Quando Karl Marx
dissecou o capitalismo, encontrou em seu DNA o princípio sintético que faz seu
moinho rodar: a irresistível e imperiosa necessidade de valorização do capital.
Nessa sanha, sob a égide da concorrência, tudo e todos são arrebatados pelas pás
do capital para que sirvam à sua voracidade infinita. Entretanto, ao mesmo
tempo em que o capital depende da exploração da força de trabalho e do uso de meios
de produção para dar o seu salto valorativo, seu objetivo maior é fazê-lo
reduzindo ao máximo sua dependência dessas bases materiais que lhe dão sentido.
Por isso, no limite, cada fração de capital que perambula pelo mundo aprontando
das suas está radicalmente impregnada da utópica ideia de prescindir dos
percalços e desgostos do mundo material (trabalhadores, máquinas, greves, governos,
graxas, escórias, ...) e alcançar sem escalas o Nirvana da grana: lugar onde o dinheiro se transformará diretamente em dinheiro ampliado (D = D’).
Marx também notou que
essa etapa olímpica, esse delírio da ambição que a todo capital inocula, ao
mesmo tempo em que é o leitmotiv do
sistema, ganha concretude e significado real na órbita da circulação financeira,
isto é, quando se apresenta na forma de “capital a juros”. Como tal, essa fração
“fictícia” da riqueza geral se imiscui na órbita (suja e imoral) da produção,
mas sai dela majestosa e imaculada.
No passado, quando
essa valorização do capital fictício era rotulada de usura, a sociedade não lhe conferia a melhor reputação e não era
raro que banqueiros fossem vistos como sanguessugas ou parasitas sociais.
Atualmente, porém, a própria complexidade e sofisticação dos processos de
reprodução econômica trataram de obscurecer os nexos sórdidos entre as finanças
e a produção, polindo os sinais de impureza que antes revelavam as máculas
morais e econômicas da acumulação financeira. Agora, pura, limpinha e
“reificada”, essa fração do capital desponta como a face nobre, moderna e cosmopolita
da máquina de moer a que se chama capitalismo.
Não é à toa, portanto,
que o “capital a juros” tenha se tornado o grande amazonas onde deságuam as
angústias e inquietudes das almas de ecologistas e de moralistas de todas as
cores. O “capital a juros”, por sua aparência “fictícia”, não destrói a Mata
Atlântica, não emporcalha o Tietê, não consome energia de Belo Monte, não
depende de subsídios do Estado, não entope as avenidas, não disputa terras
indígenas, não utiliza agrotóxicos.
A alienação do indivíduo
promovida por aquelas mesmas forças disruptivas do capital reduziu a
civilização a uma multidão de seres cujas vontades (estimuladas pela prática
frenética do consumo) são infinitamente maiores que a paciência e a capacidade
de compreensão do mundo real. Tal qual o dinheiro, que busca o salto em
abstrato rumo ao mais-dinheiro, o sujeito contemporâneo – à esquerda e à direita
- se sente irresistivelmente atraído pela ideia de uma vida onde os fedores da
produção material e dos conflitos sociais que dela decorrem não lhe alcancem as
narinas e nem lhe atrapalhem o gozo.
Apressadas, desejosas
e com a sensibilidade açoitada pela avalanche de informações que inundam o
diálogo social, as gentes de hoje querem logo o epílogo, ou melhor, uma
sucessão de êxtases, a utópica redução de experiência terrena à reprodução
infinita e acelerada do esquema D=D’.
Nessa toada de tiro
rápido, de vertigem hedonista e irracional, nada como uma liderança
voluntarista (messiânica, por que não?) que com a voz serena das fadas prometa
o reencontro com a harmonia perdida e que seja apoiada pelos dinheiros
ascéticos do sistema financeiro, longe o suficiente das vergonhas do mundo.
A expressão
D = D’ é, portanto, a síntese dessa miragem alienada que toma conta do Brasil
nesta eleição de 2014. Em lugar do programa de 250 páginas titubeantes que a
candidata Marina Silva acaba de divulgar – e corrigir, e corrigir, ... – seria
melhor essa única fórmula áurea. Um salto mágico, insustentável e irracional,
mas com inalcançável poder de persuasão.
Artigo publicado originalmente pelo portal
Brasil Debate