a tantas passagens por dia. Assim, os empresários continuariam com estímulo à eficiência e recebendo o preço justo. Aqueles que podem pagar um preço mais alto pagariam, e aqueles que não podem receberiam uma ajuda. No final o custo ficaria menor para o governo que não precisaria subsidiar a mim que posso pagar 3 ou 4 reais pela passagem.

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  2. Em linhas gerais, estamos de acordo. Também acho que deve-se evitar a gratuidade, mas creio que ser importante garantir um preço bastante baixo, mesmo que eventualmente você ou eu pudéssemos pagar mais. Diferenciar as passagens por tipo de usuário introduz ruído desnecessário na operação. Acho que, por exemplo, seria mais razoável, cobrar uma tarifa simbólica de todos, e tributar a renda ou a propriedade para financiar o sistema. Talvez uma alíquota adicional sobre o IPTU, uma elevação do IPVA.

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