15.12.08

sinais contraditórios


Conversando com um amigo que trabalha na IBM do Brasil, fico sabendo que, por conta da crise internacional, a filial brasileira está contratando novecentos funcionários novos.

Como assim?

É que, preocupado em reduzir custos, o board internacional da empresa está deslocando parte da produção para as plantas localizadas em países em que o custo de mão-de-obra é mais baixo. Como hoje a IBM é fundamentalmente uma enorme prestadora de serviços de TI, não há grandes impecílios (i.e., capital imobilizado) para que se mova na direção dos mercados de trabalho dos países emergentes, desempregando mão-de-obra nos países centrais.

Além disso, outra informação relevante dessa história é que, também por conta da crise e da trajetória divergente entre a filial brasileira e a norte-americana, a IBM resolveu migrar a unidade brasileira para a diretoria que cuida dos países emergentes, retirando a IBM/Brasil do guardachuva da diretoria para as Américas (na qual a brasileira era tratada como residual).

Portanto, como indica este pequeno exemplo, não é nada trivial estimar o tamanho do impacto da crise internacional na economia brasileira. Enquanto na mineração ou na automobilística há claros sinais de retração, outros setores, como o de TI ou o têxtil (que ganha mercado à medida em que sobem os preços dos importados) crescem na contramão da tendência internacional.
Qual será a resultante? Certamente o viés é de baixa, mas a intensidade da desaceleração é questão que não pode ser respondida sem uma alta dose de quiromancia.

10.12.08

diretas já! para diretor de redação


Quem sabe não poderíamos aproveitar este clima de crise, em que ninguém é de ninguém, e mexermos logo onde interessa. Deixemos o setor financeiro como está, fiquem os automóveis a tomar sereno nos pátios e vamos fazer soprar o bafo deste Leviatã que desperta sobre os clãs da grande imprensa e seu exército de mídias-ligeira.
Tenho certeza que para o bem deste país virtuoso, cuja fortuna bate sempre na trave, é muito mais importante estancar a insana cruzada conservadora/rentista/cosmopolita praticada cotidianamente por jornalões, revistinhas, TVs e rádios que tocam notícias.

Pois vejamos o que anda fazendo a Folha de São Paulo. Após invocar Netuno e prosear com Mefistófoles, o famoso jornal paulista amanheceu o dia estampando como manchete principal de seu caderno Dinheiro a catastrófica frase: "Crise interrompe crescimento virtuoso".
Frase de absoluta inconsequência e cinismo, visto que a matéria tratava do maior crescimento trimestral do PIB desde 1986 (Plano Cruzado) e de inédita participação dos investimentos (de 20% do PIB). Ou seja, não só crescemos, como crescemos da melhor maneira possível: puxados por taxas elevadas de investimento.

Mas, nas palavras da FSP:
"O melhor já ficou para trás. É isso o que os números do PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre de 2008 sugeriram ontem ao apontar um crescimento de 1,8% em relação ao segundo trimestre deste ano e de 6,8% sobre igual período do ano passado."


Os números não sugeriram isso!

Foram os melhores resultados de 2008. E os mais virtuosos, apoiados numa taxa recorde de investimentos (alta de 19,7%, a maior da série) e no consumo das famílias (7,3%, apoiada no aumento de 10,6% na massa salarial). Daqui para a frente, porém, a direção deve ser a inversa, de desaceleração."

Como é obvio, os números só trazem informações positivas e não há neles qualquer indicador de que agora a festa vá acabar.

Sabemos todos que o quarto trimestre deverá apresentar números bem menos vigorosos, mas não há como fazer tal afirmação a partir dos dados apresentados pelo IBGE e sobre os quais pretendia tratar a matéria.

Fica patente a má vontade. E é ainda mais grave porque, além do ineditismo dos números do IBGE, eles ocorrem em um momento em que, entre as 20 maiores economias do mundo, a brasileira foi a única que conseguiu superar no terceiro trimestre de 2008 a taxa de crescimento do segundo trimestre. Todas as demais sentiram a crise internacional já neste período que vai de julho a setembro, apresentando tendências de desaceleração.
Mas para a Folha, este fato não merece manchete, e aparece em letras menores, nas páginas internas do caderno Dinheiro. Mais importante foi estampar um palpite de que a crise nos pegou no auge!

Pois então, se é crise que tanto querem, que venha dela os argumentos para completarmos o nosso processo de democratização: Diretas Já! (Para diretor de redação)

7.12.08

porteñas, como no?


Não estou entre aqueles brasileiros que exercitam sua autoestima rivalizando com los hermanos argentinos. Ufanismos à parte, bastam algumas horas em Buenos Aires para reconhecer que em matéria de saber 'viver a urbe' os caras estão passos largos à frente.
Pois em recente viagem por lá, passei por alguns recantos especialíssimos, que compartilho aqui.

Comecemos pelo pouso: um muito charmoso hotel, cujo nome é a data de construção da casa: "1890". Tipo bed&breakfast (ou Boutique), com apenas seis apartamentos alinhados ao longo de um corredor-jardim, é uma construção típica das casas de tradição ibérica do século XIX. O lugar é realmente lindo, e tem como dona uma artista plástica de muito bom gosto que precisou fazer da casa da família uma fonte de renda. Recomendo em especial o apartamento "camélias brancas". A um casal enamorado não faltará nada.

Depois de enebriados pelas camélias do 1890, sugiro atravessar a pesada porta de madeira negra que leva à Rua Salta. Virar à direita e, apenas alguns passos depois, batam na portinha tímida de um restaurante chamado Aramburu (fica no nº 1074). Não se deixem despertar. Apenas sigam as doces orientações da garçonete de cabelos vermelhos. Aramburu é o nome do chef, que ao fundo do salão faz das suas, cozinhando cositas inusitadas, meio ao estilo da tal cozinha molecular (que valoriza a combinação de texturas, sabores e reações bioquímicas). Aceitamos a sugestão do vinho e a 45 pesos (algo como 25 reias) tomei o melhor que já havia experimentado: um "Trumpeter" (syrah&malbec) da Família Rutini. Mousse de fígado de coelho, petiscos da esquerda para a direita (sim, a ordem importa), carré de cordeiro com não sei que molho, .... E, na mesa ao lado, dois casais arquétipos da terra: homens barrigudos de costeletas aparadas, mulheres de roupa acetinada, empetecadas como a Presidenta Cristina.
Quanto ao preço, bastante razoával: Maria e eu pagamos algo como 80 reais (160 pesos).

E, para um outro dia, quando já estiver dispersa a memória do Aramburu, a sugestão é comer uma carne como se deve. Trata-se de um pequeno restaurante especializado em carnes, o La Brigada, comandado por um açougueiro que - dizem - é ainda hoje o responsável pelo corte das peças. Segundo lemos em um guia, se não me engano do jornal la Nacion, entre os portenhos o La Brigada é considerado o de melhor carne. E, meus caros, o La Brigada tem a melhor carne. Eu provei.
Antes de mais nada, este é o lugar para se experimentar as míticas mollejas (seriam glândulas salivares? pâncreas? ninguém sabe e quem sabe não diz), muito saborosas. Depois, depois?... depois é escolher uma das opções de carne e se deixar levar pelos sucos rojos. É estritamente recomendável pedir o especial da casa, corte "descoberto" pelo dono, que a ninguém conta o segredo. Vem à mesa inteiro (do tamanho de uma picanha) e é solenemente "fatiado" com uma colher de prata pelo garçon.
Ao sair do La Brigada, que tem dois endereços no coração de San Telmo, sugiro... qualquer coisa.

4.12.08

novas experiências de "Orçamento Participativo"


O amigo e xará Marcelo Brito, economista que fez estágio conosco na Coordenadoria de Economia Solidária na Prefeitura de Campinas, manda notícias do umbigo da Alemanha (uma cidade chamada Erfurt). Conta que começa a ser implantada lá uma experiência de Orçamento Participativo que, pelo que entendi, foi inspirada no OP de Porto Alegre.
A novidade interessante é que lá o OP é feito através de consultas públicas via internet, mediadas por uma equipe do poder local, que recolhe as sugestões, cria fóruns virtuais para avaliar e aperfeiçoar o que foi listado como prioridade.Ao final do processo, tem-se um documento indicativo que é encaminhado ao equivalente de nossa câmara de vereadores para subsidiar a construção do orçamento. (É isso mesmo, Marcelo?)

Daqui de longe, a idéia me parece mais sensata do que as que conheci no Brasil.
Como eu havia comentado com o Marcelo (reproduzo abaixo o email), a partir da experiência que tive com o OP em Campinas, vejo o OP como uma ferramenta de gestão bastante problemática, uma espécie de panacéia da democracia direta que, além de se sobrepor a outras instituições da democracia representativa (portanto enfraquecendo-as) pode produzir distorções que levam a resultados inversos aos esperados. De qualquer modo, o debate a respeito é relevante, ainda mais porque com as facilidades de interação dos cidadãos via Internet é provável e desejável que novas formas de articulação entre governo e eleitores ajudem não só a fortalecer os nexos democráticos, mas também a reduzir o peso do poder econômico no debate político.

Copia do email:

Vivi na prática o OP de Campinas (governo do PT) e diria que tenho muitas dúvidas sobre os seus resultados. Acontece que, a fim de garantir isonomia no processo, definiu-se que cada região da cidade teria dois projetos prioritários financiados pelo OP. Resultado: bairros miseráveis, como Pq Oziel ou Satelite Iris, estabeleceram a regularização fundiária e eletrificação como prioritários, enquanto bairros de classe média alta, como o Castelo ou a Vila Nova, que já tinham estas questões resolvidas, puderam se dar ao luxo solicitar um posto de saúde - sendo que poucos de seus moradores eram usuários do SUS.
Nós, que éramos da Secretaria da Saúde e que tínhamos um olhar técnico sobre como melhor gastar os recursos do SUS, discordávamos enfáticamente das escolhas, mas nada podíamos fazer, pois se tratava de uma decisão politicamente legitimada pelo OP.
No meu entender, o mandato político de um prefeito eleito já é (ou deveria ser) a escolha de uma determinada pauta de políticas públicas e não me parece funcional que a execução desta pauta seja contestada ou truncada por novas rodadas sucessivas de participação popular. Creio que o chamado "recall" (referendo para julgar o executivo no meio do mandato) talvez seja uma opção mais interessante e eficaz.
Mas são apenas impressões de alguém que viveu uma única experiência. Quem sabe esta modalidade virtual a que você faz referência não seja uma opção.
Aliás, li no Blog do Tas que na Espanha estão criando um Partido da Internet, através do qual representantes no legislativo deverão votar sempre de acordo com consulta prévia feita via internet a seus eleitores. O tal partido deve começar a funcionar em 2012.

2.12.08

um divisor de águas basicão

Àqueles que não passaram pelas carteiras de uma faculdade de economia, permitam-me um pequeno post em tom um tanto professoral. Inevitável.
Acontece que é muito difícil raciocinar no mundo da macroeconomia se não tivermos clareza sobre os nexos causais entre "poupança" e "investimento".
Antes porém, é importante alertar que, por um princípio contábil, a poupança total de um país será sempre igual à soma dos investimentos realizados no país. Isto porque o dinheiro que circula na economia só pode ser gasto de duas maneiras: como consumo ou investimento e, portanto, se o investimento é igual a tudo que deixamos de consumir, então ele é equivalente ao que foi poupado.
Até aqui, nada de extraordinário. Vamos adiante.
O nó aperta quando os economistas partem para a discussão de o que determina o que: é a poupança que determina o investimento ou o inverso? Até Keynes (anos 30), acreditava-se que o volume de poupança determinava o volume de investimentos. Este raciocínio, perfeitamente adequado ao mundo estático e natural da chamada economia neoclássica, sempre foi muito confortável aos não especialistas porque nas nossas vidas privadas, na vida da dona de casa ou do dono do armazem, de fato a poupança individual de hoje será o investimento individual de amanhã. Só que este comportamento (racional para o indivíduo), se generalizado, produz um colapso econômico. Se todos resolverem entesourar parte de sua renda, o consumo vai diminuir, a produção vai encolher, a renda futura vai diminuir, e ...brejo.
Ou seja: o agregado não equivale à soma das partes! E muita gente, mas muita gente mesmo atola na compreensão da economia por conta deste detalhe fundamental. Keynes chamou este problema de "a falácia da composição".
Avante!
Keynes percebeu, portanto, que ter dinheiro na mão não é pré-condição para o investimento, mas pelo contrário, são as decisões de investir que irão mobilizar a poupança agregada (somatório das poupanças individuais).
E isso faz toda a diferença.
Primeiro, porque a variável crucial a determinar o nível de atividade e de renda será a disposição para investir e esta será maior quanto maior e mais segura for a demanda agregada. Donde se tira que cabe ao governo estabelecer mecanismos que assegurem um tal volume de demanda que todos os recursos disponíveis, em especial a mão-de-obra, sejam empregados.
Segundo, não basta garantir a demanda agregada. Para que o processo de mobilização da poupança seja virtuoso é preciso criar mecanismos de financiamentos. Ou seja, a partir de um sistema financeiro suficientemente amplo, ágil e eficiente, sempre que as decisões de investimento demandarem capital, deverá haver a mobilização da poupança correspondente.
Portanto, muito cuidado com aqueles que creem na poupança ex-ante. Eles estão cegos ou são dissimulados. Não é sensato falar em escassez de poupança. A rigor, antes se deve buscar reduzir as incertezas quanto à demanda, depois garantir os mecanismos de financiamento do investimento. A poupança é resultado, nunca pré-condição.

Mas no mundo real o processo é ainda mais complicado. Como bem demonstra a atual crise financeira mundial, os mecanismos de mobilização da poupança (sistema financeiro), podem fugir ao controle. Se não houverem regras e limites rígidos que garantam a destinação da poupança aos investidores do setor produtivo, é inevitável que o sistema comece a rodar em falso. Se a poupança mobilizada se concentrar em determinados mercados, fazendo com que determinados ativos (aplicações) se valorizem de forma artificial (sem a correspondente ampliação do produto), haverá novos estímulos à mobilização de mais poupança que, na ausência de regras, deflagrará um processo de "exuberância irracional" que só se resolve com uma crise financeira.

Em suma, se o investimento é a chave para o bom caminho de desenvolvimento das forças produtivas com pleno emprego, e o sistema de crédito é o mecanismo capaz de mobilizar a poupança que sancione tal investimento, é crucial que o sistema de crédito - ou as possibilidades de mobilização do capital - esteja sob estrita vigilância e controle do setor público. É isto que conclui Keynes, quase que resignado, no último capítulo de seu mais famoso livro (A Teoria Geral). O mercado pode funcionar e é eficiente para muitas coisas, mas a decisão de onde e quanto investir é importante demais para estar a mercê dos humores e das peripécias dos agentes privados.